A BOA NOVA 1ª Parte
Hoje,
vamos transcrever alguns trechos dos trinta capítulos que constam do livro “Boa
Nova”, do Espírito de Humberto de
Campos, psicografia de Francisco Candido Xavier.
1-
Boa Nova. Os historiadores do Império Romano sempre observaram com
espanto os profundos contrastes da gloriosa época de Caio Júlio César Otávio,
que chegara ao poder, por uma série de acontecimentos felizes. Uma nova era
principia com aquele jovem enérgico e magnânimo. É que os historiadores não
perceberam na época de Otávio, o século
do Evangelho ou da Boa Nova. É por essa razão que o ascendente místico da era
de Caio se traduzia na paz e no júbilo do povo que se sentia no limiar de uma
transformação celestial.
2-
Jesus e o Precursor. Após a
famosa apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém, Maria recebeu a visita de
sua prima Isabel e de seu filho, em sua casa de Nazaré. Izabel dizia, com
carinhoso sorriso, que ficava espantada com o temperamento de João, dado às
mais fundas meditações, apesar da pouca idade. – Essas crianças, a meu ver –
respondeu-lhe Maria, com um brilho suave nos olhos, - trazem para a Humanidade
a luz divina de um caminho novo. Transcorridos alguns anos, vamos encontrar
João Batista na sua tarefa de preparação do caminho à verdade, precedendo o
trabalho divino do amor, que o mundo conheceria em Jesus.
3-
Primeiras Pregações. Nos
primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas manifestações, Jesus demandou
o oásis de Jericó e de lá se dirigiu então a Jerusalém, onde repousou, ao cair
da noite. Sentado como um peregrino, nas adjacências do Templo, Jesus foi
notado por um grupo de sacerdotes que se sentiram atraídos pela sua formosa
originalidade e pelo seu olhar lúcido, e se afastaram sem maior interesse. No
dia seguinte, pela manhã, após contemplar as maravilhas do santuário, tomou o
caminho da Galileia distante.
Em
breves instantes, depois de passar por Nazaré e descansar em Caná, seguiu Ele
para a cidadezinha de Cafarnaum, como se procurasse algum amigo que estivesse à
sua espera. Em instantes, Ele estava ás margens do Tiberíades e se dirigiu a um
grupo de pescadores, como se, de antemão, os conhecesse. Jesus aproximou-se, e assim que dois deles desembarcaram
em terra, falou-lhes com amizade: - Simão e André, filhos de Jonas, venho da
parte de Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
– André lembrou-se de já o ter visto, enquanto Simão Pedro surpreendido, o
contemplava enleado. Mas, quase a um só tempo, exclamaram respeitosamente: -
Sede bem-vindo!...
O
Senhor esboçou um sorriso sereno e inquiriu generosamente: Quereis serem meus
discípulos? – André e Simão se interrogaram a si mesmo, porém, como explicar
aquela fonte de confiança e amor que lhes brotava no âmago e, sem hesitarem,
responderam simultaneamente: - Senhor seguiremos os teus passos. Jesus os
abraçou com ternura e se dirigiram, em seguida, para o centro de Cafarnaum, e
Ele entrou na coletoria e avistando um funcionário, conhecido publicano da
cidade, perguntou-lhe: - Que fazes tu Levi? – O interpelado seduzido pelo suave
magnetismo de seu olhar, respondeu: - Recolho os impostos do povo, devidos a
Herodes. – Queres vir comigo para recolher os bens do céu? Perguntou-lhe Jesus,
com doçura. - Levi, que serias mais tarde o apóstolo Mateus, atendeu, comovido,
dizendo: - Senhor estou pronto! – Então vamos – disse Jesus abraçando-o.
Nesse
mesmo dia, o Mestre fez a primeira pregação da Boa Nova na praça, situada
naturalmente junta ás águas. Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de satisfação. Ele
aproveitaria o sentimento como mármore precioso e a boa-vontade como cinzel
divino. Os ignorantes, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e
os pecadores seriam em suas mãos o material de base para a sua construção
eterna e sublime. Converteria toda miséria e toda dor num cântico de alegria e,
tomado pelas inspirações de Deus, começou a falar da maravilhosa beleza do seu
reino.
4-
A Família Zebedeu. Na manhã que
se seguiu à primeira manifestação da sua palavra defronte do Tiberíades, o
Mestre se aproximou de dois jovens que pescavam nas margens e os convocou para
o seu apostolado, dizendo: - Filhos de Zebedeu desejais participar das alegrias
da Boa Nova?! Tiago e João, que já
conheciam as pregações do Batista e que o tinham ouvido na véspera, tomados de
emoção se aproximaram dele, transbordantes de alegria: - Mestre! Mestre! –
exclamavam felizes. Os dois rapazes galileus eram generosos, tinham carinhosas,
simples, ardentes e sinceras as almas. João tomou das mãos do Senhor e
beijou-as, enquanto Jesus lhe acariciava os macios cabelos. Tiago, como se
quisesse hipotecar a sua solidariedade, aproximou-se do Mestre e lhe colocou a
mão sobre os ombros, com sincero carinho. Ao entardecer, foram para a casa de
Simão. Enquanto os dois apóstolos fitavam em Jesus os olhos calmos, Zebedeu que
tinha chegado, o contemplava como se tivesse à sua frente o maior profeta do
seu povo. O velho pescador dando expansão ao seu entusiasmo disse: - Senhor!
Senhor! Trabalharemos convosco, pregaremos o vosso Evangelho, aumentaremos o
número dos vossos seguidores!... Ouvindo estas palavras, o Mestre elucidou,
pondo ênfase nas suas palavras: - Ouve Zebedeu! Nossa causa não é a do número;
é a da verdade e do bem. – Senhor, então
o Evangelho não será bom para todos?
