segunda-feira, 30 de maio de 2011

EURÍPEDES BARSANULFO, O MISSIONÁRIO DA CARIDADE

EURIPEDES, O MISSIONÁRIO DA CARIDADE

Sacramento, majestoso e belo povoado mineiro, nascido entre colinas, num vale acolhedor, com seus calçadões de pedras, seus lampiões, suas ruas vermelhas de chão batido... o carro de boi com suas rodas cantando a melodia do trabalho! Banhado pelas águas do ribeirão Borá; seus parques naturais, ricos, cheios de pedras preciosas cobertos por águas claras, que atraiam bandeirantes desbravadores, que marcaram uma época. Porém, a riqueza maior ainda estava por aparecer, naquele rincão mineiro. Corria o ano de 1874 e, numa dessas tardes ensolaradas, a sala da casa modesta da família Pereira de Almeida, recebia o moço Hermógenes Ernesto de Araújo e seu pai Hermógenes Casimiro de Araújo. Hermógenes pai, vinha pedir a mão de Jerônima Pereira de Almeida (Meca), então com 14 anos de idade, para o seu filho ali presente. Passado algum tempo, chegara finalmente o dia tão esperado. Juntos ao altar-mor da Matriz da Freguesia do Patrocínio de Sacramento, aguardavam a bênção do pároco. Ambos ao se olharem, perceberam o magnetismo da afinidade, que os havia de irmanar por toda a existência.

Mais algum tempo passa, e a 1º de maio de 1880, nasce Eurípedes Barsanulfo, o terceiro filho do casal. Foi ele recebido nos braços carinhosos de Ludovina, grande amiga da família e desde muitos anos, parteira do povoado. Aos 4 anos, ele era uma criança comum com a ingenuidade própria da idade. Certa vez, ao ver outros meninos na via pública com alguns níqueis, ele desejou possuir uma moeda também, pois queria comprar um doce na venda. Os outros meninos lhe sugeriram: “Passe um caco de telha na pedra até ficar redondinho igual ao nosso e leve-o ao vendeiro e compre o docinho...” Os meninos se afastaram sorrindo enquanto ele passou a burilar o pedaço de telha. Em seguida foi à venda e entregou o seu “dinheiro” ao dono da quitanda que sorriu e deu-lhe um doce. Eurípedes ficou exultante, porque havia comprado doce como os outros meninos e já sabia fazer dinheiro.

Meca, sua mãe, fazia uma camisolinha de tecido grosso, tal como era o costume, acrescentando um bolsinho, onde o menino guardava um pedaço de pele de porco e um pedaço de rapadura. O menino chupava, chupava a pele e lambia a rapadura e guardava-a de novo. Essa operação durava o dia inteiro e dava para enganar a fome. As dificuldades eram uma constante na vida do casal, agravadas com o aumento da família e a enfermidade da mãe. Eles sofriam com paciência, aguardando melhores dias. Desde pequeno, Eurípedes demonstrou grande interesse pelos enfermos. Vivia à volta de pessoas sofredoras, a quem oferecia as alegrias naturais da idade.

A seu pedido, o pai encaminhou-o para a escola primaria, onde o menino aprendeu a ler e a contar rapidamente. Depois que ele aprendeu nunca mais deixou a companhia dos livros. Mogico, seu pai, recebera a proposta de gerenciar uma casa comercial, na estação de Cipó a poucos quilômetros de Sacramento; porém naquele lugarejo não havia escola. Eurípedes prosseguiu seus estudos com o pai, que, nas horas vagas, transmitia-lhe lições de Aritmética e Língua Portuguesa. Quando o trem apitava próximo da estação, o menino preparava-se para carregar as malas dos viajantes que desciam ou embarcavam no trem. A preocupação do menino era ganhar dinheiro e assim conseguiu comprar as primeiras calças que usou. Depois disso, passou a guardar todo o dinheiro que ganhava, numa velha meia. Quando juntou um bom número de moedas ele entregou à sua mãe, dizendo alegremente: “Guarde, mãe, para o dia em que a senhora não tiver pão em casa”. As lágrimas da mãe banharam a face do filho querido; era o primeiro de muitos testemunhos de renúncia que aquela alma daria existência afora... Eurípedes fora acometido de maleita, muito comum nas épocas posteriores às chuvas. Logo depois, Mogico, seu pai, apareceu com beri-beri e ele pensou no retorno para Sacramento. Cipó era bom para ganhar dinheiro, porém era foco de doenças e a família não devia ser exposta a esse perigo. Assim, depois de dois anos e meio de permanência na estação ferroviária, a família regressou a Sacramento. Nessa época, Euripedes já estava com nove anos, e na volta ao povoado á saúde retornou-lhe.

Corria o ano de 1889 e inaugura-se em Sacramento uma fase nova para a população estudantil; instala-se na cidade o “Colégio Miranda”. Mogico levou Eurípedes para esse colégio e como ele já havia feito as “primeiras letras” foi encaminhado para a classe adiantada, correspondente ao ginásio, tornando-se assistente dos professores, como monitor, onde iniciou atividades pedagógicas, que o levariam a posição de destaque no magistério de Sacramento. Eurípedes enquadrado como aluno adiantado transmitia aos condiscípulos lições metodizadas da Língua Portuguesa, Francês e Matemática, disciplinas que ensinava com discernimento e entusiasmo. Em casa, ele tomara a si tarefa de cuidar da educação dos irmãos. Por suas qualidades, os mestres colocaram-no num plano de visível preferência. Jamais confiaram a outro aluno a honra de conduzir o Pavilhão Nacional nas festas cívicas que participava o colégio e também lhe confiaram à honrosa incumbência de ser o orador oficial, em todas as solenidades. Desse modo, o Colégio Miranda deu a Eurípedes excelente bagagem intelectual, onde aprendeu o Francês; o Latim; aperfeiçoou a Língua Portuguesa e as Ciências Naturais, com a dissecação de animais e o estudo das plantas. O nome de Eurípedes está profundamente ligado à história educacional de Sacramento de 1889 a 1918, quer como aluno brilhante, quer como professor no Colégio Miranda.

Algum tempo depois, o pai de Eurípedes fora informado de que deveria providenciar um Colégio para o seu filho, onde ele pudesse realizar o curso superior, para cujo ingresso já se achava preparado. Ao enfatizar suas qualidades, o Prof. Miranda disse: “Nada mais temos para ensinar a Eurípedes. Ele já aprendeu tudo o que nosso colégio pode oferecer”. No princípio de 1902, o pai do jovem resolveu levá-lo para o Rio de Janeiro, com o duplo objetivo de encaminhá-lo no estudo superior e na obtenção de um emprego. Pai e filho seguiram para a capital do país, onde conseguiram matricula no Curso Preparatório para a Escola de Medicina da Marinha. Desde pequeno ele tinha o desejo de ingressar numa escola superior onde pudesse adquirir conhecimentos e prática, no campo da Medicina, por esse motivo folheava os livros, coordenando conceitos, coligindo dados, adquirindo novos conhecimentos. Certa vez dissera à sua mãe: “Não descansarei, mãe, enquanto não encontrar um caminho para debelar o seu mal, que tanto a aflige; enquanto eu não curar a senhora”.

Assim, ele buscava os meios, para livrar os padecimentos da sua adorada mãe,
inclusive, os da religião. Cumpria com devoção os deveres religiosos, jamais se esquecendo do rosário e do missal nos ofícios. Nesse entusiasmo, dispunha as coisas necessárias que usaria no longo estágio que faria no Rio de Janeiro. Na véspera da viagem, quando sua mãe arrumava a mala, foi acometida de uma das crises que tanto preocupavam particularmente, a Eurípedes. Sentira ele de imediato o motivo do sofrimento da mãe querida; era a tristeza da separação próxima. Quando Meca voltou às faculdades normais, encontrou a mala do filho desfeita. Eurípedes nunca mais tocou no assunto da viagem... Em 1897, o senhor Ormênio que era entusiasta pelo estudo da homeopatia trouxera alguns livros relacionados com essa terapêutica. Eurípedes logo se interessou pelo assunto e obteve o consentimento dele para efetuar um estudo nos mencionados livros. O grande objetivo desse empenho era a cura da sua mãe. Quem sabe a Homeopatia era a solução há tanto esperada? Com os próprios recursos, criou uma pequena farmácia homeopática, que atendia aos necessitados da periferia, aos quais visitava cotidianamente. A personalidade do jovem já se impunha pela serena compreensão das fraquezas humanas, que o tornaria anos após no inconfundível Missionário do Bem. A 31 de janeiro de 1902, fundava-se o Liceu Sacramentano, sob o calor do entusiasmo e das esperanças do povo. Eurípedes fora o abalizado construtor da iniciativa.

O jovem professor, mesmo antes de conhecer as luzes da Doutrina dos Espíritos, já agasalhava na fonte sublime do sentimento, guiando-se por elevada compreensão dos problemas do Espírito. Na fazenda Santa Maria, localizada a quatorze quilômetros de Sacramento, residiam alguns familiares de Eurípedes, e entre estes estavam Mariano da Cunha (Tio Sinhô) como era chamado na intimidade, e João Ferreira Cunha, irmão de Meca, pelo lado materno. Nos fins do século passado, insólitos fenômenos começaram a abalar a paz da gente ordeira de Santa Maria. Estranhas vozes se ouviam dos telhados das casas. Assobios e pedras partiam de vários lugares. Tio Sinhô buscara Frederico Peiró para socorrê-los naquela aflitiva emergência. Feitas as primeiras sessões, os fenômenos cessaram. Todos ficaram sabendo que as ocorrências tiveram cunho providencial e que Santa Mátria era um foco de médiuns. Assim, tiveram início as tarefas espíritas de Santa Maria que se estenderam por toda a região, no curso de anos de labores santificantes. A notícia dos serviços espirituais de Santa Maria chegara a grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, e o Centro Espírita “Fé e Amor”, já criado, recebia grande número de visitantes.

Eurípedes desde a meninice, era muito zeloso, exercendo as funções de “coroinha” nos rituais da Paróquia local. Como co-fundador da irmandade de São Vicente de Paulo, esteve por alguns anos no cargo de secretário dessa congregação. Um episódio marcante veio abrir novos horizontes, no entendimento espiritual de Eurípedes. Corria o ano de 1903. Eurípedes saíra em visita ao padre Pedro e encontrara o padre Augusto Teodoro da Rocha Maia, que após alguns minutos de conversa, apresentou-lhe um livro e, em tom confidencial, disse ao jovem: “Eurípedes, sei que você é católico fervoroso e amigo das boas leituras. Você vai ler este livro, mas cuidado! – Não o passe adiante. A leitura desse livro é proibida pela Igreja Católica aos seus adeptos”. O sacerdote passa às mãos de Eurípedes, um exemplar da Bíblia. Um brilho de interesse iluminou os olhos do adolescente. Ao passar pela residência do Sr. Leão Almeida, este ao observar o livro que Eurípedes carregava, exclamou: “Olha Eurípedes, só lhe falta agora a batina! Logo teremos padre novo na terra!”

