A
revista “Isto É”, publica em seu nº 2520, uma entrevista feita com o ex-senador
Pedro Simon, a respeito da prisão do cidadão Luiz Inácio da Silva, pela justiça
brasileira. Ele que foi senador da república por 32 anos, participou de alguns
capítulos da história do Brasil, diz que optou por não se candidatar mais, hoje
com 88 anos e aposentado, deu essa entrevista a André Vargas.
Ele
acredita como velho tribuno que foi, que podemos estar diante de um ponto de
virada na construção de um consenso em substituição ao “toma lá dá cá” até
então existente, e uma melhora nas instituições jurídicas do país.
Isto
É: - Para onde vai o
Brasil após o julgamento do STF?
Pedro
Simon: -
Deus estava do nosso lado. Se a decisão fosse inversa, seria criada uma
situação incontrolável. A Lava Jato terminaria e os presos com bons advogados,
seriam soltos e mantida a expectativa de que a impunidade garantiria o futuro
de qualquer vigarista. Essa última sessão do STF vai ficar na história. Duas
mulheres salvaram o Supremo da desonra total: A presidente Carmem Lúcia, que
marcou para votar essa questão em vez daquela que o quarteto queria, e a
ministra Rosa Weber, que deu o seu voto decisivo. Todos que tinham dúvidas
descobriram que qualquer um pode ir para a cadeia. Esse é o início de uma
perspectiva de que o Brasil pode mudar para melhor.
Isto
É: - Antes a justiça
era mais parcial?
Pedro
Simon: -
Sempre foi, até agora. Eu era guri em 1954, na morte de Getúlio. Fui para o
enterro dