domingo, 6 de novembro de 2016

MELANCOLIA, SERENIDADE, ELEVAÇÃO = FASES DO IDOSO





 Dedico este texto a um pai, que em grande parte está vivendo uma velhice bem vivida. Ele ainda tem que ajeitar algumas coisas, mas que não ajeite muito rápido, para não ir embora tão logo!
Eu já observei muitas pessoas próximas e não muito próximas envelhecendo, e penso poder fazer alguns relatos, tirar algumas conclusões e formular algumas hipóteses. É fato que a velhice é o caminho natural e obvio para a libertação da existência terrena, embora nem toda ela ocorra somente na velhice, colhendo as pessoas em qualquer idade, sendo esse caminho atual para todos.
Nessa libertação da existência terrena há um enfrentamento e é o momento máximo em que estamos face a face com nós mesmos, sozinhos  - porque esse ato é um ato solitário, mesmo se acontecer simultaneamente com outras pessoas. Tanto é verdade, que muitos relatos de quase-morte e outros tantos pós-morte, via mediúnica, falam do filme que se apresenta à nossa percepção, com todos os anos da nossa vivência e atos da existência inteira.
Então é um momento de suprema introspecção e a condição de idoso já começa a fazer um trabalho nesse sentido. Já pelo próprio fato de que o idoso, por mais ativo que seja (e é saudável que permaneça ativo, dentro dos limites que a idade impõe) sempre estará atuando menos no mundo, do que alguém no vigor da juventude ou da maturidade, em virtude da diminuição gradativa das forças vitais; um retirar-se lentamente do cenário social, e por isso, a mente se volta para si próprio.
Lembranças recorrentes da infância, fatos esquecidos durante a existência, saudades dos que se foram...  enquanto estávamos ainda na correria da sobrevivência, guardamos tudo isso na nossa memória, que nesta fase da existência, relaxam-se as amarras e vêm à tona muita coisa escondida de si ou que nem lembrávamos. Há também um acúmulo de dores e alegrias que constituem a bagagem emocional que se foi amontoando no decorrer dos anos: lutas, perdas, ganhos, frustações, mágoas, decepções, ingratidões; realizações, conquistas  e afetos... Isso é o que é a velhice, que se apresenta de forma mais ou menos restritiva por incapacitações ou doenças. Mas viver essa velhice é algo pessoal de cada pessoa.
Depende, em primeiro lugar, como se viveu a  existência e o que
se faz agora com o resto da existência que ainda temos. A ausência de remorsos graves é de início uma boa coisa, mas se estiverem presentes pequenos ou grandes arrependimentos, é hora de rever, refazer, pedir perdão e, sobretudo, perdoar-se, sabendo que foi o possível de ser feito e melhores ações ficarão para a próxima existência. A certeza da reencarnação nesse ponto é altamente confortadora, afinal não precisamos aprender nem nos desfazermos das nossas imperfeições, tudo de uma só vez, pois haverá outras oportunidades. Entretanto, é bom durante a presente existência, irmos logo resolvendo as pendências e desculpando e pedindo desculpas para não ficarmos devedores.
A melancolia ou a serenidade e até a depressão, levando até a  necessidade do uso de antidepressivos, depende da capacidade de resistência e superação de todo esse arsenal de mágoas e tristezas que fazem parte de todas as pessoas... de como sabermos nos elevar até o alto da montanha e enxergar tudo com uma perspectiva de eternidade, com elevação, com compaixão e com perdão. De como sabermos transformar dores e frustrações em experiências de vida, em ensinamentos que sejamos capazes de partilhar com os que amamos, de forma benevolente e sem imposições. De como tivermos aprendido (e se não aprendemos, corramos para aprender enquanto na existência) a amar com desapego e compreensão.
O fato de não querer se tornar dependente e, portanto, fazer um esforço  de se manter em pé, é também um bom antídoto para uma velhice muito degradada, tendo, porém, o cuidado para que isso não seja mais orgulho do que autoestima e a pessoa não acabe  negando que a velhice, é sim, um período de limitações e temos que aceitá-la com humildade e grandeza de alma.
Há três questões que ajudam a tranquilizar nessa fase:
1- A espiritualidade é capaz de nos fazer conectar com Deus, com a natureza, com nossos semelhantes e com nossa essência divina e  fazermos tudo o que é capaz para encher o coração de paz;
2- A sensação de continuar sendo útil, podendo ser a simples presença, um conselho, um afeto caloroso aos filhos, netos, familiares, amigos, é muito positivo, sendo melhor do que num asilo, isolado dos que ama, vivendo uma verdadeira tragédia;
3-  A música. Existem pesquisas que mostram o impacto produtivo
dessa arte nos neurônios, nas emoções e na qualidade de vida das pessoas, principalmente as músicas suaves que atingem os sentimentos; fazendo os idosos ficarem mais tranquilos e felizes.
A fragilidade física que se instala no idoso, se acompanhada por uma tristeza, por certas circunstâncias da própria velhice, e se ele se entrega a recordações amargas, a culpas e apegos, se não consegue desenvolver defesas de elevação moral, de perdão a si próprio e aos outros, de serenidade existencial e de pensamentos otimistas e recordações alegres, o desânimo e a desapego a existência, podem concorrer para abreviar a sua partida da Terra...

Fonte:
Jornal “Brasília Espirita” – nº 202
Artigo da autora: Dora Incontri
+ Pequenas modificações

Jc.
São Luís, 22/9/2016