domingo, 29 de março de 2015

A BOA NOVA - 2ª Parte




  16- O Testemunho de Tomé.  De todos os discípulos, era Tomé o que mais se preocupava com a influência do Senhor junto aos homens mais importantes e mais ricos. Não raro insistia para que Jesus atendesse às exigências dos fariseus de autoridade e riqueza. Naquele dia em Dalmanuta, quando o Mestre descansava, o discípulo surgiu reclamando-lhe a sua atenção: - Senhor, alguns homens de importância estão na localidade e me fizeram portador de um convite amável; eles vos esperam em casa do centurião Cornélio!... Jesus perguntou com serenidade: – Que desejam de mim? – Querem conhecer—vos, Mestre! – replicou o discípulo. Jesus redarguiu com firmeza: - Não é necessário que me vejam, mas que sintam a verdade que trago de Nosso Pai. Deixando transparecer o desgosto com a resposta Tomé insistiu: - Mestre atenda-os!   Que será do Evangelho e de nós mesmos, sem o apoio dos influentes e poderosos? Acreditais na vitória sem o amparo dos que dominam o mundo? Jesus respondeu: -  Tomé, julgas então que o Evangelho seja uma causa dos homens perecíveis? Quem será o mais poderoso: Deus, que é o Pai de sabedoria infinita, na sua glória, ou um césar romano, que terá de rolar do seu trono, para o pó da sepultura? Tomé voltou a insistir: -  Mestre, eles só desejam um sinal de Deus nos céus. Respondeu-lhe Jesus: - Mas, se são incapazes de perceber a presença do Nosso Pai, como poderão reconhecer um simples sinal? Ante a firmeza da resposta, o apóstolo não mais insistiu, porém ainda interrogou: - Mestre, qual será a nossa senha? Como provar às criaturas que nosso esforço está com Deus? Respodeu-lhe Jesus: - Uma só palavra, que esclareça e console um coração atormentado.
Desde esse dia, Tomé não insistiu mais, porém não escapava das indecisões em matéria de fé. Dentro em pouco, a onda das perseguições venha desfazer a suave ventura. O Mestre fora preso, os discípulos se afastaram apavorados, com exceção de João que permaneceu junto á mãe de Jesus. Tomé chegou perto da cruz e se pôs a chorar, logo, porém, sentiu como se o olhar do Mestre o buscasse, entre as pessoas e observou que Jesus o fitava e, magnetizado, avançou, hesitante e ouviu Jesus dizer-lhe em voz quase imperceptível:  - Tomé o sinal do céu tem que ser o completo sacrifício de nós mesmos!...
Tomé tinha muitas indecisões, e quando a notícia fulgurante da ressurreição de Jesus chegou aos seus discípulos. Maria de Magdala, Pedro e João e outros companheiros tinham visto o Senhor, tinham-lhe escutado a palavra consoladora e divina. Incerto e vencido na sua fé, o discípulo procurou os outros companheiros, ansiando pela aparição do Mestre. Reunidos os discípulos, depois das preces habituais, Jesus penetrou na sala humilde com sereno sorriso, desejando a paz e bom ânimo para todos, como nos dias risonhos na Galileia. Tomé, sentindo grande emoção, ergueu os olhos, o Senhor sabendo o seu pensamento mais oculto, aproximou-se do discípulo de fé vacilante e o convidou para tocar-lhe as chagas. Então, tocado pela humildade do Mestre redivivo, ele prosternou-se e chorou. Ele acabava de vencer uma grande batalha...
17- Jesus na Samaria.  Descendo Jesus, de Jerusalém para Cafarnaum, seguido de alguns dos seus discípulos, alcançou a Samaria, quando o crepúsculo já estava sombrio. Felipe, André e Tiago, estando com muita fome, deixaram o Mestre a repousar e foram ao lugarejo mais próximo, em busca de alimento. O Mestre, olhando em volta reconheceu que estava ao lado da fonte de Jacó. Nesse instante se aproximou uma mulher e observou que o Mestre lhe ia ao encontro e em seguida lhe pedia de beber. Surpreendida, ela interrogou: - Como sendo tu judeu, me pedes um favor a mim, que sou samaritana? Jesus com o olhar tranquilo, redarguiu: - Os judeus e os samaritanos terão, porventura, necessidades diversas entre si? Vejo que não conheces os dons de Deus, porquanto se houvesses guardado os mandamentos divinos, compreenderias que te posso dar da água viva. – Que vem a ser essa água viva? – inquiriu á samaritana. Acaso serias maior do que o nosso pai Jacó que nos deu este poço? – Jesus lhe respondeu: - Mulher, água viva é aquela que sacia toda sede; vem do amor de Deus e santifica as criaturas.
Em seguida, prosseguiu: - Este poço de Jacó secará um dia. Não sentes a verdade de minhas palavras, ante a tua sede de todos os dias? Entretanto, os que beberem da água viva ficam eternamente saciado.  A mulher exclamou interessada:  - Senhor , dá-me dessa água!  Jesus disse-lhe: - Mas, ouve!  E o Mestre passou a falar sobre fatos e circunstâncias de coisas íntimas de sua vida particular, e dizendo-lhe que se fazia necessário á sagrada emoção do amor divino para lhe iluminar a alma, afastando-a de todas as necessidades penosas da existência material. 
Observando que não havia segredos para Jesus, a samaritana chorou e respondeu: - Senhor, agora vejo que és de fato um profeta de Deus. Meu espírito está cheio de boa-vontade e, há muito penso purificar minha vida e santificar os meus atos. Os meus familiares afirmam que devo celebrar o culto ao Todo- Poderoso neste monte; os judeus dizem que nenhuma cerimônia terá valor fora de Jerusalém. Agora que tenho a oportunidade de ouvir tuas palavras, ensina-me o caminho. – O Mestre observou-a compadecido e exclamou: -  Tens razão. Em verdade, afirmo-te que virá um tempo em que não se adorará a Deus nem neste monte nem em Jerusalém, porque o Pai é Espírito e só em espírito deve ser adorado. 
Suave silêncio se fez entre ambos e alguns instantes depois, chegaram os discípulos acompanhados de muitos populares, admirando-se todos de encontrarem o Mestre em companhia de uma mulher. Tiago e André haviam trazido pão e algumas frutas e insistiam com Jesus para que descansasse e comesse. O Mestre lhe disse:  - Não te preocupes André, não tenho fome; aliás, recebo um alimento que os meus discípulos ainda não puderam conhecer. – Qual? – atalhou o discípulo, com interesse. Jesus respondeu: - Meu alimento é fazer a vontade daquele Pai misericordioso que a este mundo me enviou, a fim de ensinar a sua bondade e seu amor. Meu sustento é realizar a sua obra. André retrucou: - É verdade, olhando a multidão que os acompanhavam, não podemos perder esta oportunidade de divulgação da Boa Nova.
Jesus observou o entusiasmo do discípulo e acrescentou:  - Não é isso o que me interessa; o êxito mundano. O que necessitamos em todas as situações é entender o que o Pai deseja de nós. Como todo o seu anelo é o trabalho, eu trabalho, sem me prender ao anseio das vitórias imediatas. Acaso podemos admitir que já fomos compreendidos? Calemo-nos por instantes, a fim de ouvir a opinião dessas pessoas. Os comentários ouvidos foram os mais negativos. Jesus então lhe disse: - Não vos admireis da lição deste dia.
18- A Oração Dominical.  Curada pelo Mestre, a sogra de Simão Pedro ficara maravilhada com os poderes do Nazareno, que falava em nome de Deus, com a sua fé profunda e ardente. Certo dia ela consultou o genro sobre a possibilidade de pedirem a Jesus, favores excepcionais para a família. O pescador examinou aquelas observações que lhe abriam os olhos com referência ao futuro, e buscou uma oportunidade para falar com o Mestre sobre o assunto. Chegada á ocasião, ele provocou muito de leve a solução do problema, ao perguntar a Jesus: - Mestre, será que Deus nos ouve todas as orações? Jesus respondeu: - Como não, Pedro? Não tenhas dúvidas que todas as nossas orações são ouvidas! Pedro exclamou respeitoso: - No entanto, se Deus ouve as súplicas de todos nós, por que tamanhas diferenças na sorte? Por que sou obrigado a pescar enquanto Levi ganha bom salário no serviço dos impostos? Como explicar que Joana de Cusa tenha servas quando minha mulher é obrigada a fazer o serviço todo de casa?
Jesus ouviu atentas as palavras e retrucou: - Pedro, precisamos não esquecer que o mundo pertence a Deus e que todos nós somos seus servidores. Os trabalhos variam, conforme a capacidade e o esforço de cada um. Hoje pescas, amanhã poderá pregar a palavra divina do Evangelho. Todo trabalho honesto é de Deus. Quem escreve  com sabedoria os pergaminhos não é maior do que aquele que lavra a terra. Um cultiva o pensamento; o outro o trigal que o Pai protege e abençoa. Se todos os filhos de Deus fossem cobradores de impostos, quem os pagaria? Já pensaste que tua mulher cuida dos afazeres da casa, enquanto Joana educa as suas servas? A qual das duas cabe responsabilidade maior; á tua mulher que cuida da casa ou à nossa irmã que tem algumas filhas de Deus sob sua proteção? É necessário que coloquemos o nosso coração a bem servi-lo, seja como rei ou como escravo, certo de que o Pai nos conhece e nos conduz ao trabalho ou à posição que mereçamos.
Pedro ouviu as explicações, confortado, e interrogou: - Mestre, como interpretar a oração? Jesus respondeu: - Deve a oração constituir nosso recurso permanente de comunhão ininterrupta com Deus. Nesse intercâmbio, as criaturas devem apresentar ao Pai, em segredo, as suas íntimas aspirações, dúvidas e esperanças. É necessário cultivar a oração, para que ela se torne um elemento natural da vida, como a respiração. Entretanto, os homens não se lembram do céu, senão nos dias de angústia e sofrimentos do coração e  ficam esperando resultados.
Decorridos alguns dias, Pedro lhe informou:  - Senhor, tenho procurado por todos os meios manter minha comunhão com Deus, mas não tenho alcançado o objetivo de minhas súplicas.  E o que tens pedido a Deus? – interrogou o Mestre sem se perturbar. - Tenho implorado à sua bondade que remova do meu caminho ou me dê á solução de certos problemas materiais. Jesus então esclareceu com brandura: - Pedro, enquanto orares pedindo ao Pai a satisfação dos teus desejos e caprichos, é possível que te retires da oração  inquieto e sem atendimento. Mas, quando solicitares as bênçãos de Deus, a fim de compreenderes a sua vontade justa e sábia, a teu respeito, receberás pela oração os benefícios divinos de consolo e da paz.
O apóstolo demonstrou ter compreendido, e Levi filho de Alfeu reconhecendo que o assunto interessava a todos, adiantou-se para Jesus, pedindo: - Senhor,  ensina-nos a orar!... Dispondo-os então em círculo, o Mestre elevando o seu espírito ao Pai Celestial, pronunciou, pela primeira vez, a oração que legaria à Humanidade:
     Pai nosso que estais em todo o infinito e também no nosso íntimo,
      Santificado seja o vosso santo nome;
      Venha a nós o vosso reino de paz e amor,
      Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como em todo o Universo.
      O pão nosso de cada dia, nos dai hoje,
      Amanhã e sempre que merecermos;
      Perdoa bom Pai, as nossas dívidas, nos possibilitando resgatá-las;
      E nos dê forças para que algum dia possamos
      Também perdoar aos nossos devedores; 
      Não nos deixeis cair nas tentações das nossas inferioridades;
      E livra-nos, Senhor, do mal que ainda reside em nós mesmos;
      Pois, sois todo poder, bondade, justiça, amor e misericórdia...
      (Peço desculpas por ter feito pequenas alterações, nesta oração. Jc.)
Levi tomou nota das sagradas palavras, para que a oração do Senhor fosse guardada em seus corações humildes e simples. Desde aquele dia memorável, a oração singela de Jesus se espalhou como um perfume dos céus pelo mundo inteiro...

19- Comunhão com Deus.  As elucidações do Mestre a respeito da oração encontraram nos discípulos certa perplexidade, em virtude das ideias novas que continham, acerca da concepção de Deus, agora, como Pai amoroso e misericordioso. Aquela necessidade de comunhão com o seu amor, que Jesus não se cansava de salientar, lhes aparecia como um problema obscuro que o homem do mundo não conseguiria realizar.
João, certo dia, procurou o Senhor, para ouvi-lo sobre as dúvidas que lhe atormentavam o coração: - Senhor tenho tentado compreender os meus deveres com respeito à oração, mas sinto que minha alma está tomada de hesitações. Anseio pela comunhão perene com o Pai, todavia, as ideias antagônicas se opõem aos meus desejos. Conversando com um amigo que se instrui com os essênios, me disse ele que toda edificação espiritual deve ser feita num plano oculto. Devo ocultar o que tenho de mais santo no coração?
 O Mestre, respondeu com brandura: - João todas as dúvidas que te assaltam é pelo motivo de não haveres compreendido que cada criatura tem um santuário no próprio espírito, onde a sabedoria e o amor de Deus se manifestam, através da consciência. Os essênios levam muito a sério a teoria do oculto, entretanto, o bem e a verdade devem ser patrimônio de toda a Humanidade. Eu tenho afirmado que não poderei ensinar tudo o que gostaria aos meus discípulos, tendo que reservar outras lições do Evangelho para o futuro, quando Deus permitir que o Consolador se faça ouvir entre os homens. A comunhão da criatura com o Criador é, um imperativo da existência, e a oração é o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai de infinita bondade. No que se refere à comunhão de nossa alma com Deus, não me esqueci de recomendar que cada alma ore em segredo no silêncio do seu íntimo, nas suas esperanças e aspirações mais sagradas.
João pediu ainda: - Mestre me ensine como deverei entender que Deus está igualmente entre nós. Jesus deixando perceber que não poderia ser mais explicito com palavras, disse apenas: - Eu te prometo. No dia seguinte, Jesus e João iam a pé com destino a Jericó, e  encontraram um rude lavrador cavando um poço à beira do caminho. Diante daquele quadro, Jesus parou com o discípulo a pretexto de breve descanso e perguntou ao trabalhador:  - Amigo, que fazes? – Busco a água que nos falta – respondeu o lavrador.-  A chuva é escassa nestas paragens? - tornou a falar Jesus.  – Sim, ultimamente a chuva vem se tornando uma graça de Deus.  O homem do campo continuou no seu trabalho exaustivo, e apontando para ele, Jesus disse então a João:  - Este quadro da Natureza é bastante singelo; porém é na simplicidade que encontramos os símbolos mais puros.  Esta paisagem deserta de Jericó pode representar a alma humana, vazia, sem sentimentos santificadores. Este trabalhador simboliza o cristão ativo, cavando o caminho árido, muitas vezes com sacrifício, suor e lágrimas, para encontrar a luz divina em seu coração, e a água é o símbolo mais perfeito da essência de Deus, que tanto está nos céus como na Terra. O discípulo contemplou o poço onde a água clara começava a surgir, após o esforço humilde do trabalhador que a procurava desde muitos dias, e teve ele a nítida compreensão do que constituía a necessária comunhão com Deus. João sentiu que finalmente compreendera o ensinamento...
20-  Maria de Magdala.  Maria ouvira as pregações de Jesus sobre o Evangelho, próximo da vila principesca onde vivia nos prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tornara-se de admiração profunda pelo Mestre. Que novo amor era aquele apregoado aos pescadores simples por lábios tão divinos? Até então vivia embriagando-se com as condenáveis alegrias. No entanto, seu coração estava em desalento. Sua beleza lhe escravizara os mais ardentes admiradores, mas seu espírito tinha fome de amor. O profeta nazareno havia plantado em sua alma novos pensamentos. Depois que lhe ouvira a palavra, observou que as facilidades que a vida lhe oferecia, agora lhe trazia um tédio ao espírito sensível. Maria chorou, embora não compreendesse porquê. O convite amoroso que Jesus fazia aos homens de uma nova vida parecia lhe ressoar no íntimo.
Depois de uma noite de grandes meditações, resolveu procurar o profeta, após muitas hesitações. Envolvida por esses pensamentos, Maria de Magdala penetrou na humilde casa de Simão Pedro, onde Jesus parecia esperá-la, tal a bondade com que a recebeu num grande sorriso. Vencendo as mais fortes impressões, e feitas às primeiras saudações,  ela falou com a voz embargada de emoção: - Senhor, ouvi a vossa palavra consoladora e venho até vosso encontro!... Tendes o poder do céu e podeis adivinhar como tenho vivido! Sou uma filha do pecado; todos me condenam. Entretanto, Mestre, observe como tenho sede do verdadeiro amor!  Minha existência com todos os prazeres tem sido estéril e amargurada... Ouvi o vosso amoroso convite ao Evangelho! Desejava ser um das vossas ovelhas; mas será que Deus me aceitaria?
As primeiras lágrimas lhe brotavam dos olhos, enquanto Jesus a contemplava, com bondade infinita, e sondando o seu pensamento, respondeu bondoso:  -  Maria, levanta os olhos para o céu e regozija-te, porque escutaste a Boa Nova do Reino e Deus te abençoa! Acaso, poderias pensar que alguém no mundo estivesse condenado ao pecado eterno? Onde, então, o amor de Nosso Pai? Nunca vista a primavera dar flores sobre uma casa em ruinas? As ruinas são as criaturas humanas,  e as flores são as esperanças em Deus. Sente hoje esse novo Sol a iluminar-te o destino! Agora caminhas sob a sua luz, porque o amor cobre a multidão de pecados.
Maria escutava o Mestre, assimilando as suas palavras. Homem algum havia falado assim à sua alma. Empolgada e ouvindo as referências de Jesus ao amor, ela acrescentou: - Senhor,  tenho amado e tenho sede de amor! Redarguiu Jesus: - Sim, tua sede é real. O mundo viciou todas as fontes de redenção.  O amor sincero não exige satisfações passageiras que se extinguem no mundo; só o amor que renuncia sabe caminhar para a vida suprema e traz a paz.  Maria que o escuta, interrogou ainda: -  Só o amor pelo sacrifício sacia a sede do coração? Jesus afirmou: - Na tua condição de mulher, já pensaste no que seria o mundo sem as mães extremadas no silêncio e no sacrifício?  Maria de Magdala ouvindo aquelas palavras começou  a chorar e exclamou: - Desgraçada de mim, Senhor, que não poderei ser mãe! O Mestre acrescentou: - E qual das mães será maior aos olhos de Deus? A que se devotou aos filhos de sua carne, ou a que se consagrou, pelo espírito, aos filhos das outras mães?
Aquela interrogação despertou-a para meditações profundas. Maria sentiu uma energia interior diferente, que até então desconhecia. A palavra do Mestre convidava-a a ser mãe de seus irmãos em humanidade, lhe fez  experimentar felicidade, e com os olhos em lágrimas, ainda murmurou comovidamente: - Senhor, doravante renunciarei a todos os prazeres do mundo, para adquirir o amor celestial que me ensinastes!... Maria receosa de um dia perder a convivência com o Mestre, ainda perguntou: - Senhor, quando partires deste mundo, como ficarei? Jesus compreendeu o motivo e o alcance de sua pergunta e respondeu: - Certamente que partirei, mas estaremos eternamente reunidos em espírito. O Mestre observando que Maria se preparava para regressar, lhe sorriu e disse: - Vai, Maria! Sacrifica-te e ama sempre. Longo é o caminho, difícil á jornada, estreita a porta; mas a fé remove montanhas... Nada temas; é preciso crer somente!...
A mensagem da ressurreição espalhara uma alegria infinita. Mais tarde, depois de sua gloriosa visão do Mestre ressuscitado, Maria voltou de Jerusalém para a Galileia, seguindo os passos dos companheiros. Os discípulos do Senhor abandonaram a região, a serviço da Boa Nova, e aos dois últimos a partir, Maria temendo a solidão da saudade, rogou a eles que a levassem, e ambos se negaram a atender seu pedido, por temerem o seu passado de pecadora. Maria compreendeu e lembrando-se do Mestre, resignou-se. Sem recursos, trabalhou em Magdala e outros lugares. Às vezes chorava de saudades, recordando o Mestre amado. Certo dia um grupo de leprosos veio a Dalmanuta, infelizes e cansados, perguntavam por Jesus e todas as portas se lhes fechavam. Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada e com direito de usar sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes transmitiu as palavras de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do Evangelho. As autoridades locais ordenaram a expulsão imediata dos enfermos. Maria percebeu a alegria no semblante dos infortunados, em face das suas revelações a respeito das promessas do Senhor, e então se pôs em marcha para Jerusalém, na companhia deles. Chegados à cidade, foram conduzidos ao vale dos leprosos que ficava distante, onde Maria de Magdala penetrou com convicção e espontaneidade de coração.
Dali em diante, todas as tardes, ela reunia o grupo de seus novos amigos e lhes falava do Evangelho. Maria lhes explicava que Jesus havia exemplificado o bem até à morte, ensinando que todos deviam ter bom ânimo. Os agonizantes arrastavam-se até  ela e lhe  beijavam a  túnica,  e Maria  lembrando-se de Jesus tomava-os em seus braços fraternos e carinhosos. Em breve tempo, sua epiderme apresentava igualmente manchas. Ela compreendeu a sua nova situação e lembrou-se da recomendação do Mestre, de que somente sabiam viver os que sabiam imolar-se. Alguns anos depois, sentindo-se no término da sua jornada terrena, Maria de Magdala desejou rever antigas afeições que se encontravam em Éfeso. Lá estavam Maria, mãe de Jesus, João e outros companheiros cristãos. Adivinhando que o fim de sua existência estava próximo, deliberou por em prática seu desejo. Nas despedidas, seus companheiros suplicavam-lhe os últimos conselhos, e ela apenas disse:  - Jesus deseja que nos amemos uns aos outros e na lealdade a Deus!...
Realizando sua aspiração, Maria de Magdala achou-se às portas da cidade; mas no justo momento em que avistou o casario de Éfeso, seu corpo alquebrado negou-se a caminhar. Uma família de cristãos do subúrbio recolheu-a a uma tenda humilde. Por alguns dias debateu-se entre a vida e a morte. Uma noite sua alma estava iluminada, seu peito não batia mais e seus olhos se achavam selados. Ela via o lago e seus companheiros. Foi quando ela viu Jesus aproximar-se, mais belo que nunca. O Mestre estendeu-lhe as mãos e ela se prosternou, exclamando: - Senhor!... Jesus recolheu-a com carinho nos braços e murmurou:  - Maria, já passaste a por estreita! Amaste muito! Vem comigo!...      
21- A Lição da Vigilância.  Aproximando-se o término de sua jornada terrena, Jesus reuniu os doze discípulos com o fim de lhes consolidar nos corações os santificados princípios da doutrina redentora. Jesus fitando os companheiros e, ao cabo de longa conversação,  perguntou com afetuoso interesse:  - E que dizem os homens a meu respeito?  Terão compreendido a substância de minhas pregações?!  João respondeu que os amigos o tinham na conta de ser Elias, que regressara, depois de elevado ao céu; Simão Zelote, relatou que algumas pessoas  acreditavam ser o Mestre o mesmo João Batista ressuscitado; Tiago, contou que ouvira dos judeus na Sinagoga que diziam ser o Senhor, o profeta Jeremias. Jesus lhes escutou as observações, e disse: - Os homens se dividem em suas opiniões;  mas vós que tendes estado comigo, quem dizeis que eu sou? – Simão Pedro, impulsionado por uma força superior, exclamou: -  Tu és o Cristo, o Salvador, o Filho de Deus Vivo.  –
Bem-aventurado sejas tu, Simão, porque não foi á carne que te revelou esta verdade, mas meu Pai que está nos céus. Bendito seja, pois começas a edificar no espírito a fonte da fé viva e sobre essa fé edificarei a minha doutrina de paz e esperança  – disse-lhe Jesus.  Enquanto Simão sorria, confortado com o que considerava um triunfo, o Mestre prosseguiu, esclarecendo quanto à revelação divina assentaria suas bases no futuro.
Em seguida, preparando os companheiros para os acontecimentos próximos, o Mestre continuou, dizendo:  - Amados, importa que eu vos esclareça o coração, a fim de que as horas tormentosas que se aproximam não cheguem a vos confundir a razão. Eu sou aquele Pastor que vem a Israel para reunir as ovelhas do imenso rebanho.  E qual o pastor que não dá testemunho de sua tarefa ao dono do redil? Faz-se mister o cumprimento da palavra dos profetas que me precederam no caminho!... Está escrito que eu padeça e não fugirei ao testemunho. Havendo pequena pausa, Filipe interrogou emocionado:  - Mestre, como pode ser isso, se sois o modelo supremo da bondade? O sofrimento será então o prêmio às vossas obras de amor e sacrifício? Jesus retrucou:  - Vim ao mundo para o bom trabalho e não posso ter outra vontade que não seja os desígnios dAquele que me enviou.
