sábado, 16 de julho de 2016

O PODER, A AUTORIDADE E O EVANGELHO





“Quem quer que seja  depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do senhor sobre seu servo, até a do presidente sobre o seu povo, não deve esquecer que tem almas a seu cargo e que responderá pela boa ou má diretriz que dê aos seus subordinados, e que sobre ele recairão as faltas que estes cometam, os vícios a que sejam arrastados em consequências dos maus exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos da solicitude que empregar para os conduzir ao bem...”       Kardec
O poder e a autoridade em todos os tempos da história humana foram e sempre serão objetos de muitos estudos, reflexões constantes, pois o exercício de chefia, de comando, em todas as possíveis esferas comunitárias e sociais, tem grande impacto sobre as existências dos grupos humanos, que não prescindem de ordem, de coordenação e direção nas ações que repercutem sobre os destinos destas mesmas coletividades.
O trecho inicialmente destacado aponta para a grave e atual responsabilidade a que todos estamos sujeitos pelo bom ou mau uso que da autoridade fizermos. Não podemos nos esquecer de que somos depositários de autoridade material na Terra e que, em sentido absoluto, toda autoridade do Universo provém de Deus.
Allan Kardec, no livro “Obras Póstumas”, faz uma abordagem lúcida  sobre como o ser humano tem exercido a autoridade junto aos seus semelhantes:  “Em nenhum tempo, nem no seio de nenhum povo, os homens em sociedade , hão podido prescindir de chefes; com estes deparamos nas tribos mais selvagens. Isto decorre em razão da diversidade das aptidões e dos caracteres inerentes à espécie humana; há por toda parte homens incapazes, que precisam ser dirigidos, homens fracos que reclamam proteção, paixões que exigem repressão. Daí a necessidade imperiosa de uma autoridade.”
Na mesma obra, Kardec diz ainda que vão sendo construidas na evolução dos grupos humanos, oriundas inicialmente pela autoridade da experiência dos anciãos, a aristocracia patriarcal. Posteriormente, conhecemos novos grupos hegemônicos pela imposição da força, e eis aí o aparecimento da aristocracia da força bruta. Originária  das  classes já  estabelecidas pelo uso da força, aparece a aristocracia do nascimento. Com o crescimento da atividade comercial, aparece na história outro grupamento de poder; a aristocracia do dinheiro que também propiciou o aparecimento de outra aristocracia, a da inteligência que vigora até os nossos dias, vinculadas a outras aristocracias.
O problema é que, infelizmente, temos buscado a autoridade, muitas das vezes, para a satisfação exclusiva do nosso ego doentio, vaidoso, orgulhoso, o qual anseia pela investidura do poder para conferir-nos posição privilegiada no uso da autoridade.
Kardec afirma ainda que a aristocracia intelecto-moral entrará em vigor na Terra por necessidade mesmo das coisas e da evolução do ser humano que não logrará equilíbrio, justiça e paz, sem as aquisições verdadeiras advindas do bom uso da inteligência a favor do bem-estar coletivo em detrimento de castas, grupos ou indivíduos isoladamente.
Na experiência humana o ato político, as atribuições de autoridade, não são prerrogativas exclusivas dos representantes dos poderes públicos humanos, poderes esses do Judiciário, Legislativo e Executivo, em todas as suas instâncias constituídas. Em sentido mais amplo, somos todos agentes de poder, e exercemos posições de comando e de subordinação na medida em que estabelecemos relações e necessitamos regular e mediar os mais variados  interesses. Fazemos isto nas mais comezinhas situações do nosso cotidiano e nem percebemos o quanto esses atos obedecem a princípios que também se repetem em níveis mais complexos.