Antes, observara tantos desconsolados da vida, baixarem à tumba sem os prometidos reconfortos da promessa divina... Não compreendia ainda como o Cristo – Sábio e Misericordioso – prometera consolações para pobrezinhos sem eira nem beira, os que foram injustiçados em todos os tempos. Com a mente cheia de pontos reticentes, procurou o padre Augusto para um esclarecimento direto dos assuntos. Colocou o padre a par das suas dúvidas. “Padre, no que se refere à extraordinária beleza das expressões do Senhor, não entendo é até onde vai o pensamento do Mestre, no que diz respeito às promessas que não se realizam...” O Padre lhe respondeu: “Não diga isso, meu filho. Sempre há um motivo oculto, um mistério no ensino cristão, que não devemos e nem podemos penetrar. Compreendes Eurípedes?” – Em face da impossibilidade de prosseguir, abaixara a cabeça. Evidentemente tais considerações não satisfizeram ao espírito analista do jovem. Despedira-se cordialmente do bom conselheiro, mas trazia cravado no espírito os primeiros sentimentos de dúvida. Com esses pensamentos Eurípedes alcançara a loja do pai ansioso por iniciar a leitura. Tudo o que conhecia dos Evangelhos resumia-se nos ensinos que os padres lhe ministravam. O jovem começou a leitura pelo Novo Testamento. Leu paciente e com fervor crescente todos os capítulos e versículos dos Evangelhos. Fez anotações, que lhe serviriam para futuros roteiros. Permanecia o Sermão da Montanha como obstáculo maior para a compreensão da palavra divina... Achava-se sob o domínio da dúvida.

Nessa época, Mariano da Cunha fazia viagens periódicas à Sacramento e hospedava-se na casa da irmã Meca, fato que se constituía em motivo de alegria para Eurípedes. Muito amigo de seu tio, o moço pedia à mãe que ele queria dormir no quarto dele. Nessas ocasiões, Eurípedes mantinha polêmicas com o tio a respeito da nova Doutrina que existia em Santa Maria. Não entendia como pessoas tão honestas e equilibradas, apesar de incultas como o tio Sinhô, madrinha Sana e outros tios, empenhavam-se tanto na difusão daquela Doutrina que outras pessoas diziam ser do demônio... As discussões repetiam-se entre tio e sobrinho, às vezes até altas horas da noite. Eurípedes, com invejável cultura adquirida na leitura de todos os dias, apresentava argumentos brilhantes, enquanto seu tio, homem rude do campo, com poucos conhecimentos da Doutrina, muitas vezes ficava em silêncio, à falta de argumentação segura. Em 1903, tio Sinhô visita a família de Meca e, como sempre, Eurípedes recebe-o com sincera alegria. À noite, como de costume, o moço inicia a conversa: - “Como é, tio Sinhô, as sessões continuam?” – Nada mudou e o trabalho cresce, porque a dor aumenta cada dia, respondeu o tio. As primeiras investidas do sobrinho mostrou-se tranqüilo; ele viera armado, sob a inspiração do Alto. Naquela noite, Eurípedes esforçava-se por envolver o tio nas malhas da sua argumentação. Quando o sobrinho terminou, tio Sinhô retirou do bolso um livro e lhe coloca nas mãos, dizendo: “O que não posso explicar a você, esse livro vai fazer por mim”. – Eurípedes abriu o livro e na primeira página era uma dedicatória de amor – o filósofo francês Leon Denis – para entidades benfeitoras que o haviam inspirado na confecção do livro. O tio cansado acomodara-se para dormir, enquanto o sobrinho começara a leitura. O tio acordara, algumas vezes, e o sobrinho continuava a ler.

Ao clarear do novo dia, o moço brindou o coração do bom Mariano Cunha com alegre exclamação: - “Muito obrigado, meu tio! Isto é um monumento!” – Eurípedes confessava-se plenamente empolgado com a lógica convincente do autor; trezentas e trinta e quatro páginas repletas de interesse. O livro tinha o título: “Depois da Morte”. Horas depois, Eurípedes procurou a sua mãe e avisou-a de que passaria a manhã no alto da cidade – seu retiro predileto. As horas passam e o jovem continua a leitura página a página. As orientações caem-lhe no espírito ávido com naturalidade sem os atropelos da dúvida. A segunda parte do livro arranca-lhe lágrimas de emoção. Jamais sentira a alta significação do Amor e da Sabedoria de Deus. Jamais tinha visto alguém cantar as glórias da Criação com tamanha profundidade e beleza. Quando ele desceu o morro verdejante, ele revivia os primeiros arrebatamentos que a literatura espírita lhe proporcionava e que se repetiriam no futuro.

Desse dia em diante, sentia, cada vez mais forte, a sede de novos conhecimentos sobre o Espiritismo. O tio Sinhô fazia chegar até ele o reduzido material de propaganda da Doutrina Espírita, então existente. Profundamente abalado nas suas convicções católicas, e, leal à sinceridade de seu Espírito, restringiu sua presença na Igreja a poucos ofícios. Já não era mais o assíduo freqüentador dos cultos religiosos e o fato começava a despertar apreensões no seio da sua família e do clero... Eurípedes ia às quintas-feiras a Conquista para efetuar a escrituração da casa comercial do seu pai. Lá encontrava com freqüência sua madrinha Sana para pequenas compras e para se avistar com o afilhado. Eurípedes indagava: “Então madrinha, como vão ás almas do outro mundo?” – Ela respondia: “Você precisa assistir às nossas reuniões, meu filho. Os Espíritos estão explicando o Evangelho, fazendo todos chorar como nos tempos de Jesus”. Ele então prometeu aparecer um dia em Santa Maria para ver de perto.