Os discípulos ficaram surpresos e o Mestre continuou: -  Não espereis por triunfos, que não os teremos agora sobre a Terra. Nosso reino ainda não é nem pode ser deste mundo... Por essa razão, em poucos dias, entrarei em Jerusalém para sofrer os mais penosos sofrimentos. Os sacerdotes me coroarão a fronte; serei arrastado como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão fel e vinagre, quando pedir água, para que se cumpram as Escrituras. O Mestre calou-se, e a pequena assembleia deixava transparecer sua surpresa. Foi aí que Simão Pedro, modificando a atitude mental do primeiro momento e deixando-se conduzir nas concepções falíveis do seu sentimento de homem, aproximou-se do Mestre e lhe falou: - Mestre convém não exagerardes as vossas palavras. Onde estaria Deus, então, com a justiça dos céus? Os fatos que nos deixais entrever viriam demonstrar que Deus não é tão justo!...  – Pedro retira essas palavras! Queres também tentar-me, como os adversários do Evangelho? Aparta-te de mim, pois neste instante tu falas pelo espírito do mal!... – exclamou Jesus com enérgica serenidade. O Mestre, ao sair, disse aos companheiros: - Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga os meus passos.
No dia seguinte, eles se punham a caminho e, os discípulos vivamente impressionados com as revelações da véspera. Simão seguia humilde e cabisbaixo. Não compreendia porque motivo fora Jesus tão severo para com ele. Aproximou-se novamente de Jesus e interrogou-o: - Mestre, por que razão mandou retirar as palavras em que vos demonstrei o meu zelo de discípulo sincero? Alguns minutos antes, havíeis afirmado  que eu trazia a inspiração de Deus, e logo após, me designais como intérprete dos inimigos da luz?- Simão, ainda não aprendeu toda a necessidade da vigilância. Basta um ato de amor para que te eleves ao céu; mas na jornada terrena, também basta, às vezes, uma palavra fútil ou menos digna, para que a alma do homem seja conduzida ao desespero das trevas por sua própria imprevidência. O discípulo do Evangelho terá sempre imenso trabalho, porque pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos entes queridos, que, embora ocupando nosso coração, ainda não entendem as conquistas santificadas do céu. . .
22- A Mulher e a Ressurreição.  A barca de Simão conduzindo o Senhor atingiu a praia. O velho pescador largando os remos deixava transparecer as emoções contraditórias de sua alma, e Jesus que o observava lhe perguntou: - Que tens tu, Simão? Surpreendido com a palavra do Senhor, ele disse: - Mestre, a lei que nos rege manda lapidar a mulher que perverteu a sua existência.  Jesus conhecendo seus escrúpulos lhe respondeu com brandura: - Quase sempre, Simão, não é a mulher que se perverte; é o homem que lhe destrói a vida. O apóstolo retrucou: - Observando os nossos costumes, Senhor, é que temo por vós, acolhendo tantas meretrizes e mulheres de má vida, nas pregações do Tiberíades!...  Jesus respondeu cheio de bondade: -  Nada temas por mim, Simão, porque eu venho de meu Pai e não tenho outra vontade a não ser a de cumprir os seus desígnios. Ouve ainda, Pedro! A lei antiga manda que se apedreje a mulher pervertida, mas também determina que amemos os nossos semelhantes, como a nós mesmos.
Podemos culpar a fonte, quando um animal polui as águas? De acordo com a lei, devemos amar a uma e a outro, seja pela sua ignorância seja pelos seus sofrimentos; pois o homem é sempre fraco e a mulher sempre sofredora; porém, uma e outro são iguais perante Deus, e as tarefas de ambos se completam, para que haja o mais santo respeito mútuo. Todavia, precisamos considerar que a mulher recebeu a sagrada missão da vida e tendo avançado mais que o homem na estrada do sentimento, está por isso mais perto de Deus. Na historia, ficam somente os nomes dos políticos, dos generais, dos filósofos, todos filhos da heroína que passa, no silêncio, sempre desconhecida. Por isso, as mulheres mais infelizes  ainda possuem no coração o gérmen divino, para a redenção da humanidade. – Tende razão, Senhor! – disse Simão.
Dois dias se passaram após o drama do Calvário e o raciocínio frágil dos discípulos não entendia a finalidade daquele sacrifício. Não era Jesus o filho de Deus que consolava os tristes, sarara enfermos de doenças incuráveis, ressuscitara mortos? Por que se humilhara assim, submetendo-se ao ridículo e a zombaria? Enquanto os comentários prosseguiam, a lembrança do Mestre ficava relegada ao plano inferior.  Desejava ele fazer ouvida a sua palavra no coração dos atormentados, mas, só a fé ardente e o amor conseguem vencer os abismos de sombra que separam a Terra e o Céu, e todos os discípulos estavam abatidos pelas ideias negativas.
Foi então que no terceiro dia, a  ex-pecadora Maria de Magdala se aproximou do sepulcro com perfumes e flores.  No seu coração estava aquela fé radiosa e pura que o Senhor lhe ensinara e a dedicação divina que lhe fizera renunciar a todas as paixões do mundo. Maria ia ao túmulo com amor e só o amor pode realizar os milagres supremos. Decepcionada por não encontrar o corpo, já se retirava, quando uma voz carinhosa e meiga falou aos seus ouvidos: -  Maria!... Ela em instantes reconhecia a voz inesquecível do Mestre e se virando contemplou o seu sorriso. Quis atirar-se aos seus pés, beijar-lhe as mãos num suave ato de afeto, porém com um gesto de ternura, Jesus esclareceu-lhe, dizendo: - Não me toques, pois ainda não fui ao meu Pai que está nos céus!...  Instintivamente ela se ajoelhou e receber o olhar do Mestre, num  transbordamento de lágrimas e ventura. Era a promessa de Jesus que se cumpria. A realidade da ressurreição era a essência Divina que daria a eternidade ao Cristianismo. . .
23-  O Servo Bom.  A condenação das riquezas se firmara no espírito dos discípulos, a tal ponto que, por várias vezes, Jesus foi obrigado a intervir de maneira a pôr termo a contendas injustificáveis. De vez em quando Tadeu queria impor aos assistentes das pregações, a entrega de todos os bens aos necessitados; Filipe afiançava que ninguém deveria possuir mais de uma camisa, constituindo  uma obrigação dividir com os infortunados, privando-se cada qual do indispensável  à existência. – E quando os pobres nos surgem somente nas aparências? Conheço homens abastados que choram na coletoria, como miseráveis, somente para não pagarem os impostos. Sei de outros que estendem as mãos à caridade pública e são proprietários de terras e outros bens – dizia Levi. Simão Pedro redarguiu: - Tudo isso é verdade, porém Deus nos inspirará sempre nos momentos, para que não abandonemos os que realmente estão necessitados. Filipe replicava com ênfase: -  É mais fácil um camelo( corda feita do pelo) passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.
Jesus não participava dessas discussões e aguardava uma oportunidade para um esclarecimento geral. Chegara o dia em que o Mestre sairia da Galileia para a última viagem a Jerusalém. A sua ida a Jericó era aguardada com curiosidade e grande multidão se apinhava nas estradas. Um publicano rico, de nome Zaqueu, conhecia o Mestre de nome e deseja conhecê-lo. Zaqueu era de pequena estatura e buscando satisfazer o seu desejo, procurou acomodar-se sobre uma árvore, levado pela ansiosa expectativa com que esperava a passagem de Jesus. Com o coração cheio de sensações viu o Mestre se aproximar e lhe admirando o porte nobre e sentindo-se magnetizado pela sua vibração, viu o Mestre parar e lhe dizer:  - Zaqueu, desce dessa árvore, porque hoje necessito de tua hospitalidade e de tua companhia. O publicano de Jericó desceu da árvore, possuído de júbilo.  Abraçou-se a Jesus com prazer, e ordenou todas as providências para que o querido hóspede e sua comitiva fossem recebidos em sua casa com a maior alegria. O Mestre escutava as observações do publicano, com grande escândalo dos seus discípulos. – Não se tratava de um rico que devia ser condenado? -  Inquiria Filipe a si próprio. Simão Pedro refletia:  - Como justificar tudo isso,  se Zaqueu era  homem rico e pecador perante a lei?
Dentro de instantes, toda a comitiva penetrava na residência do publicano, que não ocultava o seu contentamento. Jesus lhe conquistara as atenções tocando-lhe as fibras mais íntimas do Espírito, com a sua presença. Tratava-se de um hóspede bem-amado que ficaria eternamente em seu coração. Aproximava-se o crepúsculo, quando Zaqueu mandou oferecer uma leve refeição a todo o povo, em sinal de alegria, e sentou-se com Jesus e os discípulos numa varanda a conversar. O assunto era a nova doutrina e, sabendo que o Mestre não perdia o ensejo de condenar as riquezas criminosas no mundo, o publicano esclareceu com toda a sinceridade de sua alma: - Senhor, é verdade que tenho sido observado como um homem de vida reprovável; mas, desde muitos anos, venho procurando empregar o dinheiro de modo que represente benefício para todos os que me rodeiam.
Observando que aqui em Jericó havia muitos pais de família sem trabalho, organizei múltiplos serviços de criação de animais e de cultivo permanente das terras. Até de Jerusalém já vieram famílias trabalharem aqui. - Abençoado seja o teu esforço – replicou Jesus. Zaqueu ficou estimulado e continuou: -  Os servos de minha casa nunca me encontraram sem a sincera disposição de servi-los. Exclamou Jesus: - Regozijo-me contigo, porque todos nós somos servos de nosso Pai. O publicano, que tantas vezes fora injustamente acusado, sentiu grande satisfação. Extasiado, levantou-se e, estendendo as mãos a Jesus, exclamou alegremente: - Senhor, Senhor, tão profunda é a minha alegria, que repartirei hoje, com todos os necessitados, a metade de meus bens e, se já prejudiquei alguém, indenizá-lo-ei quadruplicadamente!...  - Jesus o abraçou com um sorriso e respondeu: - Bem-aventurado és tu, Zaqueu, que agora contemplas em tua casa a verdadeira salvação.
Alguns dos discípulos, principalmente Filipe e Simão, não conseguiam ocultar suas deduções desagradáveis. Aferrados às leis judaicas e no sentido literal das lições do Mestre, estranhavam aquela afabilidade de Jesus aprovando Zaqueu, um rico do mundo, publicano e pecador. Tendo o dono da casa se ausentado para ir buscar os filhos para conhecerem o Mestre, Pedro e Filipe começaram as perguntas: Por que tamanha  aprovação a um  rico  mesquinho?  As riquezas não eram condenadas pelo Evangelho? Por que hospedarem-se numa vivenda suntuosa e não numa casa humilde? Poderia alguém servir a Deus e ao mundo do pecado? O Mestre deixou que cessassem as interrogações e esclareceu:  - Amigos, acreditais, porventura, que o Evangelho tenha vindo ao mundo para transformar todos os homens em miseráveis mendigos? Qual a esmola maior: a que socorre as necessidades de um dia ou a que adota providências para toda a vida? No mundo vivem os que entesouram na Terra e os que entesouram no Céu. Os primeiros escondem no cofre da ambição e do egoísmo e, algumas vezes, atiram moedas aos famintos para livrar-se de sua presença;  os segundos ligam suas existências a muitas vidas, fazendo dos seus servos e dos auxiliares a continuação de sua própria família. Estes últimos empregando os depósitos de Deus são seus mordomos fiéis no mundo. Qual será o mais infeliz: o mendigo sem responsabilidade, a não ser sua própria manutenção, ou um pai com  os filhos a lhe pedirem o pão? Ditosos, os que repartirem os bens com os pobres, e  agradecidos a Deus com aos bens que lhes foram confiados.
Voltando, Zaqueu mandou servir uma grande mesa ao Senhor e seus discípulos, e então o publicano apresentou seus filhos a Jesus e mandou que seus servos festejassem aquela noite memorável. Foi então que Jesus contou a famosa “parábola dos talentos”, e seus lábios disseram   as palavras: - Bem-aventurado sejas tu, Zaqueu, servo bom e fiel!. . .   
24-  A Ilusão do Discípulo.  Jesus havia chegado a Jerusalém sob uma chuva de flores. De tarde, após a consagração popular, Judas e Tiago caminhavam pela estrada que conduzia a Betânia. Judas deixava transparecer no semblante, íntima inquietação. – Tiago, não achas que o Mestre é demasiado simples e bom para quebrar o jugo tirânico que pesa sobre Israel? Tiago respondeu: - Poderias admitir no Mestre as disposições destruidoras de um guerreiro? Replicou Judas:  - Não tanto assim, mas tenho a impressão de que o Mestre não considera  as oportunidades. Ainda hoje, os doutores da lei me fizeram sentir a inutilidade das pregações evangélicas para as pessoas mais ignorantes e desclassificadas. As necessidades do nosso povo exigem um condutor enérgico. Tiago retrucou:  - Israel sempre teve seus orientadores revolucionários; o Mestre, porém,  vem  efetuar  uma  renovação,  edificando o  reino  de Deus, no coração das pessoas!  Judas ainda retrucou:  -  Mas, como conseguir renovações sem o apoio dos homens poderosos? Tiago respondeu: - E quem haverá mais poderoso do que Deus, de quem o Mestre é o enviado?  Jesus já nos esclareceu que o seu reino não é deste mundo e nos disse que o maior na comunidade será sempre aquele que se fizer o menor de todos. Judas respondeu: -  Não podemos considerar esses excessos de teoria do Mestre. Hoje mesmo vou estar com influentes na política de Jerusalém e vou fazer acordos com eles para imprimir novo movimento às ideias do Mestre.  Tiago ainda lhe disse:  - Judas!  Judas!... Vê lá o que vais fazer! Recorrer aos poderes transitórios do mundo, sem um motivo que justifique esse recurso, não será desrespeito à autoridade de Jesus? Além de tudo, não podemos ser mais sábios, nem mais amorosos do que o Mestre e ele sabe o melhor caminho para a conversão dos homens!...  Judas silenciou, aflito.
Judas recordou, depois, suas primeiras conversações com as autoridades do Sinédrio, e passou a noite meditando na execução de seus sombrios desígnios. O Mestre, a seu ver, era muito humilde e generoso para vencer sozinho, por entre a maldade e a violência. A madrugada o encontrou decidido na embriaguez de seus sonhos ilusórios, e, ao amanhecer, demandou o centro da cidade e foi recebido pelo Sinédrio, onde lhe foram hipotecadas relevantes promessas. Apesar  da sua mesquinha gratificação e desvairado no seu espírito ambicioso, Judas esperava ansiosamente o instante de triunfo para dar ao Mestre a alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do mundo.
Depois de algum tempo, seu Mestre foi preso, humilhado escarnecido e conduzido à cruz da ignominia, debaixo de vilipêndios e flagelações. Observando os acontecimentos que contrariavam os seus propósitos, ele se dirigiu a Caifás, pedindo o cumprimento de suas promessas. Os sacerdotes ouvindo-lhe as palavras sorriam com sarcasmo. Judas, com dor na consciência, ainda peregrinou pela cidade, acalentando o propósito de desertar do mundo, numa traição aos compromissos mais sagrados de sua vida. De longe Judas contemplou as cenas humilhantes do Calvário, enquanto relâmpagos terríveis resgavam o céu, Judas ouvia em sua consciência, o Mestre dizer:  - Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai, senão por mim!...
25- A Última Ceia.  Reunidos os discípulos em companhia de Jesus, no primeiro dia das festas da Páscoa, o Mestre partiu o pão com a costumeira ternura. Os companheiros comentavam com simplicidade e alegria as manifestações do povo, enquanto o Mestre meditava silencioso. Em dado momento, tendo-se feito longo silêncio, o Mestre acentuou com firmeza impressionante: - Amados, é chegada a hora em que se cumprirá a profecia da Escritura. Humilhado e ferido terei de ensinar em Jerusalém a necessidade do sacrifício próprio, para não triunfar apenas uma espécie de vitória passageira quanto ás edificações do egoísmo e do orgulho humanos.
