segunda-feira, 30 de maio de 2011

ANANDA - MUITO ALÉM DO AMOR

ANANDA - MUITO ALÉM DO AMOR

Dominique Lapierre, famoso autor francês que escreveu o livro a respeito de Mohandas Gandhi, intitulado “Esta noite a liberdade”, cuja obra rendeu-lhe uma fortuna, posteriormente descobriu-se com uma expressiva dívida de amor para com a Índia. Oportunamente, visitando aquelas cidades por onde Gandhi passara a mensagem de paz, ele percebeu a dor imensa dos párias, assim como a de outros infelizes. Ele teve uma grande surpresa ao saber que um lar de crianças órfãs estava para fechar, porque o nobre inglês que o ajudava fora vítima de circunstâncias políticas e econômicas, pretendendo deixar que mais de 600 crianças voltassem às ruas. Em face do seu sentimento de gratidão Dominique começou a pensar no que poderia fazer para retribuir a Índia, o bem-estar, o destaque e os prêmios que ele recebeu pela obra e a fortuna imensa acumulada.

Certo dia, estando ele nas escadarias em Benares, observando as crianças que se atiravam às águas sujas do rio Ganges, para recolher objetos dos cadáveres a fim de serem revendidos, acercou-se de um grupo e tomou conhecimento da existência de uma menina, que era considerada a mais notável pescadora desses precários recursos que o Ganges oferecia. Ela era chamada de “ave de rapina do Ganges”. Seu nome era Ananda, que significa em sânscrito – alegria. Então, Dominique acompanhou uma parte da trajetória de Ananda por vários anos e escreveu o livro que se denominou “Muito além do amor”. - Pode haver uma forma de amor muito além do amor?

Ananda pertencia a uma família de párias. Seu pai era um daqueles que vendiam lenha para a cremação dos cadáveres, porque às margens do Ganges, de acordo com a posição sócio-econômica, o indivíduo era posto sobre a madeira, conforme os recursos da família, para a cremação. Além de vender lenha, o pai de Ananda por ter vários filhos e ser pobre, mantinha um bazar onde vendia o que eram chamadas às relíquias: dentes, ossos, algumas bugigangas que eram retirados dos cadáveres dos miseráveis que não puderam ser cremados e eram atirados às águas lodosas do rio já em decomposição. Ele era vendedor de madeira barata, e Ananda e os irmãos encarregavam-se de recolher esses objetos das águas do rio. Sua mãe, uma alma insensível, pelas dores suportadas ao longo dos anos, era encarregada da família.. Ananda, aos treze anos, havia se tornado uma personagem especial, mas a sua condição de paria, dela fazia uma menina triste. A agilidade com que mergulhava nas águas e a sua adolescência fazia dessa menina um vulto especial nas escadarias junto ao Ganges.

Nessa idade ela foi negociada para o casamento, conforme as tradições do seu povo. Ela contaria depois que notou uns homens estranhos que entravam e saiam de sua casa, enquanto ela permanecia recolhida nos fundos e mal conseguia perceber de que se tratava. Alguns irmãos disseram que eram as negociações para o futuro casamento dela. Estabelecido o dote que a família deveria pagar e o dote que o pai do noivo deveria contribuir, Ananda foi preparada para o matrimônio. Faltando poucos dias para as bodas, estando ela, diante de um pedaço de espelho, tirado das águas do rio, percebeu leve pigmentação na face e disse para a sua mãe. A genitora preocupada chamou um dos curandeiros que andavam pelas ruas e, munido de uma lupa e de um alfinete, ele pôde fazer o diagnóstico após ligeiro exame: era lepra.

A notícia produziu grande sofrimento à família, que, além de pária, tinha agora a marca da punição dos deuses. Ananda percebeu que, a partir daquele momento, todos se afastavam e, poucos dias depois, quando ela despertou para a refeição comum, a bandeja de alimentos estava no centro da sala sobre uma esteira, mas todos estavam distantes dela.. Junto se encontravam as suas roupas, empacotadas, e algumas moedas (rúpias). Ela entendeu que era o último momento de convivência com a família, pois era uma tradição assim ser procedido. Após ingerir um pouco de alimento, em silêncio a sua mãe a expulsou de casa. Nesse momento rompiam-se todos os laços familiares; para eles; ela estava morta.

Como ela não tinha ninguém a quem pedir ajuda, passou uma semana de privações, esmolando de porta em porta. Diante dos leprosos da cidade e vendo-os decomporem-se, ela recusou-se a misturar-se com eles, porque não havia nenhum outro sinal exterior, exceto por enquanto, aquela pigmentação. Uma semana depois, estava esfaimada. Foi até a estação ferroviária, para ver se podia ser útil carregando algum volume e recebendo alguma ajuda. Foi quando a Providência pareceu surgir na pessoa de um homem, que saltou de um riquixá e lhe perguntou o nome. Jubilosa, ela respondeu: “Ananda. Eu sou a alegria”. “E tem família”, voltou a perguntar o homem. Ela respondeu: “Não, não tenho família”. – “É exatamente do que preciso. Eu tenho filhos e viajo muito e necessito de uma ama, para que cuide de minhas crianças. Você aceitaria trabalhar para mim?” Ela respondeu que sim. Ele em seguida deu-lhe vinte rúpias para alimentar-se. Ananda agradeceu aos deuses. Em seguida entrou no riquixá e percebeu que saiam do centro da cidade, em direção da periferia, afastando-se bastante da cidade. Chegando aos arredores, foi levada a uma casa muito grande, e ali percebeu que estava sendo negociada...

O homem era um aliciador de menores para a prostituição. Ela foi então vendida a um indivíduo sem escrúpulos que, para demonstrar sua força e poder, agarrou-a pelos cabelos, atirando-a no chão, chicoteando-a e jogou-a no meio de outras meninas apavoradas. Começava ali, naquele momento, a trajetória diferente e quase trágica de sua existência. Ela recebeu algumas instruções para a profissão que ia exercer – se isso pudesse se chamar profissão – e começou a atender a ralé, aos piores tipos de indivíduos que freqüentavam o bordel. Quando lhe observaram a pigmentação, ela passou a ser utilizada por outros parias, hansenianos também. Durante os meses que ali permaneceu atendia a uma clientela volumosa e infeliz.

Ela não tinha mais o menor desejo de viver, quando teve um sonho, um sonho
animador. Alguém lhe alertava para que se evadisse, para que fugisse dali, apesar dos riscos que adviriam. Embora temendo ser castigada e assassinada, Ananda aproveitou-se, uma noite, da distração dos guardas e partiu, desesperada, de retorno a Benares. Misturou-se aos demais miseráveis e ouviu falar da história de uma mulher estranha, que estava ameaçando a estabilidade dos deuses. Diziam que “aquela estrangeira” viera com a tarefa de destruir a Índia e os seus deuses, apresentando um novo deus, um deus branco, oriental, que estava contra as tradições ancestrais, contra Krishna e os demais gurus...

Ananda, sem saber como, antipatizou com essa estranha, porque, embora pária amava o seu povo, amava a sua pátria. Sem saber definir, sentia uma força que a impulsionava a correr, até tombar de exaustão e fome. Foi numa dessas ocasiões em que á fome a fez parar no meio da rua, que ela viu uma fila imensa de miseráveis que estavam diante de uma casa modesta para receber sopa. Ela então entrou na fila com um vasilhame imundo para receber o alimento, quando uma mulher estranha que estava à frente da distribuição, saiu do seu posto de observação e veio diretamente até ela. Olhou-a, e perguntou-lhe o que fazia ali. Ela só pôde responder com uma palavra: - fome!

A senhora levou-a para um lado e olhando bem o seu rosto percebeu que aquela mancha estava envolta por um edema. Então a levou imediatamente para o pavilhão dos leprosos. O pavilhão era um lugar de piso com chão batido, um telheiro com esteiras, onde se encontravam rebotalhos humanos. A Índia possuía milhões de leprosos perambulando pelas ruas e Ananda era mais uma. A senhora disse-lhe: - “Chamo-me de irmã Bandona e eu vou cuidar de você”. A pobreza da instituição era muito grande. Havia um crucifixo preso à parede, tendo embaixo escrito : “Tenho sede!” Fora ele que um dia sensibilizara a religiosa, que, voltando de um seminário de meditação, viu aquelas duas palavras: “Tenho sede!” E perguntou-se: O que é que Lhe dei neste dois mil anos? Quando Ele falou da cruz que tinha sede, ofereceram-lhe uma esponja com vinagre. E eu, que Lhe dei nesses dois mil anos?

Nascia naquele momento, á obra humanitária de Madre Teresa de Calcutá. Ela expandiu-se pela Índia, pelo mundo. Quando ela desencarnou, estava atendendo a 186.000 hansenianos no mundo, afora crianças, idosos e doentes... Mas na Índia, como a hanseníase era quase normal, não havia terapêutica especializada naquela ocasião. Utilizava-se o óleo de chalmugra. Era uma tentativa inútil de diminuir a putrefação dos corpos. Sob um desses abrigos, abarrotados de hansenianos, Ananda passou a receber o carinho da irmã Bandona. Era uma mulher alta, vigorosa, estrangeira, porque embora falasse vários dialetos, o seu inglês não se entendia com facilidade. Ananda por isso lhe ficou temerosa. Recebia a alimentação, um pouco de asseio, a medicação, e, sem poder explicar-se como, um ano depois, as manchas haviam desaparecido do seu rosto. Os exames posteriores provaram que ela estava curada da hanseníase.

Ananda continuou profundamente sensibilizada, agradecendo aos seus deuses. Ela pensava muito no período de Kaliuga, o período das trevas que estava na Terra. Nesse ínterim, ela se tornou secretária auxiliar da irmã Bandona, e tinha tanto medo dela e do deus branco que não se atrevia, sequer, a olha-LO na cruz, conforme lhe recomendavam. As marcas da sua condição de pária eram tantas, que ela não olhava as pessoas cara a cara, e sempre evitava passar diante
de alguém para que a luz do Sol não projetasse sombra sobre outra pessoa, porque, segundo a tradição, a pessoa ficava impura a partir daquele momento, em vista da sombra de um leproso ou de um paria, haver caído sobre ela.

Ananda prosseguia a sua trajetória e pensou em fugir dali, quando um dia, visitando um daqueles horríveis pavilhões, observou a irmã Bandona viu que uma esteira de onde saíra um morto estava ocupada por outro doente, sem a sua autorização. Disse ela para o doente: “Quem lhe deu esse direito? A fila é grande e já havia reservado esse lugar para um paciente mais infeliz do que você”. A religiosa exigiu do invasor que cedesse o lugar àquele que estava aguardando. – Isto porque na filosofia de Madre Tereza, o importante não era curar o corpo. Ela preparava as pessoas para morrer, e dizia: “A maior glória da existência é a morte – a morte honrada, através da qual o Espírito se libertava do seu carma”. Com isso, ela desejava que os seus pacientes aceitassem a morte como sendo o anjo da libertação.

Aqueles homens e mulheres, que dependiam tanto dela, revoltados e gritando coléricos, atiravam-lhe muletas, pedaços de paus, pedras, enquanto ela permanecia como se fosse uma estátua, segurando a pequenina cruz de madeira, sem mover um músculo da face, até que a onda de fúria passasse e ela começasse a ora, o “Pai Nosso”. Aqueles pacientes infelizes choravam e começavam a pedir perdão aos gritos, enquanto a irmã Bandona expulsou o invasor, porque a caridade não convive com a desordem. Isso sensibilizou tanto Ananda que, naquela noite, ela pediu para tornar-se irmã de caridade. Desejava dar a vida que não tinha, porque não a tinha, apenas respirava.

Uma semana depois Ananda foi mandada para Calcutá, e, pela primeira vez, viu Madre Terersa; uma mulher frágil, de um metro e sessenta centímetros, com cinqüenta e cinco quilos, com uma voz doce, suave e modesta. Ananda começou a fazer o noviciado, que era muito simples; a arte e a ciência de amar, ler o Evangelho de Jesus e vivê-lo; aprender a atender os pobres e doentes, até o dia em que, três anos após deveria ser transformada na monja 2.458 da Ordem que mais crescia no mundo, em todas as raças e de todas as crenças que adotavam a doutrina do amor ao próximo. No dia da consagração estavam familiares de todas as noviças, menos os dela, que não tinha ninguém. Ela ainda relanceou o olhar na multidão...e de repente, viu irmã Bandona, que viera de Benares para a consagração da sua filha espiritual, e que sorriu para ela. Ananda estava vestida de noiva, e, logo depois de fazer os votos de castidade, humildade, renúncia e vivência na pobreza, recebeu quatro metros de tecido branco debruado de azul; ela fez o sári, cobriu a cabeça, e tornou-se irmã de caridade.

A irmã Bandona abraçou-a com imensa alegria e a pequena “ave de rapina do Ganges”, agora vestida de branco e ainda discriminada porque era pária, era obrigada a fazer os serviços mais abjetos, que a comunidade se recusava em face das tradições do país.

Façamos agora uma pausa nesta narrativa.
Em 1980, na cidade de Los Angeles, um jovem cabeleireiro gay notou uma tumefação sobre a face direita. Ele correu a um especialista que depois de examinar a formação tumorosa, extraiu material para exame e, posteriormente, veio o resultado: câncer de Kaposi. Mais ou menos na mesma época um estilista gay de Miami, percebeu que lhe apareceu na testa uma pequena tumoração. Ele correu ao médico e receber o diagnóstico de câncer de Kaposi. Logo depois o mesmo fenômeno ocorria em diversas cidades do mundo na população gay. Então foi constatado que se tratava de um vírus já conhecido da Medicina, mas que ainda não afetara o organismo humano. Ele vivia inoculado no macaco barriga verde, na África, no qual era inócuo. Como teria passado para o organismo humano? Era a pergunta que pairava no ar. Foi dado o alarme internacional e passamos a conhecer as siglas AIDS ou SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

Em Nova York, no bairro dos artistas e intelectuais – a questão tornou-se pandêmica, e o prefeito Edward Cock, contratou uma casa para recolher e abrigar os ‘pestosos”, e a imprensa veio contra ele dizendo que era uma jogada política. Ele então procurou outra solução. Sabia que as dores desses pacientes eram insuportáveis, principalmente quando atingia o cérebro. Recorreu então, ao cardeal O’Connor, considerando a aceitação pública quando o trabalho é realizado por uma instituição religiosa. Casualmente, Madre Tereza de Calcutá, retornando de Roma passou por Nova York e ouviu falar da grande tragédia; da estranha doença que ela ignorava e sabendo que o prefeito havia solicitado a ajuda do cardeal, prontificou-se a auxiliá-los, informando: “O portador da Aids é um presente que Deus está me dando para melhor amar. Amar a um desses seres é o desafio que me chega de Jesus”. E ela aceitou a administração da Casa sob a condição de que teriam de receber as suas instruções, não aceitaria as imposições americanas e as exigências do setor de saúde, já que não se fazia nada por eles.

Ela foi ver as instalações e propôs as diretrizes que lhe pareceram fundamentais: que tudo fosse muito simples; as camas de ferro, modestas, que não tivessem ar refrigerando para o verão, nem tivesse calefação para o inverno. E começou a por em prática as suas exigências, algumas, aliás, descabidas. Queria um médico, mas o seu trabalho era de amor; era levar essas almas à presença de Jesus, mesmo que se recusassem, preparando-as para a morte. Madre Tereza recebeu a propriedade, e no mês de dezembro de 1983, chegou ao aeroporto Kennedy um grupo de jovens vestidas de branco debruado de azul; eram as noviças. Não tinham bagagem, porque o que possuíam era uma bata, duas peças de roupa íntima, um pedaço de sabão, uma sandália e um mais um sári, a fim de irem a qualquer lugar na hora em que Jesus chamasse.

Um ônibus as aguardava à porta. Quando elas saíram e viram a neve caindo, supuseram que era Deus abençoando o seu ministério, porque nunca haviam visto a neve. Na região em que viviam, na Índia, não nevava. Elas entraram no ônibus, sem saber o que as aguardava. Entre elas, estava Ananda, agora com 19 anos de idade, e viera para ser dirigida por uma irmã de nome Paul, uma inglesa
severa, que iria administrar a Casa dos portadores de Aids. Logo que estavam instaladas, começaram a atender os pacientes. Mas a sociedade local começou a sitiar a Casa, ameaçando as religiosas, alegando que elas estavam trazendo para acolhimento os portadores de Aids. A irmã Paul era enérgica e enfrentou a população, defendendo os seus internados com abnegação e coragem. Elas não conheciam a devassidão reinante no Ocidente. Eram ainda quase inocentes. É verdade que Ananda fora violentada, havia vivido num prostíbulo, mas era inteiramente pura... Ela havia sido explorada, mas não havia vivenciado a corrupção. No atendimento aos enfermos ela se afeiçoou por um jovem negro, portador da Aids, que lhe contou como era sua existência antes da doença. Ele a chamava de Didi: irmãzinha querida e terminou morrendo em seus braços.

O médico pragmático e conhecedor das misérias humanas, procurou explicar-lhes que ali não era a Índia. O trabalho era em favor da saúde e da vida e não da morte. Elas, entretanto, ingenuamente, recusavam em curar os enfermos, mas em proporcionar-lhes uma morte digna, e asseveravam: “A melhor saúde termina na morte; é uma questão de tempo. Desde que vai morrer cada um deve se preparar porque a morte nem sempre manda aviso”. Numa das visitas de Madre Teresa a Nova York, ela descobriu que nas penitenciárias, vários homens condenados à morte eram portadores da Sida. Ela percebeu que estava diante de um grande desafio: socorrer alguns desses condenados, mas encontrou os obstáculos naturais da legislação americana. Resolveu recorrer ao governador, fazendo um apelo pelo indulto de alguns por ocasião do Natal e logrou seu intento. Assim, os homens foram transferidos do corredor da morte para a Casa de Caridade.

A obra era grandiosa e começaram a chegar os medicamentos capazes de tornar menos dolorosa e prolongar a existência. O pior da Aids merece que se diga, é que já existem no mundo mais de 50 milhões de soropositivo, isto sem contar os que ainda não foram diagnosticados e continuam infectados. O mundo ficou estarrecido nos anos 90, quando ministros de saúde de dois paises venderam sangue contaminado, prejudicando centenas de pacientes que deles se utilizaram nos hospitais. Descobertos, foram processados e presos.

Um dos bandidos afeiçoou-se por Ananda e ela esquivou-se. Um dia ele disse-lhe que era rejeitado por ser aidético. Ela lhe respondeu, tranqüila, que não se tratava disso, mas porque era casada com Jesus, e afirmou: “Perco a vida, mas não O trairei”. O bandido criou um ódio covarde e, um dia, quando ela estava atendendo outro paciente, ele aplicou-lhe sangue retirado do próprio corpo que iria contaminá-la. Ela sorriu para ele e reiterou: “Seja feita á vontade do Senhor”, e continuou o seu serviço. Ele morreu pouco depois e ela prosseguiu sua tarefa. No ano de 1988, A China comunista abriu espaço para Madre Teresa. Ela foi convidada a tomar conta de um lar de crianças com deficiências mentais em Beijing, e transferiu da Casa da Caridade, a irmã Paul, que levou Ananda para ajudá-la no socorro às crianças. E assim prosseguiu Ananda na sua existência, até que a morte veio visitá-la. . .
Dominique Lapierre escreveu que o poder do amor muito além do amor é tão
grande, que somente se pode compreendê-lo através de Jesus. Fazendo-se do amor o ponto de apoio, a alavanca da solidariedade mudará o mundo. Quem ama não adoece. Quem ama tem doenças, mas não é doente. A doença é um acidente de percurso na jornada do corpo, que experimenta transformações. “O Sermão da Montanha” é para ser cantado e vivido nos dias de hoje. A doutora Maria Montessori num discurso em 1937 disse: “Quando entendermos a criança e a educarmos á luz do Evangelho, salvo teremos à Humanidade”. Vivemos o momento em que o Evangelho de Jesus deve ser transformado em vivência. Falamos de Jesus, a necessidade de traze-lO para o nosso dia-a-dia, de arranca-lO do mito da cruz, da distância que existe entre nós e Ele – distância que nós mesmos a colocamos.

Que o Divino Amor tome conta de nós, e nos seja possível AMAR, MUITO ALÉM DO AMOR. . .


Bibliografia:
Dominique Lapierre
Divaldo P. Franco
Revista “O Reformador” – maio/2008
Pequenas modificações

Jc.
S.Luis, 30/05/2011

ALBERT SCHWEITZER

ALBERT SCHWEITZER

“Os anos enrugam a pele, mas renunciar ao entusiasmo faz enrugar a alma”.

Quem disse isso, sabia bem o que estava dizendo. Dentre as grandes personalidades do século XX haverá sempre lugar de destaque para ele: Albert Schweitzer (1875-1965), alguém que nunca perdeu o entusiasmo. Cheio de vontade, foi raro exemplar do homem de múltiplas aptidões – um artista e pensador que conseguia ser também um homem de ação.

Nascido na Alsácia, filho de pastor protestante, doutorou-se em Filosofia e Teologia, destacando-se desde cedo como escritor. Publicou brilhantes estudos sobre a vida e o pensamento de Jesus. Exímio organista era fã ardoroso de Bach (1685-1750), que ajudou a popularizar com notáveis estudos sobre suas técnicas, além de dedicar-se à produção de órgãos adequados à execução de suas composições.

Aos trinta anos de idade poderia considerar-se um homem feliz e realizado, destacando-se como musicista, teólogo e escritor, atividades que lhe eram gratas. Estavam abertos para ele os caminhos da fama e da fortuna. Sentia-se esmagado sob o peso de tamanha felicidade e perguntava a si próprio se tinha direito de receber este dom como coisa natural. O direito à felicidade, eis aqui o problema que em sua existência interior converteu-se em assunto tão importante quanto fora em sua infância á compaixão por todos os sofrimentos que reinavam no mundo. Este sentimento e esta questão determinaram, por suas recíprocas reações, seu conceito de vida e marcaram seu destino.

“Dava-se conta de que não tinha o direito de aceitar como dons gratuitos a felicidade e a juventude, a saúde e a sua faculdade de trabalho. A profunda consciência de seus privilégios fez-lhe compreender cada vez mais claramente estas palavras de Jesus: “Não temos direito de guardar nossa vida para nós mesmos”. Aquele que está coberto de benefícios, na existência, deve repartir, por seu turno, na mesma medida. Aquele que não conhece o sofrimento deve contribuir para minorar o do próximo.Temos todos de assumir uma parcela da dor que existe sobre o mundo”.

Schweitzer poderia divulgar essas idéias para grandes platéias na Europa, com os dons da oratória e das letras, mas isso não lhe bastava. Era preciso sair a campo, ir ao encontro dos sofredores! Era imperioso transformar em prática, em ativismo do Bem, as teorias religiosas de edificação do Reino Divino. A medicina lhe pareceu o campo mais adequado. Assim, sem vacilar, pôs em prática um projeto que acalantava desde a adolescência: formar-se médico. Aos trinta anos de idade retornou aos bancos universitários, matriculando-se na Escola de Medicina de Estrasburgo.

Toda sua família e amigos famosos, como Romain Rolland (1866-1944), escritor
francês, e Charles Marie Widor (1844-1937) compositor e organista francês, seu professor de música, condenaram a idéia. Widor exprimiu, num exemplo, a reprovação de todos, dizendo: “Você procede como o general que vai à linha de fogo com um rifle”. – Mas Schweitzer sabia muito bem o que queria. Inabalável, dedicou-se aos estudos, realizando prodígios de dedicação para conciliá-los com suas atividades. Formou-se em 1913, e tão logo teve condições partiu para a África, já casado com Helène Bresslau, que lhe compartilhava os ideais.

Conseguira acumular recursos em viagens como conferencista e concertista. Seriam eles utilizados na fundação de um hospital para hansenianos, em Lambarene, no Gabão. Ali realizou seu mais caro ideal – servir à Humanidade. E o fez com tanta dedicação e amor, que o mundo festejou , em 1952, o Prêmio Nobel da Paz que lhe foi conferido em reconhecimento ao seu trabalho.

Ao longo da codificação espírita Allan Kardec situa o egoísmo como elemento gerador de todos os males humanos. Ao proclamar a máxima “Fora da Caridade não há salvação”, oferece-nos o roteiro para que o vençamos. Na medida em que nos preocupamos em fazer algo em favor do nosso semelhante, começamos a derrotar o egoísmo. A duras penas vamos aprendendo essa lição. Espíritos como Albert Schweitzer, não necessitam de orientação nesse sentido. Perfeitamente integrados nos objetivos da existência, já nascem com a vocação de trabalhar em favor do próximo. Desconhecendo o egoísmo, mal podem esperar pelo privilégio de servir.

Quando ele desencarnou em 1965, assim foi noticiado pelas agências internacionais: “Após uma lenta agonia, faleceu em Lambarene, no Gabão, o médico, missionário e musicista, Albert Schweitzer, com a idade de 90 anos. Durante mais de meio século, ele serviu ao povo africano como rara e exemplar dedicação. O “grande doutor” expirou ouvindo os acordes da música de Bach, que ele tanto amava e que executava com perfeição”.

O exímio músico, o orador notável, o escritor brilhante, o teólogo erudito, será lembrado para sempre como alguém que alcançou a suprema realização, preconizada por Jesus – a renúncia de si mesmo em favor dos seus irmãos sofredores. Seu corpo enrugado por décadas sob o causticante sol africano; alma sem mácula, sustentada pela luz do Bem. . .

Bibliografia:
Richard Simonetti
Revista “O Reformador” – 09/2007
Pequenas modificações

Jc.
S.Luis, 27/5/2011

O A M A N H Ã

O AMANHÃ

Muitas vezes, em cada dia, semana e mês, repetimos a palavra “amanhã”. Costumamos dizer “amanhã” para o vizinho que nos pede cooperação para um problema particular. Às vezes, também dizemos “amanhã”, para um amigo ou parente, que nos pede algo, usando essa palavra para nos livrar de um compromisso. Sempre que nos surge a dificuldade, pedindo um maior esforço na solução, apelamos para o “amanhã”. Sem dúvida, o “amanhã” constitui luminosa esperança, como a renovação do Sol no horizonte, mas também representa a nossa recusa em fazer o serviço que nos compete realizar. É da lei que a “conta durma como o devedor”, acordando com ele no dia seguinte.

No instituto da reencarnação, transportamos conosco, onde quer que estejamos, as oportunidades do presente e os débitos do passado. É assim que os ricos de hoje, vivendo na avareza e no egoísmo, voltarão amanhã no martírio dos pobres, para conhecerem, de perto, o infortúnio e as duras lições da necessidade; e, os pobres, cheios de inveja e ódio, retornarão na condição dos ricos, a fim de saberem quanto custam a tentação e a responsabilidade de possuir fortuna e títulos distintos do mundo, quais sejam de magistrados, médicos, etc., quando menosprezam as concessões com que Deus lhes premia o campo da inteligência, delas fazendo instrumentos de escárnio às lutas e dificuldades do próximo; estes ressurgirão no banco dos réus e no leito dos nosocômios, de modo a experimentar os problemas e as angústias do sofredor.

Filhos indiferentes e ingratos retornarão como servos apagados e humildes no lar que não participaram; pais insensatos e desumanos regressarão no ambiente familiar, recolhendo dos descendentes, os frutos amargos do vício e da criminalidade, que cultivaram com o proceder; mulheres enobrecidas que fogem ao ministério doméstico, e por vezes, provocando o aborto delituoso pela fome de prazer, reaparecerão enfermas e estéreis, tanto quanto homens robustos, que envilecem a existência no abuso das dádivas da natureza, ressurgirão no mundo, carregando no próprio corpo o desequilíbrio e a moléstia que adquiriram.

Nunca devemos esquecer, portanto, de que o bem é o crédito infalível no livro da eternidade, e recordar que o “depois” será sempre a resultante do “agora”, do “hoje”. Todo instante é recurso de começar pela execução do “hoje” sem que seja preciso o “depois”. Toda hora e todo dia é tempo de renovar o nosso destino para melhor. Não devemos, pois, deixar para “amanhã” o bem que possamos fazer. . . Façamos hoje.

Como o passado, o presente e o futuro; o ontem, o hoje e o amanhã, significam o mesmo tempo, existe, porém, uma diferença com relação ao “amanhã”, que se analisarmos bem, nunca chega e permanece sempre no futuro. Vejamos então, o que acabo de dizer:

Podemos definir o passado ou o ontem, citando uma data que já passou. Exemplo:
13 de janeiro de 2011 ou sábado passado, dia 21/05/2011.

Podemos definir o presente ou o hoje, citando um fato ocorrido ou que vai acontecer ainda neste dia. Exemplo:

Eu acordei e vou tomar ( hoje), chá em vez de café. (quarta-feira ou 25/5/2011)

Podemos também definir o futuro ao dizer que vamos ao cinema no sábado (28/5/2011), mas não podemos dizer que vamos ao cinema “amanhã”, porque o “amanhã” estará sempre no futuro. Exemplo:

O relógio do tempo ao indicar meia-noite, o dia que findou saiu do presente (hoje) para o passado (ontem), logo que o relógio acuse o primeiro segundo após a meia-noite; o que era o “amanhã” (futuro) passou para hoje (presente), ficando o “amanhã” como sendo o dia seguinte, permanentemente no futuro.

Assim, quando dizemos “amanhã” esse dia nunca chegará, porquanto o “amanhã” estará sempre se perpetuando no tempo.

Diga então, no dia 28 deste mês, ou no sábado desta semana, ou no sábado da semana seguinte (4/06/2011), ou em outra data, ou outra semana qualquer, para determinar o dia que vai ao cinema.


Bibliografia:
Livro “Religião dos Espíritos”
+ acréscimos e pequenas modificações.

Jc. - S.Luis, 25/5/2011

MAHATMA GANDHI

MAHATMA GANDHI


Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948) nasceu na Índia, por volta de 1869, e aos treze anos se casou e, logo já tinha quatro filhos. Por volta de 1888, com 19 anos de idade foi para Londres estudar Direito. Em 1899 retornou para a Índia, mas não obteve sucesso na profissão por ser tímido e por entender que a função de advogado é de ajudar o tribunal a chegar à verdade, o que, geralmente, não era o objetivo dos seus clientes. Em 1901 recebeu um convite e foi trabalhar em Dunhar, na África do Sul, onde havia uma grande comunidade de indianos. Recordou-se então, do momento que iniciou a sua missão. Certa vez, numa viagem de trem, recebeu a ordem de passar de um vagão da primeira classe para um da terceira, pois aquele era reservado exclusivamente a pessoas brancas e ele não era assim considerado devido à sua cor morena, típica dos hindus. Recusou-se a atender e foi expulso na primeira estação. Ele passou a noite a pensar no que fazer. Desistir, retornando à Índia, ou permanecer e lutar. Pela manhã a decisão estava tomada. Ficar e lutar contra o preconceito.

A partir daí surgiu uma grande questão que o consumiu: como lutar? Ele era contra a violência. Já havia lido o “bhagavad-Gitta”, a “Canção Celestial”, a famosa epopéia indiana, e o “Sermão da Montanha”, no qual Jesus afirmava ser necessário resistir ao mal com o bem. Mas como colocar esses ensinamentos em prática na sua luta? – Desorientado e até desanimado, em certo dia de 1903, recebeu um livro, recém-publicado, que o iluminaria e lhe mostraria o caminho a seguir. Esse livro tinha o título: “O Reino de Deus está dentro de vós”, do famoso escritor russo Leon Tolstoi.

Em janeiro de 1908, estava preso numa cela quente e suja em Transval, na África do Sul e passava por momentos difíceis. Pensava preocupado em sua família e como chegara àquela situação. Na sua cela, Gandhi escreveu uma carta para Tolstoi; em 1909, remeteu outra carta; em 1910, teve a grata alegria de receber uma carta do grande literato Tolstoi, escrita pouco antes da sua desencarnação. Assim, Mohandas Gandhi, que passou a ser conhecido como Mahatma (grande alma) Gandhi, lutaria dez anos na África do Sul contra o preconceito, libertando 250 milhões de indianos do jugo inglês.

Mohandas Gandhi é considerado o criador de um modelo de revolução não violenta, que nos dias atuais inspira atitudes de protesto contra qualquer forma de agressão, e influenciaria dois outros grandes missionários, o norte-americano Martin Luther King e o africano Nelson Mandela. Ele acreditava que, quando uma pessoa deixa de reagir a uma agressão, acaba tirando a razão do agressor. Como conseqüência, mais cedo ou mais tarde o agredido termina ganhando a causa. Na Índia, Gandhi é conhecido como aquele que, com sua resistência pacífica pôz fim ao colonialismo britânico no país, cuja independência foi concedida em 1947.
Segundo o livro “Great Soul – Mahatma Gandhi and His Struggle with Índia” do escritor, Joseph Lelyveld que foi correspondente do jornal “The New York Times”, na África do Sul e na Índia, paises onde, respectivamente, Gandhi iniciou e culminou sua carreira política. Ele não esconde sua admiração por Gandhi, mas o resultado de sua investigação meticulosa em documentos históricos e em cartas pessoais, revela fatos tão incômodos que a venda desse livro foi proibida no estado indiano onde Gandhi nasceu.

Para quem ficou conhecido como um opositor do imperialismo britânico, Gandhi foi submisso aos interesses ingleses, e fez tudo para ser reconhecido como um deles. Em 1918, um ano antes de ganhar o título de Mahatma (grande alma), Gandhi iniciou uma peregrinação pelos povoados do distrito de Kheda, centro da Índia. A missão era árdua e consistia em recrutar 20 soldados em cada uma das 600 vilas (12.000), para lutar e morrer pelo império inglês, na 1ª Guerra Mundial. Gandhi apelava para a espiritualidade hindu, dizendo para as mulheres liberar seus maridos para combater na Europa, ao dizer: “Eles serão de vocês na próxima encarnação”.

Essa não foi á única vez que Gandhi ofereceu seus préstimos a campanhas militares inglesas. A primeira vez foi na Guerra dos Bôeres (1899 a 1902). A segunda vez foi na repressão à rebelião dos zulus que empunharam lanças contra os colonizadores em 1906. No posto de sargento-mor comandou um pelotão, e sobre esse episódio, escreveu: “Para a comunidade indiana, ir para o campo de batalha, deve ser uma decisão fácil. Por que temer a morte? – Nós temos muito que aprender com o que os brancos estão fazendo”.

Somente em 1908, Gandhi começou a demonstrar sua insatisfação com as políticas raciais dos colonizadores ingleses, expondo seus preconceitos: “Nós entendemos o fato de não sermos classificados como brancos, mas, nos colocar no mesmo nível dos nativos é demais. Os Kaffirs são problemáticos, muito sujos e vivem quase como animais”.

Após a guerra contra os zulus, alegando querer se dedicar a uma vida de pobreza e meditação, Gandhi anunciou à sua mulher Kasturba, que se tornara um celibatário. A partir de então abandonou sua esposa e os quatro filhos e, quando seu irmão reclamou da sua negligência para com a família, ele retrucou que “sua família passava a englobar todos os seres vivos” e também passou a definir o sexo como fonte dos impulsos violentos do ser humano. A noção de que a abstinência sexual era algo a ser exercitado como uma virtude acompanhou o líder indiano até o fim da sua existência.

Gandhi voltou à Índia justamente quando começou a primeira grande Guerra. Em 1946, dois anos antes de ser assassinado por um hindu enraivecido com seu papel na divisão territorial entre a Índia e o Paquistão, Gandhi requisitou os cuidados pessoais da bela Manu, de 17 anos, filha de seu sobrinho. A jovem era obrigada a dormir ao seu lado semi-nua. Falando sobre esse fato ele disse: “Um homem perfeito é capaz de dormir nu ao lado de uma mulher nua; não importa quão ela seja bela, sem que desejos sexuais apareçam!” – Contava ele nessa época, 77 anos de idade e vivia cercado de belas mulheres jovens.

Gandhi construiu seu mito graças a uma estranha capacidade de transformar argumentos incompreensíveis em credo religioso. Uma forma infalível para gurus aproveitadores... concluiu Lelyveld, em seu livro “Great Soul”.

Concluímos então que Gandhi, apesar de ser considerado uma “grande alma” e possuir evolução espiritual, ainda tinha imperfeições, a exemplo de outros missionários de Deus que vieram à Terra. Eurípedes Barsanulfo, que considero um dos Espíritos mais evoluídos, quando de sua jornada terrena, afirmou: “Tudo o que fiz quase se perde, em virtude de ter sido sincero e honesto, ferindo com as pessoas com as minhas palavras; só salvando a minha existência, pelas obras que realizei”.

Todos os que vieram e estão na Terra, possuem alguma virtude como também outras imperfeições... A única exceção... foi Jesus de Nazaré.


Bibliografia:
Boletim do SEI – nº. 2181 – 31/5/2010
Revista “Veja” – edição 2215


Jc.
S.Luis, 24/5/2011.

EURÍPEDES BARSANULFO, O MISSIONÁRIO DA CARIDADE

EURIPEDES, O MISSIONÁRIO DA CARIDADE

Sacramento, majestoso e belo povoado mineiro, nascido entre colinas, num vale acolhedor, com seus calçadões de pedras, seus lampiões, suas ruas vermelhas de chão batido... o carro de boi com suas rodas cantando a melodia do trabalho! Banhado pelas águas do ribeirão Borá; seus parques naturais, ricos, cheios de pedras preciosas cobertos por águas claras, que atraiam bandeirantes desbravadores, que marcaram uma época. Porém, a riqueza maior ainda estava por aparecer, naquele rincão mineiro. Corria o ano de 1874 e, numa dessas tardes ensolaradas, a sala da casa modesta da família Pereira de Almeida, recebia o moço Hermógenes Ernesto de Araújo e seu pai Hermógenes Casimiro de Araújo. Hermógenes pai, vinha pedir a mão de Jerônima Pereira de Almeida (Meca), então com 14 anos de idade, para o seu filho ali presente. Passado algum tempo, chegara finalmente o dia tão esperado. Juntos ao altar-mor da Matriz da Freguesia do Patrocínio de Sacramento, aguardavam a bênção do pároco. Ambos ao se olharem, perceberam o magnetismo da afinidade, que os havia de irmanar por toda a existência.

Mais algum tempo passa, e a 1º de maio de 1880, nasce Eurípedes Barsanulfo, o terceiro filho do casal. Foi ele recebido nos braços carinhosos de Ludovina, grande amiga da família e desde muitos anos, parteira do povoado. Aos 4 anos, ele era uma criança comum com a ingenuidade própria da idade. Certa vez, ao ver outros meninos na via pública com alguns níqueis, ele desejou possuir uma moeda também, pois queria comprar um doce na venda. Os outros meninos lhe sugeriram: “Passe um caco de telha na pedra até ficar redondinho igual ao nosso e leve-o ao vendeiro e compre o docinho...” Os meninos se afastaram sorrindo enquanto ele passou a burilar o pedaço de telha. Em seguida foi à venda e entregou o seu “dinheiro” ao dono da quitanda que sorriu e deu-lhe um doce. Eurípedes ficou exultante, porque havia comprado doce como os outros meninos e já sabia fazer dinheiro.

Meca, sua mãe, fazia uma camisolinha de tecido grosso, tal como era o costume, acrescentando um bolsinho, onde o menino guardava um pedaço de pele de porco e um pedaço de rapadura. O menino chupava, chupava a pele e lambia a rapadura e guardava-a de novo. Essa operação durava o dia inteiro e dava para enganar a fome. As dificuldades eram uma constante na vida do casal, agravadas com o aumento da família e a enfermidade da mãe. Eles sofriam com paciência, aguardando melhores dias. Desde pequeno, Eurípedes demonstrou grande interesse pelos enfermos. Vivia à volta de pessoas sofredoras, a quem oferecia as alegrias naturais da idade.