Na sexta-feira da Paixão do ano de 1904, Euripedes convida seu amigo José Martins Borges para irem ambos assistir a uma sessão espírita, em Santa Maria. Para não causar preocupações aos pais, ele saíra na véspera para as tarefas de escriturário, e avisou à mãe que só voltaria no dia seguinte à noite. Eles chegaram a Santa Maria, com o objetivo de observar tudo ao vivo. Entraram no recinto, respeitosos. Os trabalhos já tinham se iniciado, sendo lido um trecho do Evangelho. Ali se achava o Aristides, seu conhecido, com um coração de ouro, mas com um cérebro vazio. Um pensamento vibrava-lhe na mente e resolve então fazer o seu pedido mentalmente. O meu entendimento está fechado para as Bem-aventuranças. Sendo verdade que os
Espíritos se comunicam, rogo a João Evangelista elucidar-me pelo médium Aristides.
Alguns minutos depois, Eurípedes ouvia a mais “extraordinária dissertação filosófica e doutrinária, que jamais conhecera, em toda sua existência, sobre o Sermão da Montanha”, por intermédio do intérprete solicitado. Impossível atribuir a Aristides, semi-analfabeto, aquela linguagem sublime, onde o magnetismo da eloqüência empolgava até às lágrimas, os que se encontravam presentes. Ao final da luminosa exposição, a Entidade assinala sua identidade com o selo vibrante de fraterna saudação: “Paz ! João, o Evangelista”. – Eurípedes compreendia, finalmente, o mais perfeito código de consolações que ao mundo fora dado receber, desde Jesus.

Seguro das verdades, que a Doutrina Espírita lhe projetara no Espírito, Eurípedes não havia ainda deixado a Igreja, embora a deserção gradativa se fizesse sentir. Ele estimava a oportunidade de voltar ao núcleo espírita, onde fora tocado no mais fundo de seu Espírito, dias atrás. Após alguns dias, Eurípedes retorna ao grupo fraterno de Santa Maria, e pela segunda vez assistiria a uma sessão espírita. Tio Sinhô funcionava como médium de recepção e transmite inicialmente a palavra serena e orientadora de Adolfo Bezerra de Menezes que o convida a tomar parte na corrente vibratória, afirmando suas faculdades curadoras. Seguindo-se a Bezerra de Menezes, fala o benfeitor Vicente de Paulo que após saudação, dirige-se a Eurípedes, lembrando que ele era presidente de uma congregação religiosa que trazia o seu nome – Vicente de Paulo, e o adverte que a Igreja a que Eurípedes servia, com zelo e desprendimento, há séculos, não comportava mais o Espírito do Cristo. Ao término da mensagem, Vicente de Paulo confia ao moço uma revelação de alto sentido emocional para Eurípedes: Era o seu guia espiritual, desde o berço... E o Benfeitor acrescentou: “Abandone, sem pesar e sem mágua, o seu cargo na congregação. Convido-o a criar outra instituição, cuja base será o Cristo e cujo diretor espiritual será eu e você o comandante material. Afaste-se de vez da Igreja. Meu filho, as portas de Sacramento vão fechar-se para você. Os amigos afastar-se-ão; a própria família revoltar-se-á. Mas, não se importe. Proclame a Verdade. Porque, a partir desta hora, as responsabilidades de seu Espírito se ampliaram ilimitadamente.” E concluiu o luminoso guia: “Você atravessará a rua da amargura, com os amigos a ridicularizarem uma atitude que não podem compreender.” – Eurípedes volta à cidade com o coração banhado de claridades novas e sublimes resoluções.

O primeiro ato de coragem, no retorno à cidade fora cortar os laços que o prendiam à Irmandade São Vicente de Paulo. Os membros da congregação receberam com espanto a sua decisão. Rogaram a ele uma explicação para sua surpreendente conduta. Eurípedes atendeu-os, narrando com simplicidade os acontecimentos, que lhe marcaram novos rumos para a sua existência. Os antigos companheiros exclamavam: - Você está louco! O Espiritismo é uma fábrica de loucos, e você agora é um deles. – Eurípedes replicava dizendo: - Bendita loucura, que tem o discernimento necessário para distinguir o erro da Verdade. Para trocar o engodo pela realidade do Espírito. – Então, reúnem-se o Bispo de Uberaba e os elementos do Clero da região, mas todos os esforços caem por terra. Nada abala as novas convicções de Eurípedes. O padre Augusto Teodoro da Rocha Maia, sentindo-se culpado, por haver contribuído para as novas idéias – através do empréstimo da Bíblia – é envolvido por entidades das trevas sofrendo uma possessão que é utilizada pela Igreja para sensibilizar o moço a renunciar aos novos ideais. Eurípedes sentiu o fato e orou pelo excelente amigo, mas permaneceu firme nos seus propósitos novos.

Enquanto a família consangüínea de Euripedes se fechava, envolvida por terrível incompreensão, que se expressavam por revolta, os amigos murmuravam à sua passagem: - O Professor está louco! – Os companheiros de magistério, no Liceu Sacramentano, abandonaram seus cargos. A elevada postura de Eurípedes, entretanto, permitia-lhe vôos a regiões celestes, que o distanciavam dos lugares comuns e de situações desagradáveis. Eurípedes Barsanulfo começara a observar-se fora do corpo físico, em admirável desdobramento, quando certa noite, viu a si próprio em prodigioso desdobramento. Embora surpreso, era arrastado pela vontade de alguém num envolvimento de amor, e subia, subia... Foi subindo sempre, queria parar e descer, reavendo o veículo carnal, mas não conseguia. Braços intangíveis levavam-no nessa sublime excursão. Respirava outro ambiente, sentia-se leve e viajou, à maneira de pássaro teleguiado até que se reconheceu em campina verdejante. Reparava na formosa paisagem quando avistou ao longe um homem que meditava, envolvido por uma luz. Como que hipnotizado pelo desconhecido, aproximou-se, porém estacou logo adiante trêmulo. Algo lhe dizia no íntimo para não avançar mais... num deslumbramento de júbilo, reconheceu-se na presença do Cristo. Baixou a cabeça, pela honra imprevista e ficou em silêncio, sentindo-se como um intruso, incapaz de voltar ou seguir adiante. Recordou as lições do Cristianismo, e a mensagem d’Ele a ecoar entre os homens, no curso dos séculos... Ofuscado pela grandeza do momento, começou a chorar; grossas lágrimas banhavam-lhe o rosto, e adquirindo coragem ergueu os olhos e viu que Jesus também chorava... Por ver-lhe o pranto desejou confortar o Amigo Celeste... Afagar-lhe as mãos ou estirar-se à maneira de um cão leal aos seus pés... Mas estava como que chumbado ao chão... Nessa linha de pensamento, não se conteve e abrindo a boca falou suplicante: “Senhor, por que choras?” – O interpelado não respondeu. Mas desejando certificar-se de que era ouvido Eurípedes reiterou: “Senhor, choras pelos descrentes do mundo?” – Notou que o Cristo lhe correspondia agora ao olhar; e após um instante, respondeu com voz dulcíssima: “Não, meu filho, não sofro pelos descrentes aos quais devemos amar. Choro por todos os que conhecem o Evangelho, mas não o praticam...” – Eurípedes não sabia descrever o que se passou então ante a dor que a resposta lhe trouxera, desceu, desceu... E voltou a acordar no corpo físico. Era madrugada e não mais conseguiu dormir. E desde aquele dia, sem comunicar a ninguém a divina revelação que lhe vibrava na consciência, se entregou aos necessitados e aos doentes, sem repouso sequer de um dia, servindo até à morte.

Sentindo-se desapontado em toda parte, ele buscava os campos próximos da cidade, favorecido pelo silêncio da Natureza, com o Evangelho Segundo o Espiritismo à mão e lia, muitas vezes, as lições em voz alta, como se quisesse fixar detidamente em si mesmo, as luzes do Cristianismo Redivivo, enquanto sua mãe sofria o assédio de espíritos inferiores, que procuravam por todos os meios destruir a obra da Verdade em Sacramento. Os companheiros de Santa Maria cientes do que se passava e orientados pelo Alto, conduziram Eurípedes e Meca para uma temporada de refazimento, em ambiente apropriado, propiciando á ambos á sustentação necessária aos grandes e importantes trabalhos a serem desempenhados. Os novos trabalhos realizados por Eurípedes atraiam numerosas pessoas, em busca do socorro amigo, que as mãos do jovem proporcionavam a todos, gratuitamente. Ele se preocupava com o alvoroço que as pessoas traziam ao lar paterno, principalmente sua mãe enferma e informou-lhes do plano de se mudar para outro local, o que realizou, abrindo suas portas à multidão de aflitos, que suas curas pela homeopatia fazia.

Certo dia, sua mãe vai até a residência do filho e logo vai falando ao que viera: - “Meu filho, seu pai manda pedir-lhe que queime esses livros espíritas, porque ele não quer filho doido”. – “Meu pai conhece o que é o Espiritismo”, pergunta Eurípedes. Meca não disse nada e continuou: “Dou-lhe apenas o recado do seu pai, pois sabemos que isso é arte do demônio”. O filho acerca-se de Meca e todo carinhoso, lhe transmite as consolações que a Doutrina oferece. Ela ouvia o filho com enlevo e admiração que a levara a modificar convicções. E aquela mulher corajosa, horas depois, chega-se ao marido e confia-lhe tocada se sublime determinação, a grande notícia: - “Mogico, agora eu sou espírita...” Anos depois, toda a família se convertera à Terceira Revelação, sob a benéfica influência de Eurípides. Meca tornou-se a mais devotada colaboradora do filho, colocando em atividade suas faculdades curadoras.
Na residência de Eurípedes, fundou-se o Grupo Espírita Esperança e Caridade, a 27 de janeiro de 1905, sob a orientação de Eurípedes, e nessa ocasião se manifestam os mentores Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio e Vicente de Paulo que reafirma sua colaboração, na direção dos serviços espirituais de curas e prática mediúnica. Nos dois anos iniciais, numerosos colaboradores apoiaram Eurípedes e as tarefas ampliaram-se em todas as áreas de serviço. No setor de passes destacava-se o potencial magnético de dona Meca, e era tão grande a fonte de forças dela que Eurípedes chegou a declarar algumas vezes que “sua mãe era possuidora de um magnetismo curador superior ao dele”.