Os homens têm aplaudido, em todos os tempos, os exércitos que são glorificados pelos despojos sangrentos e os grandes que dominaram à força as multidões; entretanto eu vim de meu Pai para ensinar como triunfar os que sofrem no mundo, cumprindo um sagrado dever de amor, como mensageiro  de um mundo melhor, onde reinam o bem e a verdade. Minha vitória é a dos que sabem ser derrotados entre os homens, para triunfarem com Deus, na divina construção se suas obras. Ante, aquelas palavras firmes do Mestre, os discípulos se entreolharam, ansiosos. O Mestre então continuou:  -  Não vos perturbeis com as minhas palavras, porque, em verdade, um de vós outros me há de trair!... Todavia, minha alma está pronta para a execução dos desígnios de meu Pai.
A pequena assembleia fez-se lívida, com exceção de Judas, que entabulara negociações particulares com os doutores do Templo, faltando apenas o ato do beijo. Grande sensação de mal-estar se estabelecera entre todos. Somente Judas fazia o possível para dissimular, quando os companheiros se dirigiram ao Mestre perguntando: - Quem será o traidor? – Serei eu? – indagou André. Tiago objetou: - Mas afinal, onde está Deus que não conjura semelhante perigo? Jesus que se mantivera em silêncio, ante as palavras de Tiago, advertiu: -  Faze calar a voz de  tua  pouca  confiança  na sabedoria de Deus que rege os destinos. Não importa onde e como seja o testemunho de nossa fé; o essencial é revelarmos a nossa união com Deus. A esse tempo, Jesus se calou e João interveio, perguntando: -  Senhor, por que motivo será um dos  discípulos o traidor de vossa causa? - Ouve João: - Os desígnios de Deus se são insondáveis, também são invariavelmente justos e sábios. 
Os que vierem depois de nós, no divino serviço do Evangelho, compreenderão que para atingirem a porta estreita da renúncia redentora, hão de encontrar, muitas vezes, o abandono, a ingratidão e a incompreensão dos seres mais queridos. Isso mostrará a necessidade de cada um firmar-se no caminho para Deus, por mais espinhoso e sombrio que ele seja... As sensações de estranheza perduraram na assembleia. Jesus, então, oferecendo um pedaço de pão a cada discípulo, exclamou:  - Tomai e comei! Este é o meu corpo. Em seguida, servindo a todos o vinho, acrescentou:  - Bebei! Porque este é o meu sangue, dentro do Novo Testamento, a confirmar as verdades de Deus.
Simão Pedro, sem entender o simbolismo, interrogou:  - Mestre, que vem a ser isso?  Jesus respondeu:  - Amados, está próximo o último momento de trabalho em conjunto e quero reiterar-vos as minhas recomendações de amor, feitas no primeiro dia do apostolado. Este pão significa o do banquete do Evangelho; este vinho é o sinal do espírito renovador dos meus ensinamentos. Todos os que partilharem conosco, através dos tempos, desse pão eterno e desse vinho sagrado da alma, terão o espírito fecundado pela luz gloriosa do Reino de Deus, que representa o objetivo santo dos nossos destinos. Imenso é o trabalho da redenção, mesmo porque tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; mas o Reino nos espera com sua eternidade luminosa!... Os discípulos tocados pelas suas exortações e maravilhados com as promessas daquele reinado venturoso, que ainda não podiam compreender, eles passaram a discutir as suas aspirações e conquistas do futuro.
Enquanto Jesus se entretinha com João, em observações afetuosas, Tiago se preocupava com as realizações dos tempos futuros e qual seria o maior de todos os discípulos; Filipe dizia que após o triunfo, deveriam entrar em Nazaré para revelar aos doutores e aos ricos, a sua superioridade espiritual; Levi dizia que, verificada a vitória, deveriam marchar para o Templo, onde exibiriam seus poderes supremos; Tadeu dizia que o seu intento era dominar os mais fortes e impenitentes do mundo, para que aceitassem, de qualquer modo, o Evangelho do Mestre. Nesse interim, Jesus interrompera a sua palestra com João e os observava. As palavras, “maior de todos” soavam aos seus ouvidos, e parecia estar em uma divisão de uma conquista material, como triunfadores do mundo, cada qual desejando a maior parte da presa. Com exceção de Judas, que se mantinha em silêncio, todos eles discutiam. Sentindo a incompreensão dos seus discípulos o Mestre olhou-os com entristecida piedade. Em seguida Jesus, para espanto de todos, despiu a túnica e cingiu-se com uma toalha, e à moda dos escravos mais íntimos, tomou de um vaso com água, ajoelhou-se e começou a lavar os pés dos discípulos. Ante o protesto geral em virtude daquele ato de extrema humildade, Jesus disse o seu imorredouro ensinamento:  -  Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou. Se eu, Senhor e Mestre lavo os vossos pés, deveis igualmente lavar os pés uns dos outros, no caminho da vida, porque no Reino do Bem e da Verdade, o maior será sempre aquele que se fizer sinceramente o menor de todos!...
26-  A Negação de Pedro.  O ato do Mestre lavando os pés de seus discípulos encontrou incompreensão da parte de Simão Pedro. Ele não concordava com esse ato extrema submissão. E chegada a sua vez, recusou resoluto:  - Nunca me lavareis os pés, Mestre; meus companheiros estão sendo ingratos deixando-vos praticar esse gesto, como se fôsseis escravo. Jesus lhe respondeu:  - Simão, não queiras ser melhor que os teus irmãos, em nenhuma circunstância da vida. Em verdade, assevero-te que, sem o meu auxílio, não participarás com meu espírito das alegrias supremas da redenção. Simão aquietou-se e ficou calado. Terminada a lição e retornando ao seu lugar à mesa, o Mestre passou a meditar gravemente. Logo após, dando a entender que sua visão espiritual devassava os acontecimentos do futuro,  sentenciou:  -  Aproxima-se a hora do meu derradeiro testemunho! Sei que todos vós estareis dispersos nesse instante supremo.  É natural, porquanto ainda não estais preparados. Antes que eu parta, quero deixar-vos um novo mandamento, o de amar-vos uns aos outros como eu tenho amado; que sejais conhecidos como meus discípulos, não pela superioridade, não por poderes espirituais, ou pelas vestes que envergueis, mas pelo amor com que vos amo, pela humildade, pela boa disposição no sacrifício próprio. Crede em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai, há muitas moradas (mundos habitados) se assim não fosse eu já vos teria dito, e eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador. O Espírito de Verdade, que o mundo não vê e nem conhece; vós o conhecereis, porque ele estará em vós; mas o Consolador a quem o Pai enviará em meu nome; esse vos ensinará todas as coisas e vos lembrará de tudo o que tenho ensinado.
Pedro, vendo que Jesus repetia uma vez mais as mesmas recomendações, adiantou-se, indagando:  - Afinal, Senhor, para onde ides? O Mestre redarguiu: - Ainda não te encontras preparado para seguir-me. Simão desejando provar aos companheiros o valor de sua dedicação acrescentou:  - Não posso  seguir-vos? Acaso, Mestre poderá duvidar de minha coragem? Por vós darei a minha própria vida! O Mestre sorriu e ponderou: - Pedro, a experiência te ensinará melhores conclusões, porque, em verdade, te afirmo que esta noite o galo não cantará sem que me tenhas negado por três vezes. Pedro retrucou: - Julgas-me, então, um espírito mau e endurecido a esse ponto? O Mestre adiantou com doçura: -  Pedro, não te suponho ingrato ou indiferente;  vais aprender hoje que o homem do mundo é mais frágil do que perverso.