Replicou o Mestre: - Em verdade, a mensagem da Boa Nova é excelente para
todos; contudo, nem todos os homens são ainda bons e justos para aceitá-la. É
certo que ela um dia será a causa do mundo inteiro, mas até lá precisamos
combater o mal; por enquanto, o número pertence aos movimentos da iniquidade,
porém os filhos de Deus vivem para o bom combate!
5-
Os Discípulos. Eram nas
proximidades de Cafarnaum, que o Mestre reunia os seus seguidores. Depois de uma das suas pregações, chamou Ele
os doze companheiros que seriam os intérpretes de suas ações e de seus ensinos. Pedro, André e Felipe eram
filhos de Betsaida, de onde vinham também Tiago e João, filhos de
Zebedeu, Levi, Tadeu e Tiago menor, filhos de Alfeu e sua esposa
Cleofas, parenta de Maria, eram nazarenos e amavam a Jesus, sendo muitas vezes
chamados “os irmãos do Senhor”, em vista de suas profundas afinidades afetivas.
Tomé era filho de um antigo pescador de Dalmanuta e Bartolomeu
nascera de uma família de Caná da Galiléia. Simão, o zelote,
deixara sua terra em Canaã para ser pescador, somente um deles, Judas,
nascera em Iscariotes e se dedicava ao comércio em Cafarnaum. O reduzido grupo
do Messias logo experimentou certa dificuldade para harmonizar-se. De vez em
quando, o Mestre os surpreendia em discussões sobre qual deles serias o maior
no reino de Deus, outras vezes, qual deles revelava sabedoria maior no campo do
Evangelho.
Iniciando-se
o período de trabalhos ativos, o Mestre reuniu os doze em casa de Simão Pedro e
lhes ministrou as primeiras instruções referentes ao grande apostolado: Não
penetrareis nos centros de discussões estéreis. Trabalhai em curar os enfermos,
limpar os leprosos, esclarecei os que se acham nas sombras dos crimes e os que
se encontram em trevas, dando de graça o que de graça a vós for concedido.
Quando penetrardes nalguma casa, saudai-a com amor; se essa casa merecer a
vossa dedicação, desça sobre ela a vossa paz; se não for digna, essa paz
retorne aos vossos corações. Porque não somos nós que falamos; mas o nosso Pai
é que fala por todos nós. Os que me seguirem serão desprezados, odiados e
perseguidos por minha causa, mas aquele que perseverar, será salvo. Se os
adversários da luz vão reunir contra mim as tentações, as zombarias e a
crueldade, o que não farão aos meus discípulos? – Judas se adiantou para o
Mestre e disse: - Senhor, os vossos
planos são justos, entretanto, nada poderemos edificar sem a contribuição de
algum dinheiro. E pretextando a necessidade de incentivar a grande causa, o
filho de Iscariotes fez a primeira coleta entre os discípulos. Depois exclamou satisfeito: - Senhor, a bolsa
é pequena, mas constitui o primeiro passo para realizar alguma coisa... Jesus
fitou-o serenamente e disse em tom profético: Sim, Judas, a bolsa é pequena,
contudo, permita Deus que nunca sucumbas ao seu peso!
6-
Fidelidade a Deus. Depois das
primeiras prédicas de Jesus, sobre a edificação do reino de Deus, que exigia trabalho
dos discípulos, esboçou-se um leve
movimento de incompreensão. Por que a Boa Nova reclamaria tamanhos sacrifícios?
–Após ouvir-lhes as dúvidas, Jesus ponderou:
Não podemos duvidar do amor do Pai para conosco e Sua dedicação nos
cerca desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e Ele já nos amava. Não
seria repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver
no afastamento, favorecendo a negação? Tudo na vida tem um preço que lhe
corresponde. Se vacilardes receosos ante as alegrias do trabalho e as bênçãos
do sacrifício, meditai nos tributos que a fidelidade ao mundo exige; o prazer
não costuma cobrar imposto alto e doloroso? Tiago então contou a história de um
amigo que acabou com a saúde por excessos nos prazeres condenáveis; Tadeu então
falou de um conhecido que ganhou fortuna e se tornou tão avarento a ponto de se
privar do necessário, que terminou sendo assassinado pelos ladrões; Pedro recordou o caso de um pescador que
sucumbiu tragicamente, por efeito de sua desmedida ambição. Jesus, depois de
ouvi-los, perguntou: - Não achais enorme o tributo que o mundo exige dos que se
apegam aos seus gozos e riquezas? Se o mundo pede tanto, por que não poderia Deus
pedir-nos lealdade? Trabalhemos pelo seu reino na Terra; e, porventura, sabemos
desde quando o Pai está trabalhando por nós? . . .
Um
deles exclamou: - Mestre, não seria melhor fugirmos do mundo para viver na
incessante contemplação do reino? Jesus respondeu: Que diríamos do filho que se
conservasse em perpétuo repouso, junto de seu pai que trabalha sem cessar, no
labor da grande família? Em verdade, ninguém pode servir a dois senhores; viver
para os prazeres condenáveis da Terra e para as virtudes sublimes do céu. O discípulo da Boa Nova tem de servir a Deus,
servindo à sua obra neste mundo. O grupo dos apóstolos calara-se,
impressionado. Então, todos, impulsionados por uma força interior, disseram,
quase a um só tempo: - Senhor, seremos
fiéis! . . .
7-
A Luta contra o mal. De todas as ocorrências na área apostólica, os
encontros do Mestre com os endemoninhados constituíam os fatos que mais
impressionavam os discípulos. A palavra “diabo”, segundo o sentido exato da
expressão, era o adversário do bem, simbolizando dessa forma, todos os maus
sentimentos que dificultavam o acesso das almas à aceitação da Boa Nova, bem
como, todos os homens e espíritos de vida perversa, que combatiam os propósitos
da existência pura, que deveriam caracterizar as atividades dos adeptos do
Evangelho.