Eurípedes foi procurado por muitos pais, que lhe rogaram a continuidade das aulas. Após um rápido estudo, ficara combinado o aluguel de uma sala no antigo Colégio da prof. Ana Borges. Na porta modesta lia-se: Liceu Sacramentano. O currículo era o mesmo, mas com a debandada dos colegas, ele desdobrava-se para ministrar as aulas com todas as matérias em todas as classes, e acrescentara ainda o ensino da Doutrina dos Espíritos, o que fez pais católicos ameaçarem de retirar seus filhos. O professor respondeu: “Que retirem os filhos, mas a finalidade salvadora do aprendizado espírita será mantida”. Em virtude disso, muitos pais cancelaram a matrícula dos filhos. Um dia ele se entristeceu profundamente. Achava-se abandonado no vazio da sala de aula. Pusera-se a chorar, no silêncio de ardorosa prece. Imediatamente sentiu vontade de escrever, enquanto todo o seu ser banhava-se em magnetismo suave, de fluidez radiosa desconhecida. Eis que uma força superior toma-lhe o braço e, transmite pequena mensagem, mais ou menos nestes termos: “Não feche às portas da escola. Apague da tabuleta a denominação “Liceu Sacramentano” - que é um resquício de orgulho. Em substituição coloque o nome: Colégio Allan Kardec. Ensine
o Evangelho de meu filho às quartas-feiras e institua um curso de Astronomia. Acobertarei o Colégio, sob o manto do meu Amor.” Após a mensagem ela coloca o selo da sua identidade: Maria, serva do Senhor. Essa manifestação se dera a 31 de janeiro de 1907, e Eurípedes seguiu a risca as instruções da sublime Mãe de Jesus.

Tem início em Sacramento, a maior campanha educacional até então. Antigos alunos reintegram-se ao novo educandário e mais de duas centenas de outros estudantes são encaminhados ao Colégio Allan Kardec. No início, o Colégio Allan Kardec funcionava na pequena sala alugada que já não comportava todos os alunos. Eurípedes então providenciou a derrubada de algumas paredes da sua casa formando um salão amplo para o Colégio e restaram ainda três cômodos. Nessa época ele recebia doentes para tratamento dando-lhes ali a assistência e a hospitalidade. Seus alunos eram designados para a vigilância dos enfermos, alternando-se no exercício de enfermeiros improvisados. Por essa época Bezerra de Menezes pede a ele que volte para o lar paterno, onde ambos pudessem iniciar a tarefa da farmácia, no que foi atendido. Conforme recomendação, as quartas-feiras eram consagradas ao estudo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e o “O Livro dos Espíritos”, que eram assistidas pelos alunos e numerosos visitantes. O Curso de Astronomia, como os demais, levava os alunos, através da sensibilidade elevada do professor, à compreensão da Obra Divina, penetrando-lhe a profunda Beleza.

Eram numerosos os desdobramento de Eurípedes, semelhantes ao de Antônio de
Pádua, que propiciavam aos sofredores a assistência dele, nos processos de bi-locação visível e tangível. Os alunos estavam tão familiarizados com essas “viagens” de Eurípedes, que já reconheciam as características. Desprendia-se facilmente, deixando o corpo inerte, enquanto o seu espírito transportava-se para distâncias, permanecendo assim alguns minutos. Era no tempo da primeira grande guerra e, com horror, descrevia os combates que tinha testemunhado; outras vezes visitava doentes à distância, presença muitas vezes sentida e notada por alguns doentes. Muitas vezes assistia pessoas que se dirigiam à cidade, em busca de auxílio para algum doente e afirmava: “Volte, meu irmão, o enfermo acaba de desencarnar”, e era confirmado, posteriormente. Certa vez uma menina chamada Joana procurou aflita, Eurípedes, no Colégio, pedindo que atendesse sua mãe que estava muito mal. Ele colocando a mão sobre o seu ombro, e em tão carinhoso disse a ela: “Volte minha filha. Você é quem vai curar sua mãezinha com um passe.” Ela surpresa voltou correndo para casa, e lá chegando narrou o ocorrido ao pai que lhe disse: “O senhor Eurípedes não se engana; se ele acha que você pode, dê o passe na sua mãe.” A menina foi ao leito da mãe, estendeu as mãos sobre ela, e como previra Eurípedes, a doença desapareceu da sua mãe.

Não se sabe a data certa do início das atividades da Farmácia alopática, porém desde os primeiros tempos, assumindo proporções gigantescas, recebeu o apoio de sua mãe e do seu pai Mogico, bem como das irmãs Edirith e Eurídice, suas devotadas auxiliares na manipulação dos remédios. Eurípedes nunca se enganava em relação aos donos dos vidros de remédios. Ninguém recebia vidro trocado, na distribuição geral. Meca tratava dos curativos e às vezes onde punha a mão, a ferida logo sarava.
Era comum Eurípedes surpreender os pedidos urgentes altas horas da noite ou pela madrugada, com o remédio já pronto, que era entregue com a recomendação: “Vá depressa, meu amigo, a doença não espera.” O portador agradecia levando o medicamento, tendo a certeza de que Eurípedes estivera com os Mentores antes da sua chegada... Assistido por Bezerra de Menezes, Eurípedes atuava também como cirurgião e parteiro. Centenas de intervenções foram executadas com pleno êxito. Centenas de cartas, oriundas de todo o Brasil, trazendo comoventes pedidos de enfermos do corpo e do espírito. Em cada resposta, Eurípedes colocava receita com o remédio ou orientações do Dr. Bezerra, conforme as circunstâncias. A farmácia era totalmente gratuita, sendo a sua manutenção bastante dispendiosa pelo volume de atendimento e mantida pelos dois salários que auferia na escrituração de duas casas comerciais e a ajuda espontânea de confrades abastados, e quando os medicamentos escasseavam, algum dizia: “Logo não poderemos mais trabalhar... os remédios estão acabando.” Eurípedes com uma palavra de bom ânimo asseverava que a Dama de Branco, Entidade de Luz, anunciara que novos recursos não tardariam a chegar. Nas horas seguintes, a Farmácia recebia valores para novas compras.

