quarta-feira, 20 de junho de 2018

O DESENCANTO DOS BRASILEIROS





 
Ás vésperas de uma copa do mundo de futebol, a inanição da ex-pátria das chuteiras é geral. Cadê as vuvuzelas, cadê as bandeiras?  Cadê o comércio enfeitado, cadê as calçadas pintadas de verde e amarelo, cadê?
Quem diria que uma das definições mais clássicas, bem-humoradas e alentadoras do sentimento nacional, iria um dia virar pó?  Virou. O locutor esportivo Antônio Maria, escreveu nos idos da década de 1960, referindo-se a si e aos demais cidadãos: “Brasileiro, profissão: esperança”.
Hoje, no Brasil, a profissão é o desencanto. Quem diria que uma das mais profundas lamentações do escritor Machado de Assis, olhando os primeiros anos da nossa República, iria atravessar mais de um século? Atravessou. Vendo a corrupção e o fisiologismo que já brotava no meio político, naquela época, ele escreveu: “tudo cansa, tudo isso exaure”. Nada muito diferente do que dizer nos dias atuais, tudo isso desencanta.
Então é bom elegermos  logo, alguns fatos pontuais que muito racionalmente componham  esse “tudo”. Em se tratando do Brasil, em se tratando de loucura, nada mais natural do que começarmos pela política. Segundo Boris Fausto, um dos mais conceituados historiadores da América Latina: “no país não há apatia diante da disputa política; há desencanto”. Claro!  É tanta gatunagem com o dinheiro público, é tanto oportunismo deslavado, é tanto cinismo esfregado na cara do povo, é tanto desmando, é tanta corrupção (e, apesar da Lava Jato, ainda é tanta impunidade), que o desencanto  bateu no brasileiro – e desencanto quando bate, é duro de ir embora. É feito praga jogada por político e essa praga é pior que praga de madrinha, pega e não sai. Desencanto se pega, se lava, esfrega e ele não acaba.
Assim, tomemos como exemplo as eleições suplementares que aconteceram no Tocantins, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Foi espantoso o aumento nos índices de abstenções e de votos nulos e em branco. No Tocantins, a taxa registrada foi de 43,54% na tentativa de eleger um governador. Isso significa que, nesse estado, 443.414 eleitores desistiram de crer nos políticos. Em Teresópolis, no Rio de Janeiro, a percentagem sobe mais ainda na escolha de prefeito: 48,97%  se omitiram na votação. Já na mineira Ipatinga, na disputa pela Prefeitura, o coro do “não estou nem aí”, chegou a 47%. No cenário  nacional a descrença é na mesma proporção.
Pesquisas de intenção de voto para presidente da República, nas eleições de outubro, apontam que 45,7% dos cidadãos não irão às urnas porque      estão desiludidos e votarão nulo, ou em branco. Boris Fausto conclui: “no regime atual partidário se troca de legenda por tudo e por nada, para vender apoio e comprar conforto. Implantou-se uma corrupção sistêmica como nunca se viu”.  E a corrupção sistêmica é parteira do desalento.
Mas nem só de política vive o desencanto do brasileiro. Vamos falar de futebol. Viveu neste país um gênio do cine-jornalismo. Chamava-se Carlos Niemeyer, e ele documentava, em seu canal 100, os melhores lances dos Fla-Flu, os jogos do Santos de Pelé, os jogos do Botafogo do genial Garrincha, do Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes. Aqueles eram tempos alegres, ainda que ingênuos. Antes de qualquer filme começar, em qualquer cinema e para a plateia, exibia-se o Canal 100 com a música: “que bonito é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando, e vendo a rede balançar...” Muitas pessoas iam ao cinema só para ver o documentário. Hoje não vão mais. A rede pode balançar, deixar de balançar, furar até a rede, tanto faz ou fez.
Estamos com uma nova Copa do Mundo e a inanição da ex-pátria de chuteiras é geral. Cadê as vuvuzelas, cadê as bandeiras, cadê? Cadê o comércio enfeitado, as calçadas pintadas de verde e amarelo? Cadê os folhetos com os jogos a serem disputados, com horários e locais que eram distribuídos para todos?  Há quem diga que a razão dessa passividade foi os 7x1 que a seleção tomou da Alemanha, aqui mesmo no país. Dizem outros que o trauma foi em 1950, na inauguração do Maracanã, quando a seleção perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai, de virada, por 2x1. A expectativa de uma grande vitória sobre a Suíça foi frustrada com o 1x1 e, dizem por aí que o jogador Neymar vai terminar ficando fora da copa alegando alguma contusão, razão porque sempre está caindo em campo.
O desinteresse atual é fruto também de uma fraca economia, do empreguismo nos órgãos dos governos, a injustiça, somadas à penúria de cerca de 14 milhões de desempregados. Se o estômago vazio não joga bola, boca de estômago roncando de fome também não torce não, mano. E para temperar o desencanto com o pânico gerando a depressão e com a economia em frangalhos, veio a ainda a greve dos caminhoneiros que virou em baderna e escancarou a falta de autoridade reinante no País. Falamos da política vergonhosa, da economia em frangalhos e da justiça que não faz justiça aos bons cidadãos, só servindo de amparo aos corruptos e criminosos, falamos da bola que agora rola melancólica porque ninguém mais se ilude por causa da Copa de futebol.
Há, no entanto, um último retalho da colcha de desencanto. Trata-se do crescente número de brasileiros que abandonam o País porque, simplesmente, não dá mais para aguentar. São impostos exorbitantes, leis sem conta, inclusive algumas sem nenhum sentido, congresso brasileiro voltado exclusivamente para beneficiar seus membros, autoridades corrompidas etc.
Por essas e outras razões, muitos estão indo viver no exterior diante da falta de horizontes aqui dentro. E por falar em saídas, nas contas da Receita Federal, as declarações de quem vai embora explodiram mais de 50% entre 2015 a 2017. “O desencanto se agrava pelo sentimento de que não dá para mudar nada para melhor e não existe um futuro”, diz Luís Peres Neto, professor e pesquisador da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Na documentação de cada família que parte, deveria constar na identificação de saída o seguinte: “brasileiros,  profissão desencanto; tudo isso cansa, tudo isso exaure e tudo isso é vergonhoso...”
Fonte:
Revista “Isto É” – edição de 13/6/2018
+ Pequenas modificações.

Jc.
São Luís, 15/6/2018.

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