Dentre
os seguidores do Mestre, Tadeu era o que mais se deixava impressionar por essas
cenas dolorosas. Quando os pobres obsidiados deixavam escapar um suspiro de
alívio, Tadeu volvia os olhos para Jesus maravilhado. Certo dia em que Jesus se
retirara para Cesaréia de Felipe, uma pobre demente lhe foi trazida para que
ele, Tadeu, anulasse a atuação do espírito perturbador que a subjugava. Apesar
de todos os esforços de sua boa-vontade, Tadeu
não conseguiu modificar a situação.
Somente no dia seguinte, com a presença de Jesus, à infeliz demente
recuperou a sua normalidade. Tadeu ficou a cismar. Por que o Mestre não tinha lhe transmitido o
poder de expulsar os demônios? Se era tão fácil a Jesus a cura dos doentes, por
que motivo não fazia ele a aproximação de todos os inimigos da luz, a fim de
que, pela sua autoridade, fossem definitivamente convertidos ao reino de Deus?
Certa
noite após ouvir as ponderações de Tadeu, Jesus lhe perguntou: - Tadeu, qual o
principal objetivo da tua vida? Ele respondeu: - Mestre tenho procurado
realizar o reino de Deus no coração. Jesus então lhe disse: - Se procuras essa
realidade, por que a reclamas no adversário em primeiro lugar? Se buscarmos
alcançar a sabedoria e o amor de Nosso Pai, indispensável se faz reconhecer que
todos somos irmãos no mesmo caminho..! -
Senhor, os espíritos do mal são também nossos irmãos? – inquiriu o apóstolo.
Jesus respondeu: - Toda a criação é de Deus. Os que vestem a túnica do mal, um
dia envergarão a da redenção pelo bem. O discípulo do Evangelho não combate o
seu irmão, como Deus nunca entra em luta com seus filhos; aquele apenas combate
toda manifestação de ignorância, assim como o Pai trabalha pela vitória do seu
amor, junto da humanidade. Tenho aceitado a luta como o Pai me envia e tenho
esclarecido que a cada dia basta o seu trabalho. Capacita-te de que ninguém
pode dar a outrem aquilo que ainda não possua no coração. Vai! Trabalha sem
cessar pela tua melhora; zela por ti e ama a teu próximo, sem olvidares que
Deus cuida de todos...
8-
Bom Ânimo. O apóstolo Bartolomeu foi um dos mais dedicados a Jesus,
desde os primeiros tempos das pregações junto ao Tiberíades. Entretanto,
Bartolomeu era triste e, vezes outras, o Senhor o surpreendia em meditações
profundas. Uma noite, enquanto os outros estavam ocupados, Jesus aproveitou
para lhe falar mais demoradamente. Após Jesus lhe fazer uma interrogativa,
Bartolomeu deixou falar o seu espírito: - Mestre, não saberia explicar o porquê
de minhas tristezas; só sei dizer que o vosso Evangelho me enche de esperanças
para o reino de luz que nos espera, além, nas alturas... Quando falastes que o
vosso reino não é deste mundo, experimentei uma nova coragem para atravessar as
misérias do caminho da Terra, pois, aqui, o mal parece obscurecer as coisas
mais puras!...
Por
toda parte, é a vitória do crime, o jogo das ambições, a corrupção e a colheita
dos desenganos!... Jesus fitou-o e lhe falou com serenidade: - A nossa
doutrina, entretanto, é a do Evangelho ou da Boa Nova, e já viste Bartolomeu,
uma boa notícia não produzir alegria? Se já tive ocasião de ensinar que o meu
reino ainda não é deste mundo, isso não quer dizer que eu desdenhe o trabalho
de estendê-lo, um dia, aos corações que mourejam na Terra. Achas, então, que eu
teria vindo a este mundo, sem essa certeza confortadora? O Evangelho terá de
florescer, primeiramente, na alma das criaturas, antes de frutificar para o
espírito dos povos. Venho de meu Pai, cheio de fortaleza e esperança, e a minha
mensagem há de proporcionar grande júbilo a todos quantos a receberem no
coração.
Houve
um pequeno intervalo e Bartolomeu interrogou: - Mestre, os vossos
esclarecimentos dissipam os meus pesares; mas o Evangelho exige de nós a
fortaleza permanente? Jesus lhe disse: - A verdade não exige: transforma. O
Evangelho não poderia reclamar estados especiais de seus discípulos; porém, é
preciso considerar que a alegria, a coragem e a esperança devem ser traços
constantes nas atividades de cada dia. – Mestre: não será justificável a
tristeza quando perdemos um ente amado, perguntou, e Jesus lhe respondeu: - Mas, quem estará perdido, se Deus é o Pai
de todos nós? Se os que estão sepultados no lodo dos crimes hão de vislumbrar,
um dia, a alvorada da redenção, por que lamentarmos, em desespero, o ente
querido que partisse ao chamado de Deus? A morte do corpo abre as portas de um
novo mundo para a alma. Ninguém fica órfão na Terra, como nenhum ser está
abandonado, porque somos todos filhos de Deus... Jesus entrou em silêncio, terminada a sua exposição
e Bartolomeu se dirigiu para casa, recordando as razões de suas tristezas, mas,
com surpresa, não mais as encontrou no coração.
No
sábado seguinte, Jesus começou a pregar a Boa Nova, cercado de seus numerosos
seguidores, e lançando um olhar sobre Bartolomeu que o contemplava, embevecido;
a luz branda de seus olhos generosos penetrou fundo no íntimo do apóstolo e o
pescador humilde experimentou a alma leve e feliz e escorreu uma lágrima no seu
rosto. Era a primeira vez que chorava de alegria. O pescador de Dalmanuta
aderira, para sempre, aos eternos júbilos do Evangelho do Reino de Deus.
