sábado, 5 de fevereiro de 2011

OS ESPÍRITAS E A ALTERIDADE

OS ESPÍRITAS E A ALTERIDADE

Embora pouco conhecido, o vocabulário “alteridade” tem sido bastante empregado pelos trabalhadores da Espiritualidade, em suas mensagens e orientações aos encarnados, em especial, aqueles que se reuniram em torno de uma proposta visando de modo mais concreto, ao despertar e à conscientização das lideranças espíritas, para um melhor posicionamento do quadro preocupante de distanciamento do Movimento Espírita, e dos valores simples e profundos que caracterizaram o Cristianismo Primitivo. A terceira edição atualizada do dicionário Aurélio, define a palavra “alteridade” como sendo o “estado de qualidade de que é outro, distinto, diferente”. Consiste no estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes; a arte de conviver bem com a diferença do qual o próximo é portador”.

No Congresso Espírita Brasileiro que aconteceu em outubro de 1999, foi dado destaque ao Movimento Espírita que teve seu marco inicial nos compromissos de unificação estabelecidos no Pacto Áureo de 1949. Foi verificado na visão dos trabalhadores da Espiritualidade que o movimento de unificação edificou relevantes conquistas no curso dos últimos 50 anos. O mencionado congresso reuniu as lideranças do Movimento Espírita nacional, real e sinceramente comprometidas com os ideais da Codificação, muito embora a diversidade das percepções individuais, das diferenças regionais e culturais que pudessem criar controvérsias ocasionais, se constituíram no grande mérito do conclave por ter germinado ali “o embrião das novas e saudáveis construções do futuro, no campo da unificação”. Entretanto, os companheiros da espiritualidade chamam a atenção para uma série de ocorrências, por eles testemunhadas nos interregnos da comemoração, que deixou evidente o quanto ainda temos de trabalhar para conquistarmos posturas mais evangélicas e vigilantes, a fim de nos relacionarmos com o devido respeito diante da multiplicidade das opiniões. Ditas ocorrências se constituíram em “comentários, indisposições vibratória na convivência, mágoas, discursos vaidosos, lisonjas e dissimulações próprias das pessoas invigilantes...” Note-se que no congresso estavam reunidas as lideranças do Movimento Espírita nacional... Assim também, essas ocorrências lamentáveis são rotineiras no dia a dia das nossas Casas Espíritas.

Por que, em detrimento do conhecimento adquirido, ainda nutrimos sentimentos e manifestações tão destrutivas e desagregadoras? - Poderíamos dizer que o Movimento Espírita carece de Alteridade. Analisando o problema com o apoio das obras espíritas verificamos que o Movimento Espírita padece de duas mazelas, comuns a todos nós, que precisam ser combatidas, que são: o orgulho e o personalismo com a ausência de afeto. A propósito do orgulho, Maria Modesto, trabalhadora da Espiritualidade, costuma dizer que “os espíritas estão muito orgulhosos da humildade que imaginam possuir”.

Aqueles que buscam auxílio na Casa Espírita são, em geral, assistidos, orientados amparados, consolados. Embora meritória essas práticas, cumpre nos interrogarmos com severidade: qual o sentimento que nos impulsiona nessas ações? A compaixão que nos permite sentir o sofrimento do outro e nos impele a abraçar a sua causa, ou adotamos a postura daquele que já detém algum conhecimento e orienta e ajuda sem descer do seu nível ”superior”? – Se a segunda premissa foi o móvel das nossas ações, aí está o orgulho! – Nas palestras, cursos e exposições que fazemos como nos situamos diante dos eventuais elogios e manifestações agradecidas? Se a vaidade se apresenta, lá está o orgulho que precisa ser trabalhado no íntimo para ser extinto. Até mesmo quando nos rotulamos de tímidos, e deixamos de atuar e participar, a fim de não ficarmos em evidência, revelamos mais uma faceta do nosso orgulho; aquela que não deixa que nos exponhamos devido ao medo de sermos criticados. . .

O personalismo, igualmente, está presente toda vez que, inadvertidamente, adotamos atitude de intransigência e intolerância; quando nos colocamos como donos da verdade ou simplesmente desmerecemos a opinião ou as idéias de outras pessoas que, para o personalista, é visto como um concorrente. O indivíduo tem, então, visível dificuldade de trabalhar em equipe; não permite a troca de experiências com o outro; tem dificuldade de cultivar amizades sinceras, assim como não sabe ser solidário e companheiro. O orgulho e o personalismo bloqueiam sua capacidade afetiva. Essas duas mazelas – o orgulho e o personalismo – criam uma série de bloqueios capaz de enclausurar o ser e dificultar o relacionamento com os seus semelhantes.