Além de todas estas atividades, Eurípedes ainda foi vereador por dois triênios, exercendo cargos nas comissões de “Legislação e Finanças”, “Obras Públicas” e “Instrução Pública”, época em que a cidade recebeu os maiores benefícios, como: uma usina hidrelétrica para 400 kw. Uma ferrovia de 13 km, a canalização de água, o cemitério, o matadouro, e outros serviços. O pedido de afastamento de Eurípedes da Câmara foi em decorrência da prorrogação do mandato do Governador de Minas Gerais, Júlio Brandão, que Eurípedes entendeu como ilegal. Os demais vereadores não se conformavam com sua renúncia, mas ele não ficou nem mais um dia.

Jesus adverte, dizendo: “E vos acontecerá isto para testemunho.” Lucas cap.21: l3. Eurípedes fora intimado a comparecer no dia 22 de outubro de 1917, no Paço Municipal, a fim de prestar declarações no inquérito policial, aberto para avaliação das denúncias, como incurso nos crimes previstos nos Arts. 156 e 157 do Código Penal. A intimação chegara da parte do Delegado Especial Dr. Arnaldo Araripe, no momento em que Eurípedes, de valise na mão preparava-se para ir ver alguns doentes. Na hora indicada, ele compareceu ao local determinado pela autoridade. Compreendeu, logo, que não era o “charlatão” o visado, mas pura e simplesmente a Doutrina dos Espíritos. O interrogatório prosseguia, a hora avançava e só uma preocupação lhe assoberbava o espírito: os seus doentes; alguns em estado grave que lhe aguardavam a presença. Encerrado o interrogatório, Eurípedes se dirige ao Delegado humildemente: “Poderá V.Excia. conceder-me permissão para retirar-me?” – “O que vai o senhor fazer?”, pergunta o Delegado. – Eurípedes responde: “Vou ver meus doentes, senhor”. – Os comentários eram muitos. A cidade estarrecia-se ante a ignomia que alguns cérebros demoníacos lançavam contra Eurípedes, que vinha realizando uma missão de renúncia e Amor, há anos em favor de todos.

Alguns dias depois, Eurípedes informa aos auxiliares que Bezerra de Menezes acabara de anunciar que, grandes e brilhantes artigos de defesa, já estavam sendo editados. Os discípulos do Curso Superior do Colégio Allan Kardec haviam endereçado excelente matéria a jornais leigos e espíritas de várias cidades. Entrementes, alguns amigos de Eurípedes desejavam eliminar os autores da nefanda acusação, o que fez ele, chorando, dizer aos mais empedernidos nos intentos de represália: - “Por favor, meus irmãos! Os senhores fazem-me sofrer muito mais que meus acusadores. Serei a mais infeliz criatura, se um dos senhores tornar-se assassino por minha causa.” – Certa noite bateram à janela do seu quarto, como era o costume dos que pediam medicamentos. No instante em que ele se dispunha a atender, ouviu de Bezerra de Menezes, a advertência: “Não abra! Alguém está ai para matar você.” - De outra vez, noite alta, Eurípedes fora chamado a atender a uma parturiente. Enquanto se preparava, Bezerra lhe disse que na esquina da Câmara Municipal, esperavam-no dois indivíduos para eliminá-lo. Nada, porém, lhe acontecerá porque você tem o amparo do Alto. Eurípedes saiu e, ao passar pelo local divisou dois vultos e lhes dirigiu a palavra: “Boa noite, irmãos.” A saudação ligada à divina fonte de paz, atingiu aquelas pobres criaturas que responderam reverentes: “Boa-noite, Senhor Eurípedes.”

Durante algum tempo o processo corria de um Juiz para outro, porém eles se declaravam, por motivos vários, impossibilitados e renunciavam ao cargo. Enquanto isso a campanha difamatória não dava tréguas, pelos Boletins do Círculo Católico e pelas colunas do jornal “Lavoura e Comercio” da cidade de Uberaba, que atingiu os mais baixos níveis do jornalismo. A defesa de Eurípedes era feita pelo “Jornal do Triângulo”. Época de domínio clerical e sob coação intensa, as devoluções do jornal era imensa e também as ameaças de empastelamento do jornal. Certa manhã durante o receituário, viram-no chorar, e justificando suas lágrimas, disse: “Como sou pequenino, como sou insignificante; não mereço tanto carinho dos Espíritos. Sinto-me envergonhado diante de tantos benefícios que não mereço!”

Quase a entrada da farmácia havia um caramanchão de jasmins branco que aromatizavam o ambiente. Desde madrugada alta, Eurípedes permanecia entregue as preces, que dirigia ao Senhor dos Mundos. De repente, Eurípedes apresentou-se cambaleante e trêmulo junto da secretária, que já preparava as tarefas do dia. – Disse ele, com voz embargada por emoção: “D. Amália, a senhora não imagina qual Espírito se me apresentou no caramanchão sob o céu estrelado”. Vários nomes foram lembrados pela secretária. Os seus ouvidos receberam a mais surpreendente e maravilhosa revelação que lhe fora dado ouvir em toda a sua existência: “O Mestre, Jesus!” disse-lhe ele – Ela jamais pudera admitir a visita do Cristo a qualquer criatura encarnada. O impossível acabava de realizar-se. Sim, porque jamais ouvira uma mentira dos lábios de Eurípedes. Continuou ele dizendo: “O Mestre baixou os olhos cheios de luminosidade para o insignificante átomo (eu) caído a seus pés e disse-me: Meu filho, nada temas! Estamos com Deus, a vitória é nossa!” Após o domínio dessas emoções, eles davam continuidade aos serviços da farmácia.

