“Quem quer que seja depositário de autoridade, seja qual for a sua
extensão, desde a do senhor sobre seu servo, até a do presidente sobre o seu
povo, não deve esquecer que tem almas a seu cargo e que responderá pela boa ou
má diretriz que dê aos seus subordinados, e que sobre ele recairão as faltas
que estes cometam, os vícios a que sejam arrastados em consequências dos maus
exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos da solicitude que empregar para
os conduzir ao bem...” Kardec
O poder e a autoridade em
todos os tempos da história humana foram e sempre serão objetos de muitos
estudos, reflexões constantes, pois o exercício de chefia, de comando, em todas
as possíveis esferas comunitárias e sociais, tem grande impacto sobre as
existências dos grupos humanos, que não prescindem de ordem, de coordenação e
direção nas ações que repercutem sobre os destinos destas mesmas coletividades.
O trecho inicialmente
destacado aponta para a grave e atual responsabilidade a que todos estamos
sujeitos pelo bom ou mau uso que da autoridade fizermos. Não podemos nos
esquecer de que somos depositários de autoridade material na Terra e que, em
sentido absoluto, toda autoridade do Universo provém de Deus.
Allan Kardec, no livro “Obras
Póstumas”, faz uma abordagem lúcida
sobre como o ser humano tem exercido a autoridade junto aos seus
semelhantes: “Em nenhum tempo, nem no seio de nenhum povo,
os homens em sociedade , hão podido prescindir de chefes; com estes deparamos
nas tribos mais selvagens. Isto decorre em razão da diversidade das aptidões e
dos caracteres inerentes à espécie humana; há por toda parte homens incapazes,
que precisam ser dirigidos, homens fracos que reclamam proteção, paixões que
exigem repressão. Daí a necessidade imperiosa de uma autoridade.”
Na
mesma obra, Kardec diz ainda que vão sendo construidas na evolução dos grupos
humanos, oriundas inicialmente pela autoridade da experiência dos anciãos, a
aristocracia patriarcal. Posteriormente, conhecemos novos grupos hegemônicos
pela imposição da força, e eis aí o aparecimento da aristocracia da força
bruta. Originária das classes já
estabelecidas pelo uso da força, aparece a aristocracia do nascimento.
Com o crescimento da atividade comercial, aparece na história outro grupamento
de poder; a aristocracia do dinheiro que também propiciou o aparecimento de
outra aristocracia, a da inteligência que vigora até os nossos dias, vinculadas
a outras aristocracias.
O
problema é que, infelizmente, temos buscado a autoridade, muitas das vezes,
para a satisfação exclusiva do nosso ego doentio, vaidoso, orgulhoso, o qual
anseia pela investidura do poder para conferir-nos posição privilegiada no uso
da autoridade.
Kardec
afirma ainda que a aristocracia intelecto-moral entrará em vigor na Terra por
necessidade mesmo das coisas e da evolução do ser humano que não logrará
equilíbrio, justiça e paz, sem as aquisições verdadeiras advindas do bom uso da
inteligência a favor do bem-estar coletivo em detrimento de castas, grupos ou indivíduos
isoladamente.
Na
experiência humana o ato político, as atribuições de autoridade, não são
prerrogativas exclusivas dos representantes dos poderes públicos humanos,
poderes esses do Judiciário, Legislativo e Executivo, em todas as suas
instâncias constituídas. Em sentido mais amplo, somos todos agentes de poder, e
exercemos posições de comando e de subordinação na medida em que estabelecemos
relações e necessitamos regular e mediar os mais variados interesses. Fazemos isto nas mais comezinhas
situações do nosso cotidiano e nem percebemos o quanto esses atos obedecem a
princípios que também se repetem em níveis mais complexos.
Na
verdade as ações nefastas ou benéficas que agentes do poder da esfera social e
formal pública produzem são reflexos dos seus valores, de sua formação, de sua
educação e de seus gestos na esfera do ambiente doméstico, onde todos,
invariavelmente, procedemos e ensaiamos para as produções que se realizam no
campo das interações sociais. Na atualidade contemporânea, diante das lamentáveis
constatações dos descasos, das faltas de responsabilidades, da corrupção e
impunidade, e de tantos outros crimes protagonizados por agentes públicos que
maculam e atinge toda a sociedade, não bastam apenas as manifestações legitimas
de repúdio, de indignação e do acionamento dos instrumentos legais cabíveis disponíveis, para que se
combatam os efeitos danosos. Reformular processos e instrumentos legais de ação
da justiça e também dos instrumentos de controle e fiscalização são
indispensáveis, contudo, apenas alcançam e tratam dos efeitos.