Em trabalho de pesquisa e análise sobre o tema, Cairbar Schutel, na Espiritualidade, mostra com clareza que a trajetória da maioria daqueles que hoje trabalham nas frentes espíritas, está indelevelmente marcada por reencarnações sucessivas, no curso dos últimos 20 séculos, nas diversas religiões comprometidas com a mensagem do Evangelho, falhando, também sucessivamente, em decorrência do orgulho e do personalismo ao longo de tantas lutas. Prosseguindo, afirma ele: “segundo as conclusões de sábios psicólogos celestes, o maior obstáculo íntimo, para almas com esse perfil, seria a indisposição para o contato comunitário, o que levou a incitar o serviço de unificação, como medida apropriada para que a lição da convivência, em comunidade, pudessem ser aprendida e desenvolvida, considerando outros compromissos maiores no futuro”.

Em alguns aspectos, a ética da alteridade vem deixando a desejar e poderá, inclusive, resvalar por atalhos como acontece com a decantada “reforma íntima”, que acaba sendo uma prescrição para os outros e não para nós mesmos, ou então, acaba transformando-se em uma tentativa “obsessiva” de melhora, a qual, por ausência de preparo e de condições morais, não atinge os patamares que nós mesmos estimamos. O grande desafio da alteridade está na convivência dos diversos movimentos, entidades, instituições e correntes de igual teor, pois pelo exercício do livre-arbítrio, desenvolvem-se teorias e fundamentos, idéias e opiniões nem sempre homogêneas ou similares. Assim, o que importa, em essência, é a aceitação de determinados princípios básicos espíritas e, a partir daí, o que cada pessoa ou grupo faz com tal conhecimento, passa a ser de inteira responsabilidade do mesmo, sem a necessária concordância absoluta em todos os pontos.

Na Doutrina dos Espíritos, não há hierarquia e isto importa como conseqüência que “qualquer pessoa pode considerar-se espírita pela aceitação de sua filosofia e, principalmente, por sua prática de amor em relação ao seu semelhante”. Então, se estamos concordes quanto à existência de Deus, a imortalidade do Espírito, a pluralidade das existências sucessivas e dos mundos habitados, todos nós somos espíritas, ou não? É preciso algo mais para que sejamos considerados assim?

Ser alteritário não é “fechar os olhos” para o que acontece ao nosso redor, nem baixar a cabeça para desmandos e arbitrariedade, nem aceitar a violência, principalmente a coação moral, a ameaça e a dissimulação. Desse modo, sempre que nos sintamos agredidos ou que presenciemos a violência, é nosso dever denunciá-la e manifestar nosso descontentamento público. Isto não importará em “quebra de respeito” ou em atitude “anti-fraternal”, nem tampouco em redução no nível “vibratório”. Todos nós temos defeitos e isto não deve impedir de apontar aquilo que nos pareça negativo em relação à ordem espiritual, aquela que estabelece a igualdade plena em direitos e deveres perante o Criador. Se temos “telhado de vidro”, e o temos de verdade, não importa o que os outros possam dizer de nós, de nossas atitudes, de nossas atividades. Será até bem salutar que alguém possa apontar nossos equívocos e comprometimentos, para que possamos refletir recompor e prosseguir. A alteridade representa, pois, a relação pacífica e respeitosa em relação ao próximo, no respeito às diferenças, em termos de idéias, entendendo que o outro é diferente de nós e exerce o seu direito de “ser diferente”.

Assumir responsabilidades tem sido motivo de afastamento de muitas pessoas das lides religiosas, principalmente na seara espírita, não só para não se expor como também por ser caracterizado como um trabalho voluntário, onde todos indistintamente, sentem-se chamados a uma participação ativa. O voluntário, por muito tempo, foi visto como um “turista”, que agia sem regularidade ou assiduidade; que estaria fazendo um favor ao vir dar uma “mãozinha” e que voltava às suas atividades habituais, certo de que havia desempenhado sua cota de “caridade”.

A Doutrina Espírita reformulou esses conceitos quando nos chama a uma participação responsável, a uma conduta operante e a uma assiduidade que tornará a tarefa passível de ser realizada com êxito. O estar no mundo se traduz por uma responsabilidade pessoal, familiar e social; mas o Espiritismo nos convida ainda a uma participação ativa na Casa Espírita, onde podemos estudar trabalhar e assumir tarefas, observando o fim útil de estarmos visando ao nosso retorno à pátria espiritual, em melhores condições íntimas do que quando aqui chegamos. O trabalhador da Casa Espírita precisa estar consciente de que sua participação nas atividades da Casa não será uma realização apenas em proveito do outro, mas principalmente em seu próprio benefício. Nela começa o seu aprendizado de
doação, humildade, troca de idéias, renúncia, qualificação e evolução; que pode encaminhar os tarefeiros às atividades mais específicas e até aos cargos de dirigentes da própria Casa que freqüenta. O dirigente de uma Casa Espírita é sempre visto como aquele que tem a responsabilidade maior, e que por isso, tem que assumir todas as falhas e cobrir a irresponsabilidade de possíveis dirigentes e tarefeiros da Casa. Isso assusta e afasta outras pessoas de compartilhar do trabalho e de se preparar e substituir o dirigente. O movimento espírita ouve e repete com freqüência: São poucos os tarefeiros e a Seara é muito grande. – O servidor que amadurece moral e espiritualmente, vai percebendo que é exatamente nos momentos mais difíceis que ele precisa do labor, da auto-superação, que as escapatórias ou fugas só multiplicarão as amarguras e adiarão os compromissos e as genuínas soluções. Lutas, dissabores, cansaço, desânimo não podem impedir o tarefeiro ou o dirigente ou torná-lo vacilante perante a tarefa abraçada. Disciplina, abnegação, fé, boa-vontade, instrução e prece farão de todos, os trabalhadores escolhidos e comprometidos com a causa do Mestre Amado.

É importante que nos conscientizemos que é missão dos espíritas, divulgarem as palavras consoladoras, não só para os espíritas, mas para todas as pessoas. Se atentarmos à seguinte frase contida no texto “Missão dos Espíritas”; “Certamente falareis com pessoas que não quererão ouvir a palavra de Deus”, o espírito de Erasto certamente não estava se referindo aos que freqüentam a Casa Espírita. Sendo assim, concluímos que nossa missão vai além do que hoje estamos fazendo. Precisamos fazer a divulgação de nossa Doutrina de acordo com as nossas possibilidades. Se Jesus e Kardec foram audaciosos, plantando em terreno hostil, sendo maltratados, criticados e ultrajados; por que nós espírita devemos tranqüilos, continuar sendo levados ao sabor do vento calmo? – Por tudo isso, é importante sabermos que, para fazer parte do grupo que divulga a Doutrina dos Espíritos, além das quatro paredes do Centro Espírita, é preciso que o espírita tenha algumas especiais qualidades: a) Seja um conhecedor da Doutrina Espírita; b) Seja espírita praticante; c) Não forçar as pessoas tentando fazer proselitismo; d) respeitar as demais instituições religiosas sérias; e) Não entrar em polêmicas inúteis; f) Agir sempre com brandura e bom senso. - Encontrar pessoas que reúnam todas as qualidades mencionadas não é impossível, mas também não é fácil. A tendência natural é que acatam essa missão, os espíritas que mais usam as palavras do que os atos; o ideal, entretanto, seria para essa tarefa, os espíritas que mais valorizam os atos do que as palavras, porquanto o exemplo vale mais que as palavras.

Joana de Angelis reforça a necessidade de levarmos aos outros lugares, a essência da Doutrina, dizendo: “Cabem neste momento graves compromissos que não podem e nem devem ser postergados”. Essa educadora espiritual passa-nos os quatro procedimentos que cabem aos espíritas: 1- Proclamar a Era Nova; 2- Demonstrar a existência de mundo de causa e efeito; 3- Demonstrar a anterioridade do Espírito ao corpo; 4- Demonstrar os incomparáveis recursos saudáveis decorrentes da conduta correta, dos pensamentos edificantes e da ação do bem. E nos alerta ainda dizendo que esses procedimentos devem ser executados pelos espíritas conscientes das suas responsabilidades – aqueles que se equivocaram em outras encarnações e que agora recomeçam em condições melhores. “Ide e pregai a palavra divina. É chegada á hora em que deveis sacrificar, em favor da sua divulgação, o comodismo e as ocupações fúteis. Ide e pregai o Evangelho: os Espíritos Superiores estão convosco”, pois sois os trabalhadores da Última Hora. Alteridade torna-se necessária para a nossa missão, disse Erasto, e segundo Joana de Angelis, temos que assumir nossos compromissos. Sejamos espíritas audaciosos, levando além das quatro paredes, as palavras consoladoras de nossa Doutrina...


Jc.
S.Luis, 30/01/2009

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