A seu pedido, o pai encaminhou-o para a escola primaria, onde o menino aprendeu a ler e a contar rapidamente. Depois que ele aprendeu nunca mais deixou a companhia dos livros. Mogico, seu pai, recebera a proposta de gerenciar uma casa comercial, na estação de Cipó a poucos quilômetros de Sacramento; porém naquele lugarejo não havia escola. Eurípedes prosseguiu seus estudos com o pai, que, nas horas vagas, transmitia-lhe lições de Aritmética e Língua Portuguesa. Quando o trem apitava próximo da estação, o menino preparava-se para carregar as malas dos viajantes que desciam ou embarcavam no trem. A preocupação do menino era ganhar dinheiro e assim conseguiu comprar as primeiras calças que usou. Depois disso, passou a guardar todo o dinheiro que ganhava, numa velha meia. Quando juntou um bom número de moedas ele entregou à sua mãe, dizendo alegremente: “Guarde, mãe, para o dia em que a senhora não tiver pão em casa”. As lágrimas da mãe banharam a face do filho querido; era o primeiro de muitos testemunhos de renúncia que aquela alma daria existência afora... Eurípedes fora acometido de maleita, muito comum nas épocas posteriores às chuvas. Logo depois, Mogico, seu pai, apareceu com beri-beri e ele pensou no retorno para Sacramento. Cipó era bom para ganhar dinheiro, porém era foco de doenças e a família não devia ser exposta a esse perigo. Assim, depois de dois anos e meio de permanência na estação ferroviária, a família regressou a Sacramento. Nessa época, Euripedes já estava com nove anos, e na volta ao povoado á saúde retornou-lhe.

Corria o ano de 1889 e inaugura-se em Sacramento uma fase nova para a população estudantil; instala-se na cidade o “Colégio Miranda”. Mogico levou Eurípedes para esse colégio e como ele já havia feito as “primeiras letras” foi encaminhado para a classe adiantada, correspondente ao ginásio, tornando-se assistente dos professores, como monitor, onde iniciou atividades pedagógicas, que o levariam a posição de destaque no magistério de Sacramento. Eurípedes enquadrado como aluno adiantado transmitia aos condiscípulos lições metodizadas da Língua Portuguesa, Francês e Matemática, disciplinas que ensinava com discernimento e entusiasmo. Em casa, ele tomara a si tarefa de cuidar da educação dos irmãos. Por suas qualidades, os mestres colocaram-no num plano de visível preferência. Jamais confiaram a outro aluno a honra de conduzir o Pavilhão Nacional nas festas cívicas que participava o colégio e também lhe confiaram à honrosa incumbência de ser o orador oficial, em todas as solenidades. Desse modo, o Colégio Miranda deu a Eurípedes excelente bagagem intelectual, onde aprendeu o Francês; o Latim; aperfeiçoou a Língua Portuguesa e as Ciências Naturais, com a dissecação de animais e o estudo das plantas. O nome de Eurípedes está profundamente ligado à história educacional de Sacramento de 1889 a 1918, quer como aluno brilhante, quer como professor no Colégio Miranda.

Algum tempo depois, o pai de Eurípedes fora informado de que deveria providenciar um Colégio para o seu filho, onde ele pudesse realizar o curso superior, para cujo ingresso já se achava preparado. Ao enfatizar suas qualidades, o Prof. Miranda disse: “Nada mais temos para ensinar a Eurípedes. Ele já aprendeu tudo o que nosso colégio pode oferecer”. No princípio de 1902, o pai do jovem resolveu levá-lo para o Rio de Janeiro, com o duplo objetivo de encaminhá-lo no estudo superior e na obtenção de um emprego. Pai e filho seguiram para a capital do país, onde conseguiram matricula no Curso Preparatório para a Escola de Medicina da Marinha. Desde pequeno ele tinha o desejo de ingressar numa escola superior onde pudesse adquirir conhecimentos e prática, no campo da Medicina, por esse motivo folheava os livros, coordenando conceitos, coligindo dados, adquirindo novos conhecimentos. Certa vez dissera à sua mãe: “Não descansarei, mãe, enquanto não encontrar um caminho para debelar o seu mal, que tanto a aflige; enquanto eu não curar a senhora”.

Assim, ele buscava os meios, para livrar os padecimentos da sua adorada mãe,
inclusive, os da religião. Cumpria com devoção os deveres religiosos, jamais se esquecendo do rosário e do missal nos ofícios. Nesse entusiasmo, dispunha as coisas necessárias que usaria no longo estágio que faria no Rio de Janeiro. Na véspera da viagem, quando sua mãe arrumava a mala, foi acometida de uma das crises que tanto preocupavam particularmente, a Eurípedes. Sentira ele de imediato o motivo do sofrimento da mãe querida; era a tristeza da separação próxima. Quando Meca voltou às faculdades normais, encontrou a mala do filho desfeita. Eurípedes nunca mais tocou no assunto da viagem... Em 1897, o senhor Ormênio que era entusiasta pelo estudo da homeopatia trouxera alguns livros relacionados com essa terapêutica. Eurípedes logo se interessou pelo assunto e obteve o consentimento dele para efetuar um estudo nos mencionados livros. O grande objetivo desse empenho era a cura da sua mãe. Quem sabe a Homeopatia era a solução há tanto esperada? Com os próprios recursos, criou uma pequena farmácia homeopática, que atendia aos necessitados da periferia, aos quais visitava cotidianamente. A personalidade do jovem já se impunha pela serena compreensão das fraquezas humanas, que o tornaria anos após no inconfundível Missionário do Bem. A 31 de janeiro de 1902, fundava-se o Liceu Sacramentano, sob o calor do entusiasmo e das esperanças do povo. Eurípedes fora o abalizado construtor da iniciativa.

O jovem professor, mesmo antes de conhecer as luzes da Doutrina dos Espíritos, já agasalhava na fonte sublime do sentimento, guiando-se por elevada compreensão dos problemas do Espírito. Na fazenda Santa Maria, localizada a quatorze quilômetros de Sacramento, residiam alguns familiares de Eurípedes, e entre estes estavam Mariano da Cunha (Tio Sinhô) como era chamado na intimidade, e João Ferreira Cunha, irmão de Meca, pelo lado materno. Nos fins do século passado, insólitos fenômenos começaram a abalar a paz da gente ordeira de Santa Maria. Estranhas vozes se ouviam dos telhados das casas. Assobios e pedras partiam de vários lugares. Tio Sinhô buscara Frederico Peiró para socorrê-los naquela aflitiva emergência. Feitas as primeiras sessões, os fenômenos cessaram. Todos ficaram sabendo que as ocorrências tiveram cunho providencial e que Santa Mátria era um foco de médiuns. Assim, tiveram início as tarefas espíritas de Santa Maria que se estenderam por toda a região, no curso de anos de labores santificantes. A notícia dos serviços espirituais de Santa Maria chegara a grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, e o Centro Espírita “Fé e Amor”, já criado, recebia grande número de visitantes.

Eurípedes desde a meninice, era muito zeloso, exercendo as funções de “coroinha” nos rituais da Paróquia local. Como co-fundador da irmandade de São Vicente de Paulo, esteve por alguns anos no cargo de secretário dessa congregação. Um episódio marcante veio abrir novos horizontes, no entendimento espiritual de Eurípedes. Corria o ano de 1903. Eurípedes saíra em visita ao padre Pedro e encontrara o padre Augusto Teodoro da Rocha Maia, que após alguns minutos de conversa, apresentou-lhe um livro e, em tom confidencial, disse ao jovem: “Eurípedes, sei que você é católico fervoroso e amigo das boas leituras. Você vai ler este livro, mas cuidado! – Não o passe adiante. A leitura desse livro é proibida pela Igreja Católica aos seus adeptos”. O sacerdote passa às mãos de Eurípedes, um exemplar da Bíblia. Um brilho de interesse iluminou os olhos do adolescente. Ao passar pela residência do Sr. Leão Almeida, este ao observar o livro que Eurípedes carregava, exclamou: “Olha Eurípedes, só lhe falta agora a batina! Logo teremos padre novo na terra!”

Antes, observara tantos desconsolados da vida, baixarem à tumba sem os prometidos reconfortos da promessa divina... Não compreendia ainda como o Cristo – Sábio e Misericordioso – prometera consolações para pobrezinhos sem eira nem beira, os que foram injustiçados em todos os tempos. Com a mente cheia de pontos reticentes, procurou o padre Augusto para um esclarecimento direto dos assuntos. Colocou o padre a par das suas dúvidas. “Padre, no que se refere à extraordinária beleza das expressões do Senhor, não entendo é até onde vai o pensamento do Mestre, no que diz respeito às promessas que não se realizam...” O Padre lhe respondeu: “Não diga isso, meu filho. Sempre há um motivo oculto, um mistério no ensino cristão, que não devemos e nem podemos penetrar. Compreendes Eurípedes?” – Em face da impossibilidade de prosseguir, abaixara a cabeça. Evidentemente tais considerações não satisfizeram ao espírito analista do jovem. Despedira-se cordialmente do bom conselheiro, mas trazia cravado no espírito os primeiros sentimentos de dúvida. Com esses pensamentos Eurípedes alcançara a loja do pai ansioso por iniciar a leitura. Tudo o que conhecia dos Evangelhos resumia-se nos ensinos que os padres lhe ministravam. O jovem começou a leitura pelo Novo Testamento. Leu paciente e com fervor crescente todos os capítulos e versículos dos Evangelhos. Fez anotações, que lhe serviriam para futuros roteiros. Permanecia o Sermão da Montanha como obstáculo maior para a compreensão da palavra divina... Achava-se sob o domínio da dúvida.

Nessa época, Mariano da Cunha fazia viagens periódicas à Sacramento e hospedava-se na casa da irmã Meca, fato que se constituía em motivo de alegria para Eurípedes. Muito amigo de seu tio, o moço pedia à mãe que ele queria dormir no quarto dele. Nessas ocasiões, Eurípedes mantinha polêmicas com o tio a respeito da nova Doutrina que existia em Santa Maria. Não entendia como pessoas tão honestas e equilibradas, apesar de incultas como o tio Sinhô, madrinha Sana e outros tios, empenhavam-se tanto na difusão daquela Doutrina que outras pessoas diziam ser do demônio... As discussões repetiam-se entre tio e sobrinho, às vezes até altas horas da noite. Eurípedes, com invejável cultura adquirida na leitura de todos os dias, apresentava argumentos brilhantes, enquanto seu tio, homem rude do campo, com poucos conhecimentos da Doutrina, muitas vezes ficava em silêncio, à falta de argumentação segura. Em 1903, tio Sinhô visita a família de Meca e, como sempre, Eurípedes recebe-o com sincera alegria. À noite, como de costume, o moço inicia a conversa: - “Como é, tio Sinhô, as sessões continuam?” – Nada mudou e o trabalho cresce, porque a dor aumenta cada dia, respondeu o tio. As primeiras investidas do sobrinho mostrou-se tranqüilo; ele viera armado, sob a inspiração do Alto. Naquela noite, Eurípedes esforçava-se por envolver o tio nas malhas da sua argumentação. Quando o sobrinho terminou, tio Sinhô retirou do bolso um livro e lhe coloca nas mãos, dizendo: “O que não posso explicar a você, esse livro vai fazer por mim”. – Eurípedes abriu o livro e na primeira página era uma dedicatória de amor – o filósofo francês Leon Denis – para entidades benfeitoras que o haviam inspirado na confecção do livro. O tio cansado acomodara-se para dormir, enquanto o sobrinho começara a leitura. O tio acordara, algumas vezes, e o sobrinho continuava a ler.