9-
Velhos e Moços. Não era raro
observa-se, na pequena comunidade dos discípulos, o entrechoque das opiniões,
dentro do idealismo dos mais jovens. Muitas vezes, dividiam-se em discussões,
relativamente aos projetos do futuro. João comentava os planos de luta, Tiago
menor, seu irmão, falava do bom aproveitamento de sua juventude, o jovem Tadeu fazia promessas maravilhosas,
enquanto Pedro e André se punham a ouvir os companheiros. – Somos jovens –
diziam – iremos à Terra inteira, pregaremos o Evangelho às nações, renovaremos
o mundo...
Tão
logo o Mestre permitisse, sairiam da Galileia, e pregariam as verdades do reino
de Deus naquela Jerusalém cheia de preconceitos e de falsos intérpretes do pensamento
divino. Sentiam-se fortes e bem dispostos e supunham-se os únicos discípulos
habilitados a traduzir com fidelidade os novos ensinamentos. Apresentavam as
suas vantagens, debatiam seus projetos imensos. E pensavam consigo: que poderia
realizar Simão Pedro, chefe de família? Levi também estava enlaçado pelas
obrigações de cada dia. Simão, chamado o “zelote”, acompanhava as conversas,
humilhado. Era mais velho que ou demais e suas energias, a seu ver, já não
estavam boas para o serviço do Evangelho. Ouvindo as palavras dos filhos de
Zebedeu, perguntava a si mesmo o que seria de seu esforço singelo, junto a
Jesus.
Deixando-se
impressionar, procurou entender-se com o Mestre, para tirar as dúvidas que lhe
roíam o coração. Depois de expor os seus receios e vacilações, observou que
Jesus o fitava sem surpresa, como se tivesse pleno conhecimento de suas
emoções. O Mestre então falou: - Simão poderíamos acaso perguntar a idade de
Nosso Pai? E se fôssemos contar o tempo na ampulheta, quem seria o mais velho de
todos nós? A existência na sua expressão terrestre é como uma árvore. A
infância é a sua ramagem verdejante; a mocidade se constitui de suas flores; a
velhice é o fruto da experiência e da sabedoria. Há ramagens que morrem depois
de receber o sol, e flores que caem ao primeiro sopro da primavera; o fruto,
porém, é sempre uma benção de Deus. A ramagem é uma esperança, a flor uma
promessa, o fruto é a realização. Só ele contém o doce mistério da vida, cuja
fonte se perde no infinito da divindade!...
-
Então senhor, a velhice é a meta do espírito? – perguntou Simão. Respondeu
Jesus: - Não a velhice enferma, triste e amargurada que se conhece na Terra,
mas a da experiência que edifica o amor e a sabedoria. Disse ainda Jesus: -
Achas que os moços de hoje ou de amanhã poderão fazer alguma coisa sem os
trabalhos dos que os precederam e dos que estão envelhecendo? Poderia a árvore
viver sem a raiz; a alma sem Deus?! Lembra-te da tua parte de esforço e não te
preocupes com a obra que pertence a Deus. Quando te cerque o burburinho da
mocidade, procure amar os jovens que
revelem reflexão e trabalho, entretanto, não deixes de sorrir, igualmente, para
os levianos e inconstantes: são crianças que pedem cuidado, abelhas que ainda
não sabem fazer o mel. Esclarece-os, Simão, e não penses que outro homem possa
efetuar, no conjunto da obra divina, o esforço que te compete. Vai e tem bom
ânimo!... Dando Jesus por terminado o seu esclarecimento, Simão, o “zelote”, se
retirou satisfeito, como se houvesse recebido no coração uma energia nova.
Nessa
noite, Simão teve um sonho feliz para sua alma simples e acordando muito
alegre, procurou o Senhor e beijo-lhe a humilde túnica, exclamando feliz: -
Mestre, agora eu vos compreendo! Jesus contemplando-o com amor, disse-lhe: - Em
verdade, Simão, ser moço ou velho, no mundo, não interessa!... Antes de tudo, é
preciso ser de Deus! ..
10-
O Perdão. As primeiras
peregrinações do Mestre e seus discípulos haviam alcançado bons triunfos. Eram
doentes que agradeciam pelas curas, trabalhadores humildes que se enchiam de
santas consolações ante as promessas divinas da Boa Nova. As atividades,
entretanto, começaram a despertar a reação dos judeus rigoristas, que viam em
Jesus um perigoso revolucionário. O amor
que o profeta nazareno pregava vinha quebrar antigos princípios da lei judaica.
Os senhores da terra observavam as palestras dos escravos que demonstravam
imenso júbilo; os mais egoístas pretendiam ver no profeta um conspirador vulgar
que desejava insuflar a ira do povo contra Herodes; outras o julgavam um
feiticeiro que era preciso evitar.
Foi
assim que a viagem do Mestre a Nazaré redundou numa excursão de grandes
dificuldades. Não foram poucos os adversários que o precederam na cidade,
buscando lhe neutralizar a ação por meios de falsas notícias. Jesus sentiu a
delicadeza da situação criada com a primeira investida dos inimigos de sua
doutrina. Foram tamanhas ás discussões em Nazaré que reflexos nocivos se faziam
sentir sobre seus discípulos. Jesus então calmamente ordenou a retirada, afastando-se
da cidade. A maioria dos apóstolos estranhou que o Mestre nada fizesse,
reagindo contra as envenenadas insinuações a seu respeito. Pedro e Felipe
procuraram o Mestre, ansiosos pelo seu pronunciamento. – Mestre vos chamaram de
servo de Satanás, e reagi prontamente! – dizia Pedro. - Observamos que por vós mesmos nunca
oporíeis a contradita e por isso revidamos aos ataques – dizia Felipe, convicto
de haver prestado um bom serviço ao Mestre.
Jesus
após meditar e saindo de suas reflexões, interrogou: - Acaso poderemos colher
uvas nos espinheiro? - De modo algum me empenharia em Nazaré numa contradita
estéril aos meus opositores. Felipe então atalhou: - Mestre, a verdade é que a
maioria dos que comparecerem às pregações falava mal de vós! – Mas, não será
vaidade exigirmos que toda a gente faça de nossa personalidade elevado
conceito? – interrogou Jesus. –É indispensável considerarmos que o conceito é
respeitável, mas, antes dele, necessitamos obter a aprovação legítima da
consciência, dentro de nossa lealdade para com Deus. Felipe vendo que a
resposta não lhe satisfazia, perguntou: - Senhor, vossos esclarecimentos são
indiscutíveis, porém, nessa viagem a Nazaré; uns me acusaram de desordeiro e outros
de mau entendedor de vossos ensinos. Se os próprios irmãos apresentam essas
falhas, como há de ser o futuro do Evangelho? O Mestre respondeu: - Estas são
perguntas que cada discípulo deve fazer a si mesmo. Mas, com respeito à
comunidade, cumpre-me perguntar-te, Felipe: -
Já edificaste o reino de Deus no íntimo do teu espírito? – É verdade que
ainda não, – respondeu o discípulo. Disse Jesus:- O que é indispensável é nunca
perdermos de vista o nosso trabalho, sabendo perdoar com verdadeira
espontaneidade no coração. Se na vida um companheiro nos parece insuportável, é
possível que algumas vezes sejamos também considerados assim. Temos que perdoar
e trabalhar pelo bem dos nossos adversários, e desculpar os que zombam da nossa
fé. Nesse ponto, Pedro atalhou-o dizendo:
- Mas, para perdoar
não devemos aguardar que o
inimigo se arrependa? Jesus respondeu: - Pedro, o perdão não exclui a
necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. Foi quando,
então, Pedro fez a sua célebre pergunta: - Senhor, quanta vez pecará meu irmão
contra mim, que lhe hei de perdoar? Será até sete vezes? Jesus respondeu-lhe: -
Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes.
11-
O Sermão do Monte. Com as
primeiras claridades da Boa Nova, os enfermos e infelizes da sorte, habitantes
de Betsaida, Corazim, Dalmanuta, Magdala e outras aldeias, enchiam as ruas de
Cafarnaum em turbas ansiosas. Todos queriam o auxílio de Jesus, o benefício
imediato de sua poderosa virtude.
Certo
dia um pequeno grupo de infelizes procurou Levi. Desejavam explicações sobre o
Evangelho do Reino, de modo a trabalharem com mais acerto dentro dos ensinos do
Mestre. Levi manifestou certa estranheza e disse a eles: - O novo reino
congregará todos os corações sinceros e de boa vontade, que desejem irmanar-se
como filhos de Deus. Mas, que podeis fazer na situação em que vos encontrais?
Os interpelados então chegaram a reconhecer as suas deficiências e retiraram-se
tristes; porém, o Mestre pregaria àquela tarde no monte e talvez falasse dos
ensinos de que necessitavam?! Decorridos alguns instantes, Jesus e André deram
entrada na casa de Levi, e este a sorrir, relatou a ocorrência, com um
comentário: - Que conseguiria o
Evangelho com esses aleijados e mendigos?
Jesus falou com bondade: - Levi, precisamos amar e aceitar a preciosa
colaboração dos vencidos do mundo! Se o Evangelho é a Boa Nova, como não há de
ser a mensagem divina para eles, tristes e deserdados da imensa família humana?
Os vencedores da Terra não necessitam de boas notícias. Nas derrotas da sorte,
as criaturas ouvem mais altas a voz de Deus.
Levi aproveitando pequena pausa, falou:
- Senhor, minhas observações são do desejo de apressar a supremacia do
Evangelho, entre os que governam o mundo!
-Quem governa o mundo é Deus. Até que o tempo elimine as imperfeições,
através de séculos de experiências necessárias, os triunfadores do mundo são
pobres seres que caminham por entre tenebrosos abismos - afirmou o Mestre. André e Levi de olhos
úmidos escutavam o Senhor, quando chegaram Tiago, João e Pedro e o grupo se
dirigiu para o monte.
O
crepúsculo descia e centenas de criaturas se aglomeravam a fim de ouvirem a
palavra do Senhor. O Mestre surgiu, deixando perceber que se dirigia aos
vencidos e sofredores do mundo inteiro e como que esclarecendo o espírito de
Levi, que representava a intelectualidade entre os discípulos. Foi nesse
instante que Jesus pela primeira vez, pregou as Bem-aventuranças celestiais,
dizendo: - Bem-aventurados os pobres e os aflitos! Bem-aventurados os sedentos
de justiça e misericórdia! Bem-aventurados os pacíficos e os simples de
coração!... E por muito tempo falou do Reino de Deus e das Bem-aventuranças.
Quando Jesus terminou, muitas mães sofredoras e oprimidas lhe trouxeram os
filhinhos para que ele os abençoasse. Anciães lhe beijavam as mãos; cegos e
leprosos rodeavam-no com semblante radiante e diziam: - Bendito seja o filho de
Deus! E Jesus acolhia-os, enviando o sorriso de sua afeição.
Levi
sentiu uma emoção diferente que lhe dominava a alma. Observando os humildes que
se retiravam, então o discípulo percebeu os pobres amigos que o visitaram à
tarde, que desciam o monte, abraçados, com uma expressão de grande ventura,
como se os animasse um júbilo sem limite, e quando Levi os abraçou
transbordante, com a sinceridade de sua alma, o Mestre o contemplou enternecido
e disse: - Levi, meu coração se rejubila hoje contigo, porque são também
Bem-aventurados todos os que ouvem a palavra de Deus!...