A noite caíra sobre a cidade. Pedro e João, vendo que a detenção de Jesus pelos emissários do Templo era fato consumado, e, depois de ligeiro entendimento, João voltou a Betânia, a fim de colocar a mãe de Jesus ao corrente dos fatos, enquanto Pedro se misturava ao povo, de maneira a ver como poderia ser útil ao Mestre. O velho pescador sentiu a hostilidade e penetrou no extenso pátio, onde estava a multidão. Logo uma das servas se aproximou dele e exclamou:  - Não és tu um dos companheiros deste homem? - Indagou, designando a cela onde Jesus se encontrava. Pedro, vendo que o instante era decisivo, declarou: - Estás enganada. Não sou. Em seguida, fingindo despreocupação, se dirigiu a uma pequena aglomeração que estava aquecendo-se junto a um braseiro. Novamente um deles o reconheceu e o interpelou: - Então, vieste socorrer o teu Mestre?  - Pedro respondeu, entre receoso e assustado:  - Que Mestre? Nunca fui discípulo desse homem. Algumas horas se passaram para Simão Pedro, que tinha o coração a duelar-se com a própria consciência, quando alguns servidores vieram servir vinho. Um deles, encarando o discípulo com certo espanto, exclamou: -  É este! O discípulo que nos atacou no horto!...  Simão virou-se pálido e protestou: - Estás enganado, amigo!  Logo que Simão pronunciou sua terceira negativa, os galos da vizinhança cantaram anunciando a madrugada. Pedro recordou as palavras do Mestre e sentiu-se perturbado por grande angústia, e voltando-se para a cela em que o Mestre se achava prisioneiro, viu o semblante sofrido de Jesus a contemplá-lo através das grades. Preso de indizível remorso, Pedro se retirou envergonhado de si mesmo. Dando alguns passos, alcançou os muros exteriores, onde se deteve a chorar amargamente. Desejava, agora, ansiosamente, ajoelhar-se ante o Mestre e suplicar-lhe perdão para a sua queda dolorosa. Foi aí que o velho pescador refletiu lembrando a advertência de Jesus, quando lhe dizia:  - Pedro, o homem do mundo é mais frágil do que perverso!. . .
27-  A Oração do Horto. Depois do ato de lavar os pés dos discípulos, Jesus retornou ao lugar que ocupava a mesa e, antes de se retirarem, elevou os olhos para o alto e orou fervorosamente, conforme está relatado no Evangelho de João: -  Pai santo, eis que é chegada a minha hora! Acolhe-me em teu amor, eleva o teu filho, para que ele possa elevar-te, entre os homens, no sacrifício supremo. Glorifiquei-te na Terra, testemunhei tua magnanimidade e sabedoria e completo agora a obra que me confiaste. Neste instante, pois, meu Pai, ampara-me com a luz que me deste, muito antes que este mundo existisse!... Manifestei o teu nome aos amigos que me deste; eram teus e tu me confiaste, para que recebessem a tua palavra de sabedoria e amor. Pai rogo pelo mundo, que é obra tua e cuja perfeição se verificará algum dia, porque está nos teus desígnios insondáveis; mas peço-te particularmente por eles,  pelos que me confiaste, tendo em vista  que o Evangelho,  ficará no mundo sobre os seus ombros. Junto deles, outros trabalhadores do Evangelho despertarão para a tua verdade. Pai justo, o mundo ainda não te conheceu; eu, porém, te conheci e lhe fiz conhecer o teu nome, a tua sabedoria e bondade infinita, para que o amor com que me tens amado esteja neles e eu neles esteja!...
Terminada a oração, acompanhada em silêncio por parte dos discípulos, Jesus se retirou em companhia de Simão Pedro e dos dois filhos de Zebedeu, para o Monte das Oliveiras, onde costumava meditar. Os demais companheiros se dispersaram, enquanto Judas, saindo não conseguia afastar a tempestade de sentimentos que lhe devastava o coração. Dai à instantes o Mestre e os três discípulos chegaram ao monte e acomodando os discípulos em bancos naturais, o Mestre falou-lhes em tom sereno: - Esta é a minha derradeira hora convosco! Orai e vigiai comigo, para que eu tenha a glorificação de Deus no supremo testemunho!  Assim dizendo, afastou-se, a pequena distância, onde permaneceu em oração.
 Pedro, João e Tiago estavam profundamente tocados pelo que viam e ouviam. Nunca o Mestre lhes parecera tão solene, tão convicto, como naqueles instantes, e rompendo o silêncio que se fizera, João disse:  -  Oremos e vigiemos, de acordo com a recomendação do Mestre, pois, se ele nos trouxe em sua companhia, isso significa a grandeza da sua confiança em nosso auxílio. Puseram-se a meditar e sem que soubessem o motivo, adormeceram no decurso da oração, e alguns minutos depois, acordavam, ouvindo o Mestre que lhes observava: -  Despertai! Não vos recomendei que vigiásseis? Não podeis velar comigo, este minuto? João e os companheiros esfregaram os olhos, reconhecendo as próprias faltas. Jesus, cujo olhar parecia iluminado, lhes falou que fora visitado por um anjo de Deus, que o confortara para o martírio supremo.
Mais uma vez Jesus lhes pediu que orassem com o coração e novamente se afastou. Contudo, os discípulos cedendo aos imperativos do corpo e não do espírito, de novo adormeceram. Despertaram com o Mestre a lhes repetir: - Não conseguem então orar comigo?  Antes, porém que pudessem justificar de novo a sua falta, um grupo de soldados e populares aproximou-se, vindo Judas à frente, que avançou e depôs na fronte do Mestre o beijo combinado, ao passo que Jesus, sem denotar nenhuma fraqueza e deixando a lição de sua coragem aos companheiros, perguntou: - Amigo, a que vieste? Sua interrogação não teve resposta e os mensageiros dos sacerdotes prenderam-no e lhe manietaram as mãos, como se o fizessem a um salteador vulgar. Pedro e João foram os últimos a se separarem do Mestre, depois de tentarem a sua libertação.
João em suas meditações sobre a oração no Horto das Oliveiras não encontrava explicação daquele sono inesperado, quando desejava atender a Jesus. Por que não acompanhara Jesus naquela oração derradeira. Em oração silenciosa, João se dirigia ao Mestre, quase em lágrimas, implorando-lhe perdoasse o seu descuido na hora extrema. A visão do Mestre ressuscitado veio encontrá-lo nesses pensamentos tristes. Certa noite, ele sentiu que um sono brando lhe anestesiava a mente. Sonhou com o Mestre que se aproximava com divino esplendor, e sorrindo disse-lhe: - João, a minha oração no horto é também um ensinamento do Evangelho e uma exemplificação. Ela significará para quantos vierem em nossos passos, que cada espírito na Terra tem de ascender sozinho ao calvário de sua redenção, muitas vezes com a despreocupação dos entes mais amados do mundo. Em face dessa lição, o discípulo do futuro compreenderá que a sua marcha tem que ser solitária, uma vez que seus familiares e companheiros de confiança se entregam a indiferença! Doravante, pois, ao aprender a necessidade do valor individual no testemunho, nunca deixes de orar e vigiar! . . .
28-  O Bom Ladrão.  Alguns dias antes da prisão do Mestre, os discípulos, nas suas discussões, comentavam o problema da fé, com desejo desordenado de quantos se atiram aos assuntos graves. – Como será essa virtude? De que modo vamos conservá-la no coração? – inquiria Levi. Tiago falou: - Acredito que basta a nossa vontade, para que a confiança em Deus esteja viva em nós. Mas a fé será virtude apenas para os que desejam? -  perguntava João. A um canto, Jesus parecia meditar. Em dado momento, solicitado ao esclarecimento, respondeu: - A fé pertence, sobretudo, aos que trabalham e confiam. Tê-la no coração é estar  sempre pronto para  Deus.
Não importam a saúde ou a enfermidade do corpo, não têm significação os infortúnios ou os sucessos da vida material. A alma fiel trabalha confiante nos desígnios do Pai, que pode dar os bens, retirá-los e restituí-los em tempo oportuno, e caminha sempre com serenidade e amor, por todas as sendas pelas quais a mão generosa do Senhor a queira conduzir. Levi então perguntou: - Mestre, como discernir a vontade de Deus, naquilo que nos acontece?  Tenho visto muitas criaturas criminosas que atribuem à Providência divina, os seus feitos delituosos, e outras pessoas inertes que classificam a preguiça como fatalidade divina.
Jesus respondeu: - A vontade de Deus, além da que conhecemos através de sua lei e de seus profetas, através do conselho sábio e das inclinações naturais para o bem, é também a que se manifesta, a cada instante da vida, misturando a alegria com as amarguras, para que a criatura possa colher a experiência luminosa no caminho da existência. Ter fé, portanto, é ser fiel a essa vontade, em todas as circunstâncias, praticando o bem e seguindo o roteiro sagrado nas menores atitudes, na estrada que nos compete percorrer. Tomé então falou: - Essa qualidade excepcional deve ser atributo do espírito mais culto, porque o homem ignorante não poderá cogitar da aquisição desse patrimônio. O Mestre fitou o discípulo e esclareceu: - Todo homem de fé será, agora ou mais tarde, o irmão dileto da sabedoria e do sentimento; porém, essa qualidade será a do filho leal ao Pai dos céus.