Na verdade as ações nefastas ou benéficas que agentes do poder da esfera social e formal pública produzem são reflexos dos seus valores, de sua formação, de sua educação e de seus gestos na esfera do ambiente doméstico, onde todos, invariavelmente, procedemos e ensaiamos para as produções que se realizam no campo das interações sociais. Na atualidade contemporânea, diante das lamentáveis constatações dos descasos, das faltas de responsabilidades, da corrupção e impunidade, e de tantos outros crimes protagonizados por agentes públicos que maculam e atinge toda a sociedade, não bastam apenas as manifestações legitimas de repúdio, de indignação e do acionamento dos instrumentos  legais cabíveis disponíveis, para que se combatam os efeitos danosos. Reformular processos e instrumentos legais de ação da justiça e também dos instrumentos de controle e fiscalização são indispensáveis, contudo, apenas alcançam e tratam dos efeitos.
Fundamental, forjarmos a necessidade de buscar a origem dos  motivos que levam tantas pessoas, na alternância do poderes, a repetidamente lesarem de forma direta e indireta, os cidadãos, aos quais deveriam representar e bem servir. O melhoramento das instituições passa necessariamente pela melhora moral das pessoas. Instituições sérias e de boas práticas de conduta só o serão com pessoas sérias e de boa conduta ilibada. A força e o vigor dessas instituições, promanam de seus agentes. Entendemos que é um grande equívoco pensar que, apenas os representantes de altas hierarquias dos poderes públicos constituídos, são os únicos que podem modificar e alterar os cenários desfavoráveis aos quais estamos todos expostos. Obviamente, esses senhores têm grande responsabilidade e devem sempre responder pelos seus atos de forma proporcional ao seu poder de atuação.
Acreditamos, por vezes, equivocadamente, que nossa esfera limitada de ação não fará nenhuma ou pouca diferença no cenário  coletivo. Estamos subestimando nossa capacidade de influenciar positivamente uns aos outros nas ações rotineiras da vida familiar e social. Esquecemos que o administrador público honrado, o magistrado equânime, o legislador honesto e sensato, passaram pela influência direta de pais, de familiares, professoras, orientadores, amigos, colegas... Todos nós somos responsáveis pelos exemplos, pelo uso da força de nossas convicções que oferecemos uns aos outros.
Se é verdade que os exemplos de violência, de corrupção, de impunidade, de injustiça, de desumanidade, nos afetam e estabelecem correntes de potencial multiplicador, também é verdade que o oposto, de honestidade e de moral elevada, é igualmente verdadeiro. Gestos autênticos de paz, de honradez, de altruísmo, de justiça e de amor, podem mudar a ação de quantos forem alcançados por eles.
Admitindo cada um, suas próprias limitações e imperfeições e procurando manter o foco em objetivos mais comuns e menos particulares, cremos que estabeleceremos bases mais sólidas para a construção de pontes em terrenos distintos, por vezes áridos, inóspitos, ao invés da sistemática atual, que tem arregimentado  esforços muito mais na criação de situações de acusações, onde a preocupação com quem tem ou não tem razão, acaba no vazio das discussões estéreis...  Entendemos que o momento atual não deve comportar  apenas  as  indignações  e  acusações  intermináveis.  
É preciso o esforço pessoal de realizar o melhor, o certo, o justo, não apenas para nós, mas para os outros, ajustando nossa ação, dilatando as possibilidades de serviço para o bem comum e reduzindo a carga de lamúrias e queixumes desagradáveis. Devemos assumir que todos, indistintamente, somos responsáveis, cada um com a sua parcela, pela melhoria do meio em que vivemos. O exercício da cidadania pede conciliação, construção coletiva,  contribuição, participação, diálogo, respeito e não somente direitos, mas deveres de todos para com todos. A amorosidade no exercício da reeducação dos próprios sentimentos deve estar em todos os processos de enfrentamento de todos os males oriundos do egoísmo e do orgulho humano.
A Doutrina dos Espíritos resgatando  a pureza dos ensinamentos de Jesus e dilatando a compreensão da existência material do Espírito em jornada evolutiva de aprimoramento é um valioso instrumento para que a aristocracia  do mundo atual e futuro, seja baseada nos princípios de iluminação do raciocínio pelas claridades dos corações, já restaurados  pela mensagem de amor que se estabelecerá no mundo em regeneração que se aproxima.

Fonte:
Jornal “Brasília Espírita” – 5-6/1016
Autor: Maurício Curi
+ Pequenas modificações.

Jc.
São Luís, 28/5/2016

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