quarta-feira, 30 de maio de 2018

AUTISMO, FAMÍLIA E O COTIDIANO...





 
Era uma vez um meninozinho, de olhos castanhos, igual a tantos outros que vivia no seu mundo de faz de conta. Silêncio! Até o dia em que anunciaram aos seus pais que todas essas coisas que as crianças normais fazem, ele dificilmente conseguiria fazer... Passado o temor inicial, “pais, por favor, muito amor”, avisou o dedicado doutor. E assim aconteceu. Que outra função tem o amor?
Os pais acolheram o meninozinho, cativando-lhe desejos simples. O meninozinho então cresceu silencioso e respeitado, sem sofrer os golpes contra os quais é inútil lutar. Pois no autismo uma das soluções nunca tem a ver com cura, mas sim com o fato de que na casa de um autista tudo mundo é convocado a aprender um modo diferente de ver e perceber o mundo. E é justamente aqui que se abre a esperança nos entes queridos.
Pais e familiares de uma criança altista estão diariamente expostos a testes e desafios, que geram impactos abruptos, ou às vezes dolorosos, no destino familiar, principalmente porque são convocados a conviver com um transtorno global de desenvolvimento que a todos afeta inevitavelmente no ambiente doméstico. Estudos e literatura diversa que tratam do autismo apontam que para os pais, o nascimento de um filho autista é uma experiência difícil, marcada pela angústia da descoberta de que o filho desejado é, na realidade, um filho autista. Ou seja, com o choque da notícia do diagnóstico, os pais vivenciam a dor da perda do filho idealizado e, ao mesmo tempo, são chamados gradualmente a entender e ajustar-se ao nascimento de um filho diferente.
À medida que uma criança autista será autista enquanto viver, depois de um período de luto (simbólico), dor e perplexidades, o envolvimento da família no geral adquire uma condição determinante: os pais se tornam parceiros na existência da criança autista. Indiscutivelmente, o autismo gera crises e desequilíbrios  na dinâmica familiar. Reivindica aceitação, adaptação e cooperação por parte de todos os membros da casa em relação à criança autista. Na realidade, caso consideremos a família como um sistema, aquelas com maior  amor antes da criança autista nascer,  inclinam-se  a responder
melhor à nova demanda imposta pelo autismo do que outras famílias. Por isso, e com frequência, a ocorrência de divórcios ou de famílias que se desarticulam em face das dificuldades de sua criança autista. Além disso, pais que cuidam de um filho autista relatam muitas memórias associadas à solidão e à exclusão social.
Em vez de ilusão ou desesperança, pais que se informam, buscam apoio social e se unem na divisão dos cuidados e são mais capazes de nutrir esperanças e, em consequência, fazer investimentos no desenvolvimento do filho autista a fim de que ele possa, no futuro, tornar-se uma pessoa mais autônoma possível. Assim, começaram a levá-lo ao médico quando ele tinha dois anos. Fizeram testes fonoaudiólogos que deram negativo. Aí nos indicaram a doutora Tárcia, psiquiatra, que se dispôs a nos ajudar. Ela havia desenvolvido um protocolo próprio para cuidar de pacientes como o nosso filho e tinha casos de sucesso já catalogados.
Nessa época, já com quatro anos, ele começou a tomar o remédio  Carbamazepina e neuleptil (um anticonvulsionante e um ansiolítico). O fato é que a doutora nos deu muita segurança por ter um plano muito seguro. Ela sabia para onde estava conduzindo o tratamento dele e foi, assim, descrevendo antecipadamente as fases por que ele iria passar e as conquistas paulatinas que alcançaria. E assim foi que os prognósticos se mostravam sempre positivos, pois tinham  por base outras crianças nas mesmas condições, que haviam amadurecido emocional e fisicamente, com os medicamentos. Nos laudos dados por ela, nunca fechou o diagnóstico, deixando-o inconcluso, para não haver rotulamento precoce, com consequências negativas.
Aos seis anos ele começou a falar, embora com dificuldade. Esse atraso global de desenvolvimento, conforme aprendemos lendo sobre o assunto, foi aos poucos sendo vencido. O mais interessante foi que ele criou, ao vivo, todas as noções de convivência com o mundo exterior – físico e humano. Por isso ele perguntava se era para rir de alguma situação que ele não sabia distinguir, se eram “risíveis”, entre outros exemplos.
Sofremos desde cedo o isolamento, pois sair com ele ou tentar frequentar eventos era sinônimo de preocupação e cuidados,
quase sempre insuficientes para controlá-lo. Com o isolamento passamos a nos fechar em casa para cuidar dele. Ele não sentia dor quando se machucava, conseguia andar descalço  na rua, pulava o portão e fugia e não aceitava o colo de ninguém a não ser que fosse a sua mãe. Desde os primeiros anos de escola, a orientação da doutora Tárcia foi que a escola seria, principalmente, um espaço de convivência, de socialização, que ele não poderia ficar obrigado a ir e, se não conseguisse, que ficasse apenas parte do tempo das aulas. Assim aconteceu por alguns anos, e no quinto ano, por ter se afeiçoado à professora, ele passou a ficar o tempo todo nas aulas; antes íamos buscá-lo depois do intervalo.
O seu processo de amadurecimento, conforme os prognósticos da doutora Tárcia, tem se cumprido, pouco a pouco. Ela vaticinou que ele chegará à Universidade, tal como outras crianças sob seus cuidados. Ao fazer 16 anos, ele está no 9º ano e é um dos melhores alunos da sala, e conseguiu fazer laços de amizade com colegas e professores. Ele tem poucos amigos fora do círculo familiar, pois não gosta de sair; ele se diz um “coelho” e o que lhe interessa mais é ficar na sua “toca”. Ele tem questionado a razão de ser obrigado a frequentar a reunião que fazemos do “Evangelho no Lar”, conforme a prática tradicional das famílias espíritas.  A internet e o jogo têm um papel muito importante para ele. A conselho da médica que afirmara que o jogo ajudaria a amadurecer em muitos aspectos, lhe fomos permitindo, aos poucos, que ele tivesse acesso a eles no computador e nos consoles. Hoje ele é um entendido em jogos, principalmente da Nintendo.
Pela sua afinidade com a tecnologia, pretendemos torná-lo um profissional  nessa área. Temos trabalhado para que ele alcance autonomia mais ampla e possa, se desejar no futuro, morar  só. No momento diz que não sairá de casa e que cuidará de sua mãe. Sempre buscamos fazê-lo variar suas ocupações de lazer, fazendo-o revezar entre jogar, assistir séries ou desenhos ou desenhar e brincar. Até hoje ainda cuidamos dele, embora não inspire mais os cuidados como antes.
Aconselhamos os pais que possuem filho autista a nunca perder a esperança, pois há muitos meios terapêuticos, hoje, a disposição mesmo que não haja muitos recursos financeiros. Outro é não acreditarem em  “tratamentos milagrosos”, pois  a
cura dos males físicos e emocionais é, em grande parte, devida ao “amor em família”, as orações com muita fé e a boa convivência ao longo dos anos.
Felizes e abençoados por Deus, são os pais que recebem os filhos que necessitam de cuidados especiais, os amparando,  os assistindo e ainda, os encaminhando para uma existência difícil, porém de carinho, caridade, amor e evolução para os envolvidos nesse processo.
Para maiores esclarecimentos sobre o autismo, uma fonte indicada é a Associação de Amigos do Autista:  www.ama.org.br

Fonte:
Jornal “O Imortal” – maio/2018
Artigo de Eugênia Pickina
+ Modificações e acréscimos

Jc.
São Luís, 18/5/2018

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