12-
Amor e Renúncia. A noite caia
sobre a paisagem de Cafarnaum e Jesus se recolhia à casa de Pedro em companhia
dele. Simão, no entanto, ia pensativo como se guardasse uma dúvida no coração.
Inquirido pelo Mestre, o apóstolo esclareceu: - Senhor, em face dos vossos
ensinos, como deveremos interpretar a vossa primeira manifestação,
transformando a água em vinho, nas bodas de Caná? Não se tratava de uma festa
mundana? O vinho não iria cooperar para a embriaguez? Jesus compreendeu o
alcance da interpelação e disse: - Simão Pedro conhece a alegria de servir a um
amigo? Pedro não respondeu pelo que o
Mestre continuou: - As bodas de Caná foram um símbolo da nossa união na Terra.
O vinho ali foi bem o da alegria com que desejo selar a existência do Reino de
Deus nos corações. Estou com os meus amigos e amo-os. Os afetos da alma são
laços que nos levam a Deus.
Saibamos
santificar a nossa afeição, proporcionando aos nossos amigos o máximo de
alegria; as mais belas horas da existência são as que empregamos em amá-los,
atendendo as suas satisfações íntimas.
Simão, contudo, manifestando a estranheza que aquelas palavras lhe causavam,
interpelou o Mestre: - E como deveremos proceder quando os amigos não nos
entendam, ou quando retribuem com a ingratidão? Jesus lhe respondeu: - Pedro,
o amor verdadeiro e sincero, nunca espera recompensa. A renúncia é o seu
ponto de apoio, como o ato de dar é a essência da vida. A capacidade de sentir
grandes afeições já é em si mesma um tesouro.
Dias
depois, o Mestre, em seus ensinos, disse que todos os homens, que não
estivessem decididos a colocar o Reino de Deus acima de pais, mães e parentes,
não podiam ser seus discípulos. Terminados os labores evangélicos do dia, Pedro
interpelou o Senhor: - Mestre, como conciliar estas palavras tão duras com as
vossas recomendações, relativas aos laços sagrados entre os que se estimam?!
Jesus esclareceu dizendo: - O Evangelho não pode condenar os laços de família,
mas coloca acima deles o laço indestrutível da paternidade de Deus. Não
constitui o amor dos pais uma lembrança de amor e bondade permanente de Deus? O
Reino de Deus no coração deve ser o tema central de nossas vidas; tudo o mais é
acessório. Já pensaste Pedro, no supremo sacrifício de renunciar? Na construção
do Reino de Deus, chega um instante de separação, que é necessário se saiba
suportar com sincero desprendimento. Jesus deu por concluídas as suas explicações,
enquanto as mãos do apóstolo passavam de leve sobre os olhos úmidos.
13-
Pecado e Punição. Jesus havia
terminado mais uma de suas pregações, quando percebeu a multidão em alvoroço.
Alguns populares mais exaltados gritavam, enquanto uma mulher ofegante, cabelos
desgrenhados e faces avermelhadas, se aproximava dele, com uma súplica de proteção
a lhe sair dos olhos. Os judeus aglomerados excitavam o ânimo geral, reclamando
o apedrejamento da pecadora, na conformidade das antigas tradições. Solicitado,
então, a se constituir juiz dos costumes do povo, o Mestre exclamou com
serenidade e desassombro, causando estupefação a todos que o ouviam: - Aquele que estiver sem pecado atire a
primeira pedra!
Por
toda a assembleia se fez sentir uma surpresa inquietante. As acusações morreram
nos lábios dos mais exaltados. A multidão ensimesmava-se, para compreender a
própria situação. Enquanto isso, o Mestre pôs-se a escrever no chão,
despreocupadamente. Aos poucos, o local foi ficando deserto. Apenas Jesus e
alguns discípulos se conservavam ali, tendo ao lado a mulher a ocultar as faces
com as mãos. Em dado instante o Mestre ergueu a fronte e perguntou à infeliz: -
Mulher, onde estão os teus acusadores? A pecadora lhe respondeu apenas com o
olhar, num misto de agradecimento. Jesus continuou: - Ninguém te condenou?
Também eu não te condeno. Vai, e não peques mais. A infeliz criatura
retirou-se, sentindo uma sensação nova no espírito. A generosidade do Mestre
lhe iluminava o coração, que lhe banhava a alma. Enquanto a pecadora se
retirava, os poucos discípulos que estavam com o Senhor não conseguiam ocultar a
estranheza que lhe causara o seu gesto. Por que ele não condenara aquela
mulher; não era uma adúltera?
João
então o interrogou: - Mestre, por que
não condenastes a meretriz? Jesus fixou
no discípulo o olhar calmo, e respondeu: - Quais as razões que alegas para essa
condenação? Sabes o motivo pelo qual essa mulher se prostituiu? Terás sofrido
alguma vez a dureza das vicissitudes que ela passou? Não sabes quantas vezes
ela tem sido objeto de escárnio dos pais, dos irmãos e das mulheres mais
felizes. Não seria justo agravar-lhe os padecimentos infernais da consciência
pesarosa. João exclamou: Entretanto, ela pecou e fez jus à punição; não está
escrito que todos pagarão os seus próprios erros? O Mestre sem se perturbar,
esclareceu: - Ninguém pode contestar que ela tenha pecado; quem estará
irrepreensível na face da Terra? Há sacerdotes, magistrados e filósofos, que
prostituíram suas almas por mais baixo preço; e não lhes vi os acusadores.