Fundamental,
forjarmos a necessidade de buscar a origem dos
motivos que levam tantas pessoas, na alternância do poderes, a
repetidamente lesarem de forma direta e indireta, os cidadãos, aos quais
deveriam representar e bem servir. O melhoramento das instituições passa
necessariamente pela melhora moral das pessoas. Instituições sérias e de boas
práticas de conduta só o serão com pessoas sérias e de boa conduta ilibada. A
força e o vigor dessas instituições, promanam de seus agentes. Entendemos que é
um grande equívoco pensar que, apenas os representantes de altas hierarquias
dos poderes públicos constituídos, são os únicos que podem modificar e alterar
os cenários desfavoráveis aos quais estamos todos expostos. Obviamente, esses
senhores têm grande responsabilidade e devem sempre responder pelos seus atos
de forma proporcional ao seu poder de atuação.
Acreditamos,
por vezes, equivocadamente, que nossa esfera limitada de ação não fará nenhuma
ou pouca diferença no cenário coletivo.
Estamos subestimando nossa capacidade de influenciar positivamente uns aos
outros nas ações rotineiras da vida familiar e social. Esquecemos que o
administrador público honrado, o magistrado equânime, o legislador honesto e
sensato, passaram pela influência direta de pais, de familiares, professoras,
orientadores, amigos, colegas... Todos nós somos responsáveis pelos exemplos,
pelo uso da força de nossas convicções que oferecemos uns aos outros.
Se
é verdade que os exemplos de violência, de corrupção, de impunidade, de
injustiça, de desumanidade, nos afetam e estabelecem correntes de potencial
multiplicador, também é verdade que o oposto, de honestidade e de moral
elevada, é igualmente verdadeiro. Gestos autênticos de paz, de honradez, de altruísmo,
de justiça e de amor, podem mudar a ação de quantos forem alcançados por eles.
Admitindo
cada um, suas próprias limitações e imperfeições e procurando manter o foco em
objetivos mais comuns e menos particulares, cremos que estabeleceremos bases
mais sólidas para a construção de pontes em terrenos distintos, por vezes
áridos, inóspitos, ao invés da sistemática atual, que tem arregimentado esforços muito mais na criação de situações
de acusações, onde a preocupação com quem tem ou não tem razão, acaba no vazio
das discussões estéreis... Entendemos
que o momento atual não deve comportar
apenas as indignações
e acusações intermináveis.
É
preciso o esforço pessoal de realizar o melhor, o certo, o justo, não apenas
para nós, mas para os outros, ajustando nossa ação, dilatando as possibilidades
de serviço para o bem comum e reduzindo a carga de lamúrias e queixumes
desagradáveis. Devemos assumir que todos, indistintamente, somos responsáveis,
cada um com a sua parcela, pela melhoria do meio em que vivemos. O exercício da
cidadania pede conciliação, construção coletiva, contribuição, participação, diálogo, respeito
e não somente direitos, mas deveres de todos para com todos. A amorosidade no
exercício da reeducação dos próprios sentimentos deve estar em todos os
processos de enfrentamento de todos os males oriundos do egoísmo e do orgulho
humano.
A
Doutrina dos Espíritos resgatando a
pureza dos ensinamentos de Jesus e dilatando a compreensão da existência
material do Espírito em jornada evolutiva de aprimoramento é um valioso
instrumento para que a aristocracia do
mundo atual e futuro, seja baseada nos princípios de iluminação do raciocínio
pelas claridades dos corações, já restaurados
pela mensagem de amor que se estabelecerá no mundo em regeneração que se
aproxima.
Fonte:
Jornal “Brasília Espírita” –
5-6/1016
Autor: Maurício Curi
+ Pequenas modificações.
Jc.
São Luís, 28/5/2016