Na hora sombria da cruz, disfarçado com vestes diferente, Tomé acompanhou, passo a passo, o corajoso Mestre. Onde estava aquele  Deus amoroso e bom, sobre quem repousavam as suas esperanças? Seu amor possuiria apenas uma cruz para oferecer ao filho dileto? Durante três anos havia acreditado em Deus com todo o poder sobre o mundo; não conseguia, pois, entender como tolerava o seu enviado, amorável e carinhoso, conduzido para o madeiro infamante, debaixo de impropérios e pedradas. O prêmio do Mestre era então aquela desolação reservado aos criminosos? Ansioso, o discípulo contemplou aquelas mãos que haviam semeado o bem, o amor, a paz, a humildade, presas à cruz como duas flores ensanguentadas. Valera a pena haver distribuído tantas graças do céu? Quem teria sido mais fiel ao Pai do que Jesus? Tomé viu que o Mestre lançava os olhos sobre um dos ladrões, que o fixava afetuosamente, e quecom voz débil, disse para o Mestre com profunda sinceridade: -  Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino! O discípulo ouviu Jesus dizer suave e esclarecedora: - Vês, Tomé? Quando todos os homens da lei não me compreenderam e os meus discípulos me abandonaram, eis que encontro a confiança leal no peito de um ladrão!...  Possuído de viva emoção, Tomé se pôs a chorar intimamente...
29- Os Quinhentos da Galileia.  Os que eram agraciados com a presença do Mestre se sentiam transbordantes de alegrias. Falava-se vagamente de que o Mestre voltaria ao monte para despedir-se. O Mestre tinha prometido fazer de novo ouvida a sua palavra num dos lugares prediletos das suas pregações de outros tempos. Numa tarde em que o céu esta num azul profundo, a reduzida comunidade dos discípulos do Mestre, ao lado de pequena multidão, reuniu-se em oração no sitio solitário. Por instinto, todos tinham a impressão de que o Mestre voltaria a ensinar as bem-aventuranças celestiais. A  claridade das primeiras estrelas, parecia criar uma paz que envolvia todas as pessoas. Foi nesse instante que a figura do Mestre assomou no cume iluminado pelos derradeiros raios do Sol. Algumas pessoas ao verem-no, soluçavam de júbilo sentindo as emoções mais belas de sua vida.  
As mãos do Mestre tinham a atitude de quem abençoava enquanto todos lhe perceberam a amorosa despedida e, lhe ouviu a exortação magnânima e profunda: -  Amados, eis que retomo a vida em meu Pai para regressar à luz do seu Reino! Enviei meus discípulos como ovelhas no meio dos lobos e vos recomendo que lhes sigais os passos no escabroso caminho. Vós sereis os semeadores, vós sereis o fermento divino. Eu vos instituo os primeiros trabalhadores, os herdeiros iniciais dos bens divinos. Para entrardes na posse do tesouro celestial, muitas vezes experimentareis o martírio da cruz e o fel da ingratidão. Séculos de lutas vos esperam nas estradas do mundo. . .
O mundo inteiro se levantará contra vós, em obediência às forças tenebrosas do mal, que ainda dominam as fronteiras. Não participareis do venenoso banquete das posses materiais; sofrereis a perseguição e o terror; tereis o coração coberto de cicatrizes e de ultraje. A chaga é o vosso sinal. Até que o meu Reino se estabeleça na Terra, eu encherei a vossa solidão com a minha assistência incessante. Aperfeiçoemos o nosso trabalho na lei de amor do Nosso Pai, em obediência feliz à sua vontade augusta!  Foi então que observaram o Mestre, rodeado de luz, como a elevar-se no céu, em demanda de seu reino de paz e amor. . .
Naquela noite de grande emoção, foi confiado aos quinhentos da galileia, o serviço glorioso de evangelização das pessoas em todo o mundo, sob a inspiração de Jesus. Mal sabiam eles, na sua condição humana, que a palavra do Mestre alcançaria os séculos do porvir. Nos circos da vaidade humana, nas fogueiras e nos suplícios, ensinaram a lição de Jesus, com resignado heroísmo...
30-  Maria.  Maria deixava-se levar na corrente infinita das lembranças. Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, o seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações. Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas para a redenção divina das criaturas; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmação de sincera humildade: Faça-se na escrava a vontade do Senhor!
Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria sentiu que alguém lhe pousava as mãos, de leve, sobre os ombros. Virando-se, viu a figura de João que lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. Maria ainda exclamou para Jesus: -  Meu filho! Meu amado filho! O Mestre no auge de suas dores replicou com o movimento dos olhos: - Mãe, eis aí teu filho!  E dirigindo-se ao discípulo disse:  - Filho, eis aí tua mãe!...
Após a separação dos discípulos que saíram para a difusão da Boa Nova, Maria se retirou para a Batanéia, onde alguns parentes a esperavam com especial carinho. Tocada por muitos dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Relembrando  Jesus, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de esperança.  Nesse tempo, João tendo presente ás observações do Mestre, surgiu na Batanéia, oferecendo àquela mãe o refugio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento com imensa satisfação. João então lhe contou que se instalara em Éfeso, onde as ideias cristãs eram mais aceitas. João lhe disse que seria seu filho desvelado, e ela seria sua mãe generosa, nos trabalhos do Evangelho. Maria aceitou alegremente.
Dentro em breve tempo, Maria falava das lembranças de Jesus, enquanto o discípulo comentava as verdades evangélicas. Decorridos alguns meses, grande fileira de necessitados se faziam presente no sitio singelo e generoso. Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”. Esse nome tivera origem quando um leproso, depois de aliviado de suas dores, lhe beijou as mãos, e, reconhecido, disse: - Senhora és a mãe de nosso Mestre e nossa mãe santíssima. Diariamente, acorriam os enfermos que pediam a bênção de seu carinho. – Minha mãe como poderei vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida... Dizia um dos mais aflitos. Maria lhe enviava um olhar de bondade e dizia: - Isso também passa! Só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de nossas almas, com a eterna realização do Amor do Pai.
De súbito, receberam noticias de que um período de perseguições aos fiéis à doutrina de Jesus. Alguns cristãos fugidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Maria entregou-se às orações, pedindo a Deus por todos aqueles que estavam em angústias do coração, por amor de seu filho. Envolvida nas orações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte, que exclamou:  - Minha mãe, venho fazer-te companhia e receber a tua bênção. Ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. Onde ouvira, noutros tempos, aquela voz meiga e carinhosa? Foi quando o pedinte anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo amor:  - Minha mãe, vem aos meus braços! Nesse instante ela fitou as suas mãos e viu nelas duas chagas. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração; disse com infinita alegria: - Meu filho! Meu filho bem amado!  Ele, porém beijando-lhe as mãos, disse em tom carinhoso: - Sim, minha mãe, sou eu!  Venho buscar-te, pois meu Pai quer que estejas comigo no meu Reino.
Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade e manifestar seu agradecimento a Deus; mas o seu corpo estava paralisado. No outro dia, dois sofredores regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima. Maria já não falava, e numa expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam a existência material. Com a sensação de estar se afastando do mundo, ela desejou rever a Galileia. Bastou ela desejar para que se encontrasse no mar de maravilhosa beleza. A caravana espiritual que a conduzia já se dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que estavam guardados em escuros calabouços. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos, uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Então, rogou a Deus que lhe desse a oportunidade de deixar entre os cristãos a força da alegria.
Foi então, que se aproximou de uma jovem encarcerada, e lhe disse ao ouvido: - Canta minha filha! Tenhamos bom ânimo! Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu... A triste prisioneira não soube compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. Ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, fazendo das suas amarguras  consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí em instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de pessoas que nos cárceres, aguardando o glorioso testemunho...
Por essa razão, irmãos, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçam de fazer no coração, um brando silêncio para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe no seu íntimo o seu perfume!. .

Fonte:                   
Livro “Boa Nova”  
Obra mediúnica do Espírito de Humberto de Campos.        
Psicografia de Francisco Candido Xavier                                                            + supressões, pequenos acréscimos e modificações.     

Jc.                                                                                                   
São Luís, 9/3/2015


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