Poder-se-ia desejar para a pecadora tormento maior do que aquele a que ela se
condenou? Quantas vezes lhe têm faltado o pão ou a manifestação de um carinho
sincero à alma angustiada. Esse o seu doloroso inferno, sua aflitiva
condenação. A Terra é como um grande hospital, onde o pecado é a doença de
todos; O Evangelho, no entanto, traz ao ser humano enfermo o remédio eficaz
para todas as estradas e um suave caminho de redenção. É por isso que não
condeno o pecador, pois, em todas as situações acredito no bem.
Vendo
tantos cegos e aleijados, Tiago o interpelou: - Mestre, sendo Deus tão misericordioso, por
que pune seus filhos com defeitos e moléstias tão horríveis? Respondeu Jesus: -
Acreditas que Deus desça de sua sabedoria e de seu amor para punir seus
próprios filhos? O Pai tem o seu plano determinado com respeito à criação
inteira; mas, dentro desse plano, a cada criatura cabe uma parte na edificação,
pela qual terá de responder. Abandonando o trabalho divino, para viver ao sabor
dos seus caprichos próprios, a alma cria para si a situação de sofrimentos, até
se reintegrar no plano divino.
Na
companhia de Tiago e João, o Mestre se encaminhou para o templo, onde um dos paralíticos
que ele havia curado relatava o acontecido, muito alegre. Jesus aproximou-se
dele e falou-lhe: - Eis que estás são. Não peques mais, para que não te suceda
coisa pior. . .
14-
A Lição a Nicodemos. Os mais
humildes e pobres viam no Mestre o emissário de Deus, cujas mãos repartiam em
abundância os bens da paz e da consolação. Os doutores não conseguiam ocultar o
descontentamento, porque, não obstante suas atividades derrotistas, Jesus
continuava beneficiando os aflitos e sofredores. Entre estes, figurava
Nicodemos, fariseu notável pelo seu coração bem formado e dotes de
inteligência. Uma noite ele procurou Jesus, em particular, seduzido pela sua
grandeza e sua doutrina salvadora. Após a saudação habitual, Nicodemos
dirigiu-se a Jesus: - Mestre sei muito bem que vindes de Deus, pois somente com
a assistência divina poderíeis realizar o que tendes efetuado. Tenho na minha
existência, interpretado a lei e desejava a vossa palavra de como deverei
lançar mão para conhecer o Reino de Deus! O Mestre lhe disse bondosamente: -
Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei; deverias ter-lhe
sentido os textos. Porém, em verdade devo dizer-te que ninguém conhecerá o
Reino de Deus, sem nascer de novo! O fariseu altamente surpreendido interrogou:
- Como pode um homem renascer de novo, sendo velho? Poderá regressar ao ventre
de sua mãe? O Mestre fixou nele os olhos
calmos e acrescentou: - Em verdade, reafirmo-te ser indispensável que o homem
nasça e renasça para conhecer a luz do reino!
Nicodemos perturbado, perguntou: - Como pode ser isso? Inquiriu Jesus
surpreendido: - És mestre em Israel e ignoras estas coisas? É natural que cada
um somente testifique daquilo que saiba; porém, precisamos considerar que tu
ensinas. Se falando eu de coisas terrenas, sentes dificuldades em
compreendê-las com os teus conhecimentos da lei, como poderás aceitar as minhas
afirmativas quando eu falar das coisas celestiais?. . .
Extremamente
confundido, retirou-se o fariseu, ficando André e Tiago empenhados em obter do
Mestre o necessário esclarecimento acerca daquela lição nova. Como seria
possível aquele renascimento? Também eles partilhavam da resposta que levara
Nicodemos a se retirar surpreendido. Jesus bondosamente perguntou-lhes: - Por
que tamanha admiração, em face destas verdades? As árvores não renascem depois
de podadas? Com respeito aos homens, o processo é diferente, mas o espírito de
renovação é sempre o mesmo. O corpo é uma veste para o homem, e toda roupagem
material acaba se destruindo, porém, o
homem, que é filho de Deus, encontra sempre os elementos necessários à mudança
do vestuário. A morte do corpo é essa mudança indispensável, porque a alma
existirá sempre, através de outras existências, até que consiga a provisão de
luz para a entrada definitiva no Reino de Deus, com toda a perfeição
conquistada ao longo dos rudes caminhos trilhados.
André
compreendeu e perguntou: - Mestre, já que o corpo é a roupa material das almas,
por que não somos todos iguais no mundo? Vejo jovens sadios, junto de aleijados
e paralíticos... Jesus lhe respondeu: - Acaso não tenho ensinado que tem de
chorar todo aquele que se transforma em instrumento da maldade? Cada alma
conduz consigo mesmo o inferno ou o céu que edificou na consciência. Seria
justo conceder-lhe uma segunda veste mais perfeita e bela, ao espírito rebelde
que estragou a primeira? Que diríamos da sabedoria do nosso Pai, se desse as
possibilidades mais preciosas aos que as utilizaram na véspera para o roubo, a
maldade e o assassinato? Os que abusaram da veste da riqueza vestirão depois as
dos escravos mais humildes, assim como as mãos que feriram podem vir a ser
deformadas. Tiago, com dúvidas, ainda perguntou: - Senhor desse modo observo
que o mundo deve sempre precisar do sofrimento, desde que o devedor, para
saldar sua dívida, tem que ter outro que lhe tome o lugar com a mesma dívida. O Mestre percebeu a
amplitude da objeção e informou:
- Tiago, ainda não percebeste que o primeiro mandamento da lei é uma
determinação de amor? Se nos prendermos à lei de talião teremos que reconhecer
que, onde existe um assassinato, haverá com um assassino; com a lei do amor,
porém, compreendemos que o verdugo e a vítima são dois irmãos, filhos de um
mesmo Pai. Basta que ambos sintam isso para que a fraternidade divina afaste os
fantasmas do sofrimento. Tiago aproximou-se e sugeriu a Jesus que falasse
daquelas verdades na pregação do dia seguinte; tendo Jesus lhe respondido: -
Será que não compreendeste? Pois, se um doutor da lei saiu daqui sem entender
nada, como queres que eu proceda para com a compreensão simplista das pessoas?
