segunda-feira, 17 de março de 2014

A ALIENAÇÃO DO DESEJO DO PRAZER E DO TÉDIO




  A busca por prazer e diversão como fuga do tédio leva o ser humano a se afundar cada vez mais em seu egoísmo, em seu individualismo. Diante disso, a figura do próximo perde sua verdadeira dignidade, tornando-se apenas um adereço. Nosso contexto econômico, político, social, cultural e até religioso aponta sempre para o individualismo.
Coloca-se o indivíduo no centro, porém o lado sócio afetivo do ser humano parece que cada vez mais é colocado de lado, como se este não tivesse valor algum. Com isso, o altruísmo, a valorização do próximo, a ética, a fraternidade, tudo isso fica de lado; afinal são questões que envolvem o próximo, o outro com quem temos que conviver e com quem formamos um conjunto, a humanidade. Nossas características, nossos sentimentos, nossa linguagem, nossos pensamentos... Tudo se forma porque fazemos parte de uma cadeia, nos inserimos em um ciclo de relações. Assim, carregamos a história e a cultura, porque fazemos parte de um todo maior do que simplesmente um mundo formado exclusivamente por mim, pelas minhas impressões, pelas minhas ideias, pelas minhas vontades, enfim, pelo totalmente subjetivo.
Várias foram as correntes que levaram a sociedade a cair nesse individualismo. Tudo levou a abrir a perspectiva para o individualismo, e de forma especial, ao hedonismo (corrente filosófica que coloca o prazer como bem supremo da existência humana), à busca desenfreada pelo prazer, algo tão característico de nosso tempo. Como não é difícil concluir, tudo o que é extremo traz seus lados negativos e nosso tempo pede uma síntese dos traços positivos dos séculos anteriores para solucionarmos os problemas que o século XX trouxe de forma especial o individualismo, fruto do hedonismo alienado de nossa era, grande gerador da depressão em razão da falta de valorização do próximo, do outro, em nossas vidas. O tédio é uma expressão da falta de sentido na existência das pessoas no mundo contemporâneo.
Hoje é comum vermos as pessoas falarem que estão entediadas, que tudo é tedioso, que nada resolve essa situação de tédio. É até estranho vermos pessoas reclamando tanto do tédio, sendo que, se olharmos à nossa volta, não faltarão problemas a serem resolvidos e situações nas quais podemos nos engajar para construir um mundo melhor. No Brasil, quantos não são os problemas de ordem social? Porém, o engajamento em situações ou lutas para a solução de problemas trará sempre algum tipo de prazer ou diversão. Logo, o que concluímos é que esse tipo de tédio na verdade revela como as pessoas estão se tornando vazias e estão se perdendo, perdendo seu lado humano, exatamente por causa do individualismo exagerado.
A partir da questão do desejo, na relação do ser humano com o mundo, Schopenhauer (1788-1860), abre espaço à frustração que o ser humano está sujeito a viver por causa de suas vontades. Ele sofre por não conseguir realizar seus desejos muitas vezes, o que torna sua existência infeliz. Porém, fazer com que o objetivo seja alcançado, lutar por ele, não significa uma vitória.  A realização de um objetivo, a conquista de um  desejo, é caminho para um novo desejo. O mesmo se mostra nas aspirações e nos desejos humanos cuja realização sempre nos acena como o fim último do querer; porém, assim que são alcançados já não se parecem os mesmos e, portanto, logo são esquecidos, tornam-se caducos, embora não se admita, são sempre postos de lado como ilusões desfeitas.
 Muito feliz é quem ainda tem algo a desejar, pelo qual se empenha, pois assim o jogo continua entre o desejo e a satisfação, e entre esta e um novo desejo, cujo transcurso, quando rápido, se chama felicidade, e quando é lento se chama sofrimento. Dessa forma, surge assim a ideia do “pêndulo”. A vida humana é um pêndulo entre o desejo o sofrimento e o tédio. Desejamos alguma coisa, queremos muito, porém, nossa felicidade, que supúnhamos encontrar na obtenção da mesma, acaba por se demonstrar uma grande ilusão, afinal, a obtenção da mesma não nos saciou e não nos satisfez plenamente. Cabe ao ser humano resignar-se diante dessa comprovação e compreender que nenhum desejo, por mais que possa ser satisfeito, trará ao ser humano a felicidade perene.
Em alguns momentos fugimos do tédio, em outros, fugimos do sofrimento. Eles fazem com que seres que se amam tão pouco, como os humanos, frequentes vezes procurarem uns aos outros se tornando assim a fonte da sociabilidade. Os homens precisam dos outros à sua volta, podemos dizer utilitarista, na qual o outro lhe é necessário, porque lhe é útil, torna-se um objeto de uso que serve para por fim ao tédio, para lhe tirar de uma situação que o incomoda, por que suas vidas estão vazias. Também a busca por prazer e diversão como fuga do tédio leva o ser humano a se afundar cada vez mais em seu egoísmo, em seu individualismo, e o outro cada vez mais vai perdendo sua dignidade, tornando-se apenas um adereço.
Tal situação nos assusta e fica a pergunta: “aonde isso irá nos levar?” Talvez o engajamento em causas humanitárias, que crescem cada vez mais no mundo, mas que ainda é insuficiente, transforme essa sociedade e seja a melhor forma de nos livrarmos do tédio e darmos sentido a nossas vidas. Vivemos uma era em que tudo é superficial. As relações, de uma maneira geral, parecem que nascem para não durar. Tudo isso mostra que a preocupação com o outro, perdeu espaço neste mundo, e que este foi tomado somente pelo culto do “eu”, e esse culto, essa busca pelo prazer, faz com que a sociedade de maneira geral não se volte para a solução dos problemas reais da sociedade, ou da humanidade de forma mais ampla. É como se a prazer pessoal fosse mais importante que o bem-estar da humanidade.
Em um país como o nosso, marcado pela cultura do carnavale pela preocupação com os realities shows que nos bombardeiam nas mais diversas emissoras de TV, vemos formas de se fugir do tédio, mas também nos desvia do que realmente deveria ser nosso foco.  Lucraríamos muito mais, se nossa real intenção de fugir do tédio se desse por meio de uma melhor conscientização em todos os aspectos. Nada adianta ficar querendo ceder aos nossos desejos somente para apaziguar nosso tédio, porque isso não irá garantir nossa felicidade. Poderíamos muito bem usar nossos esforços de maneira menos egoísta e individualista, de forma mais altruísta, sabendo reconhecer que o outro com quem convivemos deve ser valorizado. Assim, o engajamento em causas sociais beneficentes, pode ser a melhor maneira de se conseguir amenizar e até acabar com o problema do tédio, lutando contra todas as formas de alienação...
Fonte:
Revista “Filosofia” – 08/2012
Rodrigo dos Santos Manzano
+ Pequenas modificações

Jc.
São Luís, 22/10/2013