Ao clarear do novo dia, o moço brindou o coração do bom Mariano Cunha com alegre exclamação: - “Muito obrigado, meu tio! Isto é um monumento!” – Eurípedes confessava-se plenamente empolgado com a lógica convincente do autor; trezentas e trinta e quatro páginas repletas de interesse. O livro tinha o título: “Depois da Morte”. Horas depois, Eurípedes procurou a sua mãe e avisou-a de que passaria a manhã no alto da cidade – seu retiro predileto. As horas passam e o jovem continua a leitura página a página. As orientações caem-lhe no espírito ávido com naturalidade sem os atropelos da dúvida. A segunda parte do livro arranca-lhe lágrimas de emoção. Jamais sentira a alta significação do Amor e da Sabedoria de Deus. Jamais tinha visto alguém cantar as glórias da Criação com tamanha profundidade e beleza. Quando ele desceu o morro verdejante, ele revivia os primeiros arrebatamentos que a literatura espírita lhe proporcionava e que se repetiriam no futuro.

Desse dia em diante, sentia, cada vez mais forte, a sede de novos conhecimentos sobre o Espiritismo. O tio Sinhô fazia chegar até ele o reduzido material de propaganda da Doutrina Espírita, então existente. Profundamente abalado nas suas convicções católicas, e, leal à sinceridade de seu Espírito, restringiu sua presença na Igreja a poucos ofícios. Já não era mais o assíduo freqüentador dos cultos religiosos e o fato começava a despertar apreensões no seio da sua família e do clero... Eurípedes ia às quintas-feiras a Conquista para efetuar a escrituração da casa comercial do seu pai. Lá encontrava com freqüência sua madrinha Sana para pequenas compras e para se avistar com o afilhado. Eurípedes indagava: “Então madrinha, como vão ás almas do outro mundo?” – Ela respondia: “Você precisa assistir às nossas reuniões, meu filho. Os Espíritos estão explicando o Evangelho, fazendo todos chorar como nos tempos de Jesus”. Ele então prometeu aparecer um dia em Santa Maria para ver de perto.

Na sexta-feira da Paixão do ano de 1904, Euripedes convida seu amigo José Martins Borges para irem ambos assistir a uma sessão espírita, em Santa Maria. Para não causar preocupações aos pais, ele saíra na véspera para as tarefas de escriturário, e avisou à mãe que só voltaria no dia seguinte à noite. Eles chegaram a Santa Maria, com o objetivo de observar tudo ao vivo. Entraram no recinto, respeitosos. Os trabalhos já tinham se iniciado, sendo lido um trecho do Evangelho. Ali se achava o Aristides, seu conhecido, com um coração de ouro, mas com um cérebro vazio. Um pensamento vibrava-lhe na mente e resolve então fazer o seu pedido mentalmente. O meu entendimento está fechado para as Bem-aventuranças. Sendo verdade que os
Espíritos se comunicam, rogo a João Evangelista elucidar-me pelo médium Aristides.
Alguns minutos depois, Eurípedes ouvia a mais “extraordinária dissertação filosófica e doutrinária, que jamais conhecera, em toda sua existência, sobre o Sermão da Montanha”, por intermédio do intérprete solicitado. Impossível atribuir a Aristides, semi-analfabeto, aquela linguagem sublime, onde o magnetismo da eloqüência empolgava até às lágrimas, os que se encontravam presentes. Ao final da luminosa exposição, a Entidade assinala sua identidade com o selo vibrante de fraterna saudação: “Paz ! João, o Evangelista”. – Eurípedes compreendia, finalmente, o mais perfeito código de consolações que ao mundo fora dado receber, desde Jesus.

Seguro das verdades, que a Doutrina Espírita lhe projetara no Espírito, Eurípedes não havia ainda deixado a Igreja, embora a deserção gradativa se fizesse sentir. Ele estimava a oportunidade de voltar ao núcleo espírita, onde fora tocado no mais fundo de seu Espírito, dias atrás. Após alguns dias, Eurípedes retorna ao grupo fraterno de Santa Maria, e pela segunda vez assistiria a uma sessão espírita. Tio Sinhô funcionava como médium de recepção e transmite inicialmente a palavra serena e orientadora de Adolfo Bezerra de Menezes que o convida a tomar parte na corrente vibratória, afirmando suas faculdades curadoras. Seguindo-se a Bezerra de Menezes, fala o benfeitor Vicente de Paulo que após saudação, dirige-se a Eurípedes, lembrando que ele era presidente de uma congregação religiosa que trazia o seu nome – Vicente de Paulo, e o adverte que a Igreja a que Eurípedes servia, com zelo e desprendimento, há séculos, não comportava mais o Espírito do Cristo. Ao término da mensagem, Vicente de Paulo confia ao moço uma revelação de alto sentido emocional para Eurípedes: Era o seu guia espiritual, desde o berço... E o Benfeitor acrescentou: “Abandone, sem pesar e sem mágua, o seu cargo na congregação. Convido-o a criar outra instituição, cuja base será o Cristo e cujo diretor espiritual será eu e você o comandante material. Afaste-se de vez da Igreja. Meu filho, as portas de Sacramento vão fechar-se para você. Os amigos afastar-se-ão; a própria família revoltar-se-á. Mas, não se importe. Proclame a Verdade. Porque, a partir desta hora, as responsabilidades de seu Espírito se ampliaram ilimitadamente.” E concluiu o luminoso guia: “Você atravessará a rua da amargura, com os amigos a ridicularizarem uma atitude que não podem compreender.” – Eurípedes volta à cidade com o coração banhado de claridades novas e sublimes resoluções.

O primeiro ato de coragem, no retorno à cidade fora cortar os laços que o prendiam à Irmandade São Vicente de Paulo. Os membros da congregação receberam com espanto a sua decisão. Rogaram a ele uma explicação para sua surpreendente conduta. Eurípedes atendeu-os, narrando com simplicidade os acontecimentos, que lhe marcaram novos rumos para a sua existência. Os antigos companheiros exclamavam: - Você está louco! O Espiritismo é uma fábrica de loucos, e você agora é um deles. – Eurípedes replicava dizendo: - Bendita loucura, que tem o discernimento necessário para distinguir o erro da Verdade. Para trocar o engodo pela realidade do Espírito. – Então, reúnem-se o Bispo de Uberaba e os elementos do Clero da região, mas todos os esforços caem por terra. Nada abala as novas convicções de Eurípedes. O padre Augusto Teodoro da Rocha Maia, sentindo-se culpado, por haver contribuído para as novas idéias – através do empréstimo da Bíblia – é envolvido por entidades das trevas sofrendo uma possessão que é utilizada pela Igreja para sensibilizar o moço a renunciar aos novos ideais. Eurípedes sentiu o fato e orou pelo excelente amigo, mas permaneceu firme nos seus propósitos novos.

Enquanto a família consangüínea de Euripedes se fechava, envolvida por terrível incompreensão, que se expressavam por revolta, os amigos murmuravam à sua passagem: - O Professor está louco! – Os companheiros de magistério, no Liceu Sacramentano, abandonaram seus cargos. A elevada postura de Eurípedes, entretanto, permitia-lhe vôos a regiões celestes, que o distanciavam dos lugares comuns e de situações desagradáveis. Eurípedes Barsanulfo começara a observar-se fora do corpo físico, em admirável desdobramento, quando certa noite, viu a si próprio em prodigioso desdobramento. Embora surpreso, era arrastado pela vontade de alguém num envolvimento de amor, e subia, subia... Foi subindo sempre, queria parar e descer, reavendo o veículo carnal, mas não conseguia. Braços intangíveis levavam-no nessa sublime excursão. Respirava outro ambiente, sentia-se leve e viajou, à maneira de pássaro teleguiado até que se reconheceu em campina verdejante. Reparava na formosa paisagem quando avistou ao longe um homem que meditava, envolvido por uma luz. Como que hipnotizado pelo desconhecido, aproximou-se, porém estacou logo adiante trêmulo. Algo lhe dizia no íntimo para não avançar mais... num deslumbramento de júbilo, reconheceu-se na presença do Cristo. Baixou a cabeça, pela honra imprevista e ficou em silêncio, sentindo-se como um intruso, incapaz de voltar ou seguir adiante. Recordou as lições do Cristianismo, e a mensagem d’Ele a ecoar entre os homens, no curso dos séculos... Ofuscado pela grandeza do momento, começou a chorar; grossas lágrimas banhavam-lhe o rosto, e adquirindo coragem ergueu os olhos e viu que Jesus também chorava... Por ver-lhe o pranto desejou confortar o Amigo Celeste... Afagar-lhe as mãos ou estirar-se à maneira de um cão leal aos seus pés... Mas estava como que chumbado ao chão... Nessa linha de pensamento, não se conteve e abrindo a boca falou suplicante: “Senhor, por que choras?” – O interpelado não respondeu. Mas desejando certificar-se de que era ouvido Eurípedes reiterou: “Senhor, choras pelos descrentes do mundo?” – Notou que o Cristo lhe correspondia agora ao olhar; e após um instante, respondeu com voz dulcíssima: “Não, meu filho, não sofro pelos descrentes aos quais devemos amar. Choro por todos os que conhecem o Evangelho, mas não o praticam...” – Eurípedes não sabia descrever o que se passou então ante a dor que a resposta lhe trouxera, desceu, desceu... E voltou a acordar no corpo físico. Era madrugada e não mais conseguiu dormir. E desde aquele dia, sem comunicar a ninguém a divina revelação que lhe vibrava na consciência, se entregou aos necessitados e aos doentes, sem repouso sequer de um dia, servindo até à morte.

Sentindo-se desapontado em toda parte, ele buscava os campos próximos da cidade, favorecido pelo silêncio da Natureza, com o Evangelho Segundo o Espiritismo à mão e lia, muitas vezes, as lições em voz alta, como se quisesse fixar detidamente em si mesmo, as luzes do Cristianismo Redivivo, enquanto sua mãe sofria o assédio de espíritos inferiores, que procuravam por todos os meios destruir a obra da Verdade em Sacramento. Os companheiros de Santa Maria cientes do que se passava e orientados pelo Alto, conduziram Eurípedes e Meca para uma temporada de refazimento, em ambiente apropriado, propiciando á ambos á sustentação necessária aos grandes e importantes trabalhos a serem desempenhados. Os novos trabalhos realizados por Eurípedes atraiam numerosas pessoas, em busca do socorro amigo, que as mãos do jovem proporcionavam a todos, gratuitamente. Ele se preocupava com o alvoroço que as pessoas traziam ao lar paterno, principalmente sua mãe enferma e informou-lhes do plano de se mudar para outro local, o que realizou, abrindo suas portas à multidão de aflitos, que suas curas pela homeopatia fazia.

Certo dia, sua mãe vai até a residência do filho e logo vai falando ao que viera: - “Meu filho, seu pai manda pedir-lhe que queime esses livros espíritas, porque ele não quer filho doido”. – “Meu pai conhece o que é o Espiritismo”, pergunta Eurípedes. Meca não disse nada e continuou: “Dou-lhe apenas o recado do seu pai, pois sabemos que isso é arte do demônio”. O filho acerca-se de Meca e todo carinhoso, lhe transmite as consolações que a Doutrina oferece. Ela ouvia o filho com enlevo e admiração que a levara a modificar convicções. E aquela mulher corajosa, horas depois, chega-se ao marido e confia-lhe tocada se sublime determinação, a grande notícia: - “Mogico, agora eu sou espírita...” Anos depois, toda a família se convertera à Terceira Revelação, sob a benéfica influência de Eurípides. Meca tornou-se a mais devotada colaboradora do filho, colocando em atividade suas faculdades curadoras.
Na residência de Eurípedes, fundou-se o Grupo Espírita Esperança e Caridade, a 27 de janeiro de 1905, sob a orientação de Eurípedes, e nessa ocasião se manifestam os mentores Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio e Vicente de Paulo que reafirma sua colaboração, na direção dos serviços espirituais de curas e prática mediúnica. Nos dois anos iniciais, numerosos colaboradores apoiaram Eurípedes e as tarefas ampliaram-se em todas as áreas de serviço. No setor de passes destacava-se o potencial magnético de dona Meca, e era tão grande a fonte de forças dela que Eurípedes chegou a declarar algumas vezes que “sua mãe era possuidora de um magnetismo curador superior ao dele”.

Eurípedes foi procurado por muitos pais, que lhe rogaram a continuidade das aulas. Após um rápido estudo, ficara combinado o aluguel de uma sala no antigo Colégio da prof. Ana Borges. Na porta modesta lia-se: Liceu Sacramentano. O currículo era o mesmo, mas com a debandada dos colegas, ele desdobrava-se para ministrar as aulas com todas as matérias em todas as classes, e acrescentara ainda o ensino da Doutrina dos Espíritos, o que fez pais católicos ameaçarem de retirar seus filhos. O professor respondeu: “Que retirem os filhos, mas a finalidade salvadora do aprendizado espírita será mantida”. Em virtude disso, muitos pais cancelaram a matrícula dos filhos. Um dia ele se entristeceu profundamente. Achava-se abandonado no vazio da sala de aula. Pusera-se a chorar, no silêncio de ardorosa prece. Imediatamente sentiu vontade de escrever, enquanto todo o seu ser banhava-se em magnetismo suave, de fluidez radiosa desconhecida. Eis que uma força superior toma-lhe o braço e, transmite pequena mensagem, mais ou menos nestes termos: “Não feche às portas da escola. Apague da tabuleta a denominação “Liceu Sacramentano” - que é um resquício de orgulho. Em substituição coloque o nome: Colégio Allan Kardec. Ensine
o Evangelho de meu filho às quartas-feiras e institua um curso de Astronomia. Acobertarei o Colégio, sob o manto do meu Amor.” Após a mensagem ela coloca o selo da sua identidade: Maria, serva do Senhor. Essa manifestação se dera a 31 de janeiro de 1907, e Eurípedes seguiu a risca as instruções da sublime Mãe de Jesus.

Tem início em Sacramento, a maior campanha educacional até então. Antigos alunos reintegram-se ao novo educandário e mais de duas centenas de outros estudantes são encaminhados ao Colégio Allan Kardec. No início, o Colégio Allan Kardec funcionava na pequena sala alugada que já não comportava todos os alunos. Eurípedes então providenciou a derrubada de algumas paredes da sua casa formando um salão amplo para o Colégio e restaram ainda três cômodos. Nessa época ele recebia doentes para tratamento dando-lhes ali a assistência e a hospitalidade. Seus alunos eram designados para a vigilância dos enfermos, alternando-se no exercício de enfermeiros improvisados. Por essa época Bezerra de Menezes pede a ele que volte para o lar paterno, onde ambos pudessem iniciar a tarefa da farmácia, no que foi atendido. Conforme recomendação, as quartas-feiras eram consagradas ao estudo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e o “O Livro dos Espíritos”, que eram assistidas pelos alunos e numerosos visitantes. O Curso de Astronomia, como os demais, levava os alunos, através da sensibilidade elevada do professor, à compreensão da Obra Divina, penetrando-lhe a profunda Beleza.

Eram numerosos os desdobramento de Eurípedes, semelhantes ao de Antônio de
Pádua, que propiciavam aos sofredores a assistência dele, nos processos de bi-locação visível e tangível. Os alunos estavam tão familiarizados com essas “viagens” de Eurípedes, que já reconheciam as características. Desprendia-se facilmente, deixando o corpo inerte, enquanto o seu espírito transportava-se para distâncias, permanecendo assim alguns minutos. Era no tempo da primeira grande guerra e, com horror, descrevia os combates que tinha testemunhado; outras vezes visitava doentes à distância, presença muitas vezes sentida e notada por alguns doentes. Muitas vezes assistia pessoas que se dirigiam à cidade, em busca de auxílio para algum doente e afirmava: “Volte, meu irmão, o enfermo acaba de desencarnar”, e era confirmado, posteriormente. Certa vez uma menina chamada Joana procurou aflita, Eurípedes, no Colégio, pedindo que atendesse sua mãe que estava muito mal. Ele colocando a mão sobre o seu ombro, e em tão carinhoso disse a ela: “Volte minha filha. Você é quem vai curar sua mãezinha com um passe.” Ela surpresa voltou correndo para casa, e lá chegando narrou o ocorrido ao pai que lhe disse: “O senhor Eurípedes não se engana; se ele acha que você pode, dê o passe na sua mãe.” A menina foi ao leito da mãe, estendeu as mãos sobre ela, e como previra Eurípedes, a doença desapareceu da sua mãe.

Não se sabe a data certa do início das atividades da Farmácia alopática, porém desde os primeiros tempos, assumindo proporções gigantescas, recebeu o apoio de sua mãe e do seu pai Mogico, bem como das irmãs Edirith e Eurídice, suas devotadas auxiliares na manipulação dos remédios. Eurípedes nunca se enganava em relação aos donos dos vidros de remédios. Ninguém recebia vidro trocado, na distribuição geral. Meca tratava dos curativos e às vezes onde punha a mão, a ferida logo sarava.
Era comum Eurípedes surpreender os pedidos urgentes altas horas da noite ou pela madrugada, com o remédio já pronto, que era entregue com a recomendação: “Vá depressa, meu amigo, a doença não espera.” O portador agradecia levando o medicamento, tendo a certeza de que Eurípedes estivera com os Mentores antes da sua chegada... Assistido por Bezerra de Menezes, Eurípedes atuava também como cirurgião e parteiro. Centenas de intervenções foram executadas com pleno êxito. Centenas de cartas, oriundas de todo o Brasil, trazendo comoventes pedidos de enfermos do corpo e do espírito. Em cada resposta, Eurípedes colocava receita com o remédio ou orientações do Dr. Bezerra, conforme as circunstâncias. A farmácia era totalmente gratuita, sendo a sua manutenção bastante dispendiosa pelo volume de atendimento e mantida pelos dois salários que auferia na escrituração de duas casas comerciais e a ajuda espontânea de confrades abastados, e quando os medicamentos escasseavam, algum dizia: “Logo não poderemos mais trabalhar... os remédios estão acabando.” Eurípedes com uma palavra de bom ânimo asseverava que a Dama de Branco, Entidade de Luz, anunciara que novos recursos não tardariam a chegar. Nas horas seguintes, a Farmácia recebia valores para novas compras.

Além de todas estas atividades, Eurípedes ainda foi vereador por dois triênios, exercendo cargos nas comissões de “Legislação e Finanças”, “Obras Públicas” e “Instrução Pública”, época em que a cidade recebeu os maiores benefícios, como: uma usina hidrelétrica para 400 kw. Uma ferrovia de 13 km, a canalização de água, o cemitério, o matadouro, e outros serviços. O pedido de afastamento de Eurípedes da Câmara foi em decorrência da prorrogação do mandato do Governador de Minas Gerais, Júlio Brandão, que Eurípedes entendeu como ilegal. Os demais vereadores não se conformavam com sua renúncia, mas ele não ficou nem mais um dia.

Jesus adverte, dizendo: “E vos acontecerá isto para testemunho.” Lucas cap.21: l3. Eurípedes fora intimado a comparecer no dia 22 de outubro de 1917, no Paço Municipal, a fim de prestar declarações no inquérito policial, aberto para avaliação das denúncias, como incurso nos crimes previstos nos Arts. 156 e 157 do Código Penal. A intimação chegara da parte do Delegado Especial Dr. Arnaldo Araripe, no momento em que Eurípedes, de valise na mão preparava-se para ir ver alguns doentes. Na hora indicada, ele compareceu ao local determinado pela autoridade. Compreendeu, logo, que não era o “charlatão” o visado, mas pura e simplesmente a Doutrina dos Espíritos. O interrogatório prosseguia, a hora avançava e só uma preocupação lhe assoberbava o espírito: os seus doentes; alguns em estado grave que lhe aguardavam a presença. Encerrado o interrogatório, Eurípedes se dirige ao Delegado humildemente: “Poderá V.Excia. conceder-me permissão para retirar-me?” – “O que vai o senhor fazer?”, pergunta o Delegado. – Eurípedes responde: “Vou ver meus doentes, senhor”. – Os comentários eram muitos. A cidade estarrecia-se ante a ignomia que alguns cérebros demoníacos lançavam contra Eurípedes, que vinha realizando uma missão de renúncia e Amor, há anos em favor de todos.

Alguns dias depois, Eurípedes informa aos auxiliares que Bezerra de Menezes acabara de anunciar que, grandes e brilhantes artigos de defesa, já estavam sendo editados. Os discípulos do Curso Superior do Colégio Allan Kardec haviam endereçado excelente matéria a jornais leigos e espíritas de várias cidades. Entrementes, alguns amigos de Eurípedes desejavam eliminar os autores da nefanda acusação, o que fez ele, chorando, dizer aos mais empedernidos nos intentos de represália: - “Por favor, meus irmãos! Os senhores fazem-me sofrer muito mais que meus acusadores. Serei a mais infeliz criatura, se um dos senhores tornar-se assassino por minha causa.” – Certa noite bateram à janela do seu quarto, como era o costume dos que pediam medicamentos. No instante em que ele se dispunha a atender, ouviu de Bezerra de Menezes, a advertência: “Não abra! Alguém está ai para matar você.” - De outra vez, noite alta, Eurípedes fora chamado a atender a uma parturiente. Enquanto se preparava, Bezerra lhe disse que na esquina da Câmara Municipal, esperavam-no dois indivíduos para eliminá-lo. Nada, porém, lhe acontecerá porque você tem o amparo do Alto. Eurípedes saiu e, ao passar pelo local divisou dois vultos e lhes dirigiu a palavra: “Boa noite, irmãos.” A saudação ligada à divina fonte de paz, atingiu aquelas pobres criaturas que responderam reverentes: “Boa-noite, Senhor Eurípedes.”

Durante algum tempo o processo corria de um Juiz para outro, porém eles se declaravam, por motivos vários, impossibilitados e renunciavam ao cargo. Enquanto isso a campanha difamatória não dava tréguas, pelos Boletins do Círculo Católico e pelas colunas do jornal “Lavoura e Comercio” da cidade de Uberaba, que atingiu os mais baixos níveis do jornalismo. A defesa de Eurípedes era feita pelo “Jornal do Triângulo”. Época de domínio clerical e sob coação intensa, as devoluções do jornal era imensa e também as ameaças de empastelamento do jornal. Certa manhã durante o receituário, viram-no chorar, e justificando suas lágrimas, disse: “Como sou pequenino, como sou insignificante; não mereço tanto carinho dos Espíritos. Sinto-me envergonhado diante de tantos benefícios que não mereço!”

Quase a entrada da farmácia havia um caramanchão de jasmins branco que aromatizavam o ambiente. Desde madrugada alta, Eurípedes permanecia entregue as preces, que dirigia ao Senhor dos Mundos. De repente, Eurípedes apresentou-se cambaleante e trêmulo junto da secretária, que já preparava as tarefas do dia. – Disse ele, com voz embargada por emoção: “D. Amália, a senhora não imagina qual Espírito se me apresentou no caramanchão sob o céu estrelado”. Vários nomes foram lembrados pela secretária. Os seus ouvidos receberam a mais surpreendente e maravilhosa revelação que lhe fora dado ouvir em toda a sua existência: “O Mestre, Jesus!” disse-lhe ele – Ela jamais pudera admitir a visita do Cristo a qualquer criatura encarnada. O impossível acabava de realizar-se. Sim, porque jamais ouvira uma mentira dos lábios de Eurípedes. Continuou ele dizendo: “O Mestre baixou os olhos cheios de luminosidade para o insignificante átomo (eu) caído a seus pés e disse-me: Meu filho, nada temas! Estamos com Deus, a vitória é nossa!” Após o domínio dessas emoções, eles davam continuidade aos serviços da farmácia.

O processo correra por mais de cinco juizes que se recusavam ao pronunciamento final. No dia 8 de maio de 1918, Eurípedes recebeu a notícia do próprio escrivão de que o processo voltava à cidade de origem, por falta de pronunciamento e por ter
prescrito, pelo Dr. Fernando de Mello Viana, juiz de Uberaba. De imediato, uma massa de cinco mil pessoas se reuniu em frente à residência de Eurípedes. A noite chegara e as comemorações culminaram com o enterro simbólico do processo. Encerrava-se assim, o triste episódio, como resposta ao Benfeitor que se identificara como o Senhor. Eurípedes era um verdadeiro espírita que assim definiu certa vez a Doutrina dos Espíritos, diante de seus algozes graduados representantes do Clero, em praça pública: “O Espiritismo é ciência e religião; é a mais perfeita e elevada das revelações que ao ser humano se lhe fizeram; é teísmo sublime.” E provou-o diante de todos, perante o auditório de dois mil ouvintes, derrotando o antagonista padre Feliciano Iaque, de Campinas-SP., que fora a Sacramento com muito fama de orador sacro, fazer calar para sempre o Espírita de Sacramento a quem chamava de louco.”

Eurípedes começa a preparar os corações dos amigos, falando que está próxima sua desencarnação. O segundo anúncio, D. Amália recolheu do próprio Eurípedes que lhe disse que ao tomar banho, viu-se todo de preto, na câmara mortuária, na sala de sua residência. Certa manhã ele dirigi-se à secretária dizendo: D.Amália prepare-se para anotar o que vou descrever: Vicente de Paulo está me convidando para uma excursão espiritual muito longa na companhia dele. Ele me toma as mãos e me diz: “Vamos filho, diga a D. Amália que não se preocupe.” – Caminhamos por uma estrada luminosa e continuamos andando. Avistamos uma árvore muito frondosa e caminhamos na sua direção... chegamos... a árvore abriga o viajante exausto que encontra conforto e descanso. Em cada folha há uma palavra escrita, como: Deus, Jesus, Amor, Paz, Justiça, Caridade, Trabalho, Tolerância, Devotamento, Renúncia,
Esperança, Compreensão, Trabalho. Essa árvore simboliza o Cristianismo puro porque consubstancia todos os princípios salvadores ensinados por Jesus. Vicente de Paulo convida-me a prosseguir na viagem e avisto uma escada que vai da Terra ao Infinito; digo infinito porque não diviso o fim. Chegamos à escada e começamos a subir...estamos subindo... Atingimos o topo da escada e Vicente afirma, quando colocamos o pé no último degrau: “Meu filho, está terminada a nossa missão na Terra. Este plano é uma mansão de Paz e Bem-aventurança; aqui é a morada daqueles que souberam bem desempenhar a sua tarefa de Amor, na Terra. É aqui que será sua morada, meu filho.” – O transe sonambúlico chegara ao fim. O calendário marcava 25 de abril de 1918.

Quando os jornais dos grandes centros anunciaram a grande e terrível epidemia de “gripe espanhola”, Eurípedes anuncia, mais uma vez, seu próximo desencarne. Ele orienta os ajudantes a providenciarem medidas para que nada faltassem as famílias, quando a epidemia chegasse à cidade. Dias após, um viajante hospedou-se no Hotel de D. Cândida, e doente, foi atendido por Eurípedes que fora chamado para assistir ao enfermo. Logo a família de D.Cãndida fora acometida da terrível enfermidade e a epidemia alastrou-se pela cidade e localidades vizinhas, inclusive a família de Eurípedes. Em meio ao trabalho, ele se dirige aos companheiros, dizendo: “Vai desencarnar uma pessoa em Sacramento, que terá um féretro muito concorrido. E como choram! Lágrimas... muitas lágrimas... O homem que vai desencarnar é pobre. O caixão é pobre, mas o morto é muito querido...” Naquele mesmo dia ele apareceu febril, e durante três dias, não abandonou o seu posto, junto aos enfermos. Em casa
todos notaram o seu abatimento e dos seus olhos corriam-lhe lágrimas sob a ardência da febre. D. Meca que estava também acamada, vai ao encontro do filho e insiste para conduzi-lo ao leito, ele porém lhe diz que não podia se deitar, deixando tantos doentes à mingua de recursos. Como sua mãe insistisse ele deita-se e mesmo assim continua atendendo ao receituário. Na manhã do dia 31 de outubro, ele anuncia a sua desencarnação para o dia seguinte, ás 6 horas da manhã. Realmente, naquele dia e hora, Eurípedes liberta-se dos laços físicos. Ao sepultamento, compareceu em massa a população da cidade, acrescida de centenas de pessoas de outras localidades, ocorrido as 17 horas do dia 1º de novembro de 1918. – “Glória eterna àquele, cuja virtude maior foi a de preservar até o fim a Missão de Amor, que o Cristo lhe confiou”. – Jornais de varias partes, noticiaram o desenlace de Eurípedes com fartura de dados sobre sua personalidade de Missionário e a lacuna deixada por ele.

Ele confirma essa continuidade missionária, na sua primeira mensagem, transmitida a Francisco Candido Xavier, em 30/04/1950, quando este se achava em Uberaba.

Vários livros foram escritos narrando a existência de Eurípedes Barsanulfo, inclusive o que tem o título: “Eurípedes, o homem e a missão”, de Corina Novelino, do qual me servi para montar esta resumida exposição, levando ao conhecimento de muitos, a excepcional evolução de espírito de que era possuidor Eurípedes.
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Ao nosso companheiro, de tantos méritos e evolução, nosso preito de sincera gratidão por todo o amor que demonstrou aos seus semelhantes mais necessitados e sofredores. Que Jesus o ampare e a nós também, insignificantes criaturas ainda sobre a Terra, lutando contras nossas próprias imperfeições, para podermos um dia chegar ao patamar onde se encontra esse nosso Querido Irmão...
Jurandy Castro

São Luis, 6/4/2011