Além disso, mandarei mais tarde o Consolador, a fim de esclarecer e dilatar os
meus ensinos. A lei da reencarnação ali estava proclamada para sempre, no
Evangelho do Reino.
15- Joana de Cusa. Na multidão que acompanhava Jesus nas
pregações, achava-se uma mulher de nobre caráter, colocada na alta sociedade de
Cafarnaum. Tratava-se de Joana, esposa de Cusa, intendente de Ântipas na
cidade, onde tratava dos interesses vitais. Joana possuía verdadeira fé; contudo
não conseguia afastar as amarguras domésticas, porque seu esposo não aceitava
as claridades do Evangelho. Preocupada com seus dissabores, a nobre dama
procurou o Mestre, quando ele estava na casa de Simão, e lhe expôs as suas
contrariedades e padecimentos. O seu esposo não tolerava a doutrina do Mestre, existindo
divergências entre ela e seu companheiro, porque ele era alto funcionário de
Herodes, e repartia suas preferências religiosas, ora com a comunidade judaica,
ora com os deuses romanos, o que lhe permitia viver fácil e rendosamente.
Jesus
após ouvir-lhe a exposição, lhe aconselhou:
- Só existe um Deus e agradece ao Pai o haver-te julgado digno do bom
trabalho, desde agora. Teu esposo não te compreende a alma sensível; é leviano
e indiferente? Ama-o, mesmo assim. Não te acharias ligada a ele se não houvesse
para isso justa razão. Servindo-o com amorosa dedicação, estarás cumprindo a
vontade de Deus, e deves pelo Evangelho, amá-lo ainda mais.
Joana
estava com um brilho suave nos olhos e uma satisfação íntima, mas ainda
interrogou: - Para um entendimento no lar, não julgais acertado que lute por
impor os vossos princípios?
Agindo
assim, não estarei reformando o meu esposo para o vosso reino? O Mestre serenamente retrucou: - Quem sentirá
mais dificuldade em estender as mãos fraternas, será o que já atingiu os
conhecimentos do Pai, ou aquele que ainda se debate entre a ignorância e a
desolação, a inconstância e a indolência do espírito? Quanto à imposição das
ideias, por que motivo Deus não impõe a sua vontade e verdade aos tiranos da
Terra ou por que não fulmina com um raio o conquistador que espalha a miséria e
a destruição? A sabedoria celeste não extermina as paixões inferiores:
transforma-as, através do amor. Volta ao lar e ama o teu esposo com o material
divino que o céu colocou em tuas mãos. Joana de Cusa sentiu um alívio no
coração, e enviando um olhar agradecido, ainda ouviu-lhe as últimas palavras: -
Vai filha! Sê fiel!...
Os
anos passaram e ela multiplicou a sua fé. As perseguições políticas desabaram
sobre seu esposo que, torturado pela ideia de vingança, pelas dívidas, pelas
moléstias que atingiram seu corpo, voltou ao plano espiritual. Premida pelas
dificuldades, a nobre dama procurou trabalho para manter-se com o filhinho que
Deus lhe confiara. Cheia de fé sincera, ela esqueceu o conforto de outrora e
passou a dedicar-se aos filhos de outras mães e ocupando-se com os mais
subalternos afazeres para que o seu filho tivesse o pão.
No ano de 68, quando as perseguições aos cristãos iam intensas,
num dos espetáculos do circo, uma velha discípula do Senhor, estava amarrada ao
posto do sacrifício, tendo ao lado um homem novo, que era seu filho. Ante os
apupos do povo, foram ordenadas as primeiras flagelações. O executar das ordens
de olhar cruel, dizia: - Abjura!... A
antiga discípula do Senhor contempla o céu, sem uma palavra de queixa. Então o
algoz vibra o chicote sobre o rapaz seminu, que exclama, entre lágrimas: -
Repudia a Jesus, minha mãe! Não vês que nos
perdemos?! Abjura!... Por mim que sou seu filho... Dos olhos da mártir
correm abundantes lágrimas. As rogativas do filho são espadas de angústia que
lhe retalham o coração. – Abjura!... abjura!
Joana ouve aqueles gritos e recorda o lar as horas de ventura, os
desgostos, os fracassos do esposo e sua morte, a viuvez, as necessidades e o
trabalho duro... em seguida, ante os apelos do filho, recordou que Maria vendo
seu filho Jesus crucificado, soubera conformar-se com os desígnios divinos, e
pareceu-lhe ouvir ainda, na casa de Pedro, o Mestre a lhe dizer: - Vai filha,
sê fiel! Então possuída de força
sobrenatural, e fixando no jovem um olhar profundo, na sua dor imensa, exclamou firmemente: -
Cala-te meu filho! Jesus era puro e não desdenhou o sacrifício. Saibamos sofrer
na hora dolorosa, porque é preciso ser fiel a Deus. Em poucos instantes as
labaredas atingiram o seu corpo envelhecido. O algoz da mártir falou para ela:
- O teu Jesus soube apenas te ensinar a morrer? No último instante ainda teve
forças para dizer: - Não apenas a
morrer, mas também a vos amar!... Nesse momento sentiu a mão do Mestre lhe
tocar suavemente os ombros e escutou a voz carinhosa e inesquecível a lhe
dizer: - Joana tem bom ânimo... Eu estou aqui!...
Fim da 1ª parte.
Fonte:
Livro “Boa Nova”
Espírito de Humberto
de Campos
Psicografia de Chico
Xavier
Jc.