domingo, 22 de agosto de 2010

TEMPOS NARCISISTAS

TEMPOS NARCISISTAS

“Implantes e cirurgias plásticas, cosméticos e ginásticas modeladoras do corpo, tornam as pessoas, seres coisificados para o comércio da ilusão e do gozo insano, transformando-as.

Desde há trezentos anos, mais ou menos, com o surgimento das doutrinas liberais, do iluminismo, do cientificismo, do modernismo, a sociedade humana lentamente vem abandonando a fraternidade decantada na Revolução Francesa de l789, para assumir uma identidade egoísta e narcisista.

Ante as indiscutíveis conquistas da cultura, da ciência, da tecnologia, desenha-se, lentamente, o individualismo a desserviço da comunidade, trabalhando uma vivência antropocêntrica, toda ela baseada nos interesses pessoais, ficando à margem, aqueles que podem beneficiar todo o organismo social.

Nos dias atuais, o distanciamento que se apresenta entre as pessoas leva-os a situações inquietantes, avançando no rumo de problemas graves de comportamento. Preocupados com as imposições do mercado consumista, os valores éticos lentamente cedem lugar àqueles de natureza imediata, que resultam em poder e em prazer, como se a existência não tivesse outro objetivo, com total esquecimento da temporiedade do corpo físico, das transformações que nele se operam a todo instante e da sua desintegração rumando para a morte. . .

A busca dos recursos para o exibicionismo confundido com felicidade vem induzindo à sociedade mórbida, ao abuso dos usos, à aparência física em detrimento da realidade interior, tornando-se metas principais da existência, a conquista da beleza exterior e da sua preservação, através dos recursos em disponibilidade. Assim, implantes e cirurgias plásticas, cosméticos e ginásticas modeladoras do corpo ideal, tornam os indivíduos seres, coisificados para o comércio da ilusão e do gozo insano.

Há doentia demanda pela autopromoção com esquecimento significativo da reflexão, da beleza interior, da harmonia, que são fatores básicos para a real conquista do bem-estar. A propaganda bem direcionada e exploradora inibe os sentimentos elevados que são substituídos pela ânsia de consumo, descartando-se o de ontem pela aquisição daquilo que é de hoje, mesmo sabendo-se que logo mais estará igualmente ultrapassado.

Não importam as emoções superiores, que se tornam frias, indiferentes ao que acontece com o próximo, desde que não lhe cause imediato problema ou mesmo preocupação, como se o incêndio na casa vizinha não lhe ameaçasse o próprio lar de ser consumido pelas mesmas chamas.

Essa cultura doentia vem dando lugar ao desespero dos desafortunados, que se servem da violência e tomam pela força, aquilo que lhes é negado pelo dever de
humanidade, ampliando-se os quadros da agressividade e do ressentimento em proporções preocupantes. Dessa maneira, aumenta o exorbitante abuso do gozar e do poder, diminuindo o respeito pela vida e todas as suas expressões, dando lugar ao convulsionado comportamento da competitividade insana.

Tudo é rápido, no tempo sem tempo, sem oportunidade de apreciação, de análise, de vivência aprazível do que se consegue. A cooperação, o sentido de união e a fraternidade vão desaparecendo, manifestando-se apenas quando resultam benefícios imediatos para aqueles que lhes são afins. Tem-se a sensação de que o amor empobreceu e se transformou em expressão de consumo, permutando-se os sentimentos mascarados enquanto vigem os proveitos. A falta, porém, do amor no ser humano, torna-se grave problema existencial que o conduz ao desespero mesmo que silencioso, ao sofrimento desnecessário, que poderiam ser resolvidos no aproximar-se uns dos outros com objetivos destituídos de interesses.

O narcisismo é prática anti-social, que degenera em corrupção moral e insensibilidade emocional. Preocupado somente com a sua imagem, o narcisista opera segundo as manipulações que lhe ofereçam resultados lucrativos, elogios e aplausos ilusórios. Dominadas pelo capitalismo perverso, as criaturas são educadas para usufruir ao máximo, trabalhando em favor do individualismo que se sobrepõe às mais avançadas técnicas proporcionadas de uma existência feliz para o ser humano.

As empresas, insensíveis aos seus servidores, visam apenas o lucro, atendendo aos impositivos legais, longe, no entanto, da retribuição verdadeira àqueles que fazem parte de seu organismo social. Seus executivos pensam apenas no crescimento e nas rendas da entidade, sendo vítimas, periodicamente, dos conflitos econômicos e das oscilações das ações nas bolsas de valores em ascensão e quedas freqüentes.

O objetivo real da existência é proporcionar ao Espírito o desenvolvimento dos recursos divinos nele inseridos e adormecidos, que são capazes de guindá-lo a real alegria e à saúde integral. Olvidando-se esse sentido existencial, o tempo é gasto no acumular do poder e no usufruir dos prazeres, alcançando patamares de insatisfação e perda de significado psicológico, esquecendo-se da própria realidade da existência. Essa perda de identidade pessoal, de assimilação ao então conceituado, é mais profunda do que parece na superfície, em face do desgaste emocional do que se é interiormente e daquilo que se deve apresentar por fora.

Em face desse consumismo narcisista, houve uma perda inevitável da realidade, em virtude das imposições do tempo, que devem estar adstritas aos jogos interesseiros. Onde predomina, porém, o egoísmo, desfalece o sentimento de humanidade. Vivendo-se artificialmente, o tédio e o desespero dão-se as mãos e saem em busca da harmonia e da confiança perdida, do amor, ou derrubam as suas vítimas nos poços profundos da alucinação.
É necessário reverter-se esse quadro infeliz, conforme já vêm ocorrendo em alguns setores científicos e culturais, inclusive na medicina que já recomenda o amor como a mais saudável terapia preventiva e curadora, em relação aos diversos males da sociedade antropocêntrica. Lentamente se torna necessária a volta à consideração das coisas simples e puras da existência, aos relacionamentos humanos, à contemplação da beleza das paisagens, às considerações em relação à Natureza e à sua preservação.

Descrentes e ignorantes do significado do amor, porque é confundido com o desejo e o sexo, os indivíduos redescobrem a fraternidade, a compaixão, a solidariedade, e ressurgem os sentimento afetivos vitalizando as débeis forças que se consumiram no tráfico das paixões servis. A compreensão, portanto, da fragilidade orgânica, das mudanças que se operam em todos os sentidos enquanto se encontra o Espírito no corpo físico, faculta uma visão diferenciada do narcisismo e nasce o desejo de repartir, compartir, solidarizar-se.

Quem elege a solidão, candidata-se ao abandono; quando se escolhe a solidariedade, encontra-se o íntimo feliz e algumas vezes o gesto de retribuição.

Dizem que o sentido do amor desapareceu por falta de correspondência, por traição e infâmia, por falta de vitalidade. A alegação é falsa, porque destituída de significado. Mesmo que alguém não retribua o afeto ou o degrade, isso não significa a fraqueza do seu conteúdo, mas a debilidade moral do indivíduo. O amor é dinâmico e realizador. Caso alguém o desrespeite ou lhe traia a confiança, ele permanece intocável, à semelhança da luz solar que beija o pântano e a pétala da rosa, mantendo-se integral, inatingível.

É inegável que o narcisismo deve ceder lugar, na cultura do futuro; nesse vai-e-vem que se desenha para o porvir, sendo trocado pela fraternidade que vigorará nas mentes e nos corações, como passo inicial para a plenitude do amor, que tanta falta faz à civilização hodierna. . .”




Bibliografia:
Livro “Atitudes Renovadas”
Joanna de Angelis
Psicografia de Divaldo Franco
+ Pequenas modificações.


Jc.
S.Luis, 12/8/2010