O processo correra por mais de cinco juizes que se recusavam ao pronunciamento final. No dia 8 de maio de 1918, Eurípedes recebeu a notícia do próprio escrivão de que o processo voltava à cidade de origem, por falta de pronunciamento e por ter
prescrito, pelo Dr. Fernando de Mello Viana, juiz de Uberaba. De imediato, uma massa de cinco mil pessoas se reuniu em frente à residência de Eurípedes. A noite chegara e as comemorações culminaram com o enterro simbólico do processo. Encerrava-se assim, o triste episódio, como resposta ao Benfeitor que se identificara como o Senhor. Eurípedes era um verdadeiro espírita que assim definiu certa vez a Doutrina dos Espíritos, diante de seus algozes graduados representantes do Clero, em praça pública: “O Espiritismo é ciência e religião; é a mais perfeita e elevada das revelações que ao ser humano se lhe fizeram; é teísmo sublime.” E provou-o diante de todos, perante o auditório de dois mil ouvintes, derrotando o antagonista padre Feliciano Iaque, de Campinas-SP., que fora a Sacramento com muito fama de orador sacro, fazer calar para sempre o Espírita de Sacramento a quem chamava de louco.”

Eurípedes começa a preparar os corações dos amigos, falando que está próxima sua desencarnação. O segundo anúncio, D. Amália recolheu do próprio Eurípedes que lhe disse que ao tomar banho, viu-se todo de preto, na câmara mortuária, na sala de sua residência. Certa manhã ele dirigi-se à secretária dizendo: D.Amália prepare-se para anotar o que vou descrever: Vicente de Paulo está me convidando para uma excursão espiritual muito longa na companhia dele. Ele me toma as mãos e me diz: “Vamos filho, diga a D. Amália que não se preocupe.” – Caminhamos por uma estrada luminosa e continuamos andando. Avistamos uma árvore muito frondosa e caminhamos na sua direção... chegamos... a árvore abriga o viajante exausto que encontra conforto e descanso. Em cada folha há uma palavra escrita, como: Deus, Jesus, Amor, Paz, Justiça, Caridade, Trabalho, Tolerância, Devotamento, Renúncia,
Esperança, Compreensão, Trabalho. Essa árvore simboliza o Cristianismo puro porque consubstancia todos os princípios salvadores ensinados por Jesus. Vicente de Paulo convida-me a prosseguir na viagem e avisto uma escada que vai da Terra ao Infinito; digo infinito porque não diviso o fim. Chegamos à escada e começamos a subir...estamos subindo... Atingimos o topo da escada e Vicente afirma, quando colocamos o pé no último degrau: “Meu filho, está terminada a nossa missão na Terra. Este plano é uma mansão de Paz e Bem-aventurança; aqui é a morada daqueles que souberam bem desempenhar a sua tarefa de Amor, na Terra. É aqui que será sua morada, meu filho.” – O transe sonambúlico chegara ao fim. O calendário marcava 25 de abril de 1918.

Quando os jornais dos grandes centros anunciaram a grande e terrível epidemia de “gripe espanhola”, Eurípedes anuncia, mais uma vez, seu próximo desencarne. Ele orienta os ajudantes a providenciarem medidas para que nada faltassem as famílias, quando a epidemia chegasse à cidade. Dias após, um viajante hospedou-se no Hotel de D. Cândida, e doente, foi atendido por Eurípedes que fora chamado para assistir ao enfermo. Logo a família de D.Cãndida fora acometida da terrível enfermidade e a epidemia alastrou-se pela cidade e localidades vizinhas, inclusive a família de Eurípedes. Em meio ao trabalho, ele se dirige aos companheiros, dizendo: “Vai desencarnar uma pessoa em Sacramento, que terá um féretro muito concorrido. E como choram! Lágrimas... muitas lágrimas... O homem que vai desencarnar é pobre. O caixão é pobre, mas o morto é muito querido...” Naquele mesmo dia ele apareceu febril, e durante três dias, não abandonou o seu posto, junto aos enfermos. Em casa
todos notaram o seu abatimento e dos seus olhos corriam-lhe lágrimas sob a ardência da febre. D. Meca que estava também acamada, vai ao encontro do filho e insiste para conduzi-lo ao leito, ele porém lhe diz que não podia se deitar, deixando tantos doentes à mingua de recursos. Como sua mãe insistisse ele deita-se e mesmo assim continua atendendo ao receituário. Na manhã do dia 31 de outubro, ele anuncia a sua desencarnação para o dia seguinte, ás 6 horas da manhã. Realmente, naquele dia e hora, Eurípedes liberta-se dos laços físicos. Ao sepultamento, compareceu em massa a população da cidade, acrescida de centenas de pessoas de outras localidades, ocorrido as 17 horas do dia 1º de novembro de 1918. – “Glória eterna àquele, cuja virtude maior foi a de preservar até o fim a Missão de Amor, que o Cristo lhe confiou”. – Jornais de varias partes, noticiaram o desenlace de Eurípedes com fartura de dados sobre sua personalidade de Missionário e a lacuna deixada por ele.

Ele confirma essa continuidade missionária, na sua primeira mensagem, transmitida a Francisco Candido Xavier, em 30/04/1950, quando este se achava em Uberaba.

Vários livros foram escritos narrando a existência de Eurípedes Barsanulfo, inclusive o que tem o título: “Eurípedes, o homem e a missão”, de Corina Novelino, do qual me servi para montar esta resumida exposição, levando ao conhecimento de muitos, a excepcional evolução de espírito de que era possuidor Eurípedes.
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Ao nosso companheiro, de tantos méritos e evolução, nosso preito de sincera gratidão por todo o amor que demonstrou aos seus semelhantes mais necessitados e sofredores. Que Jesus o ampare e a nós também, insignificantes criaturas ainda sobre a Terra, lutando contras nossas próprias imperfeições, para podermos um dia chegar ao patamar onde se encontra esse nosso Querido Irmão...
Jurandy Castro

São Luis, 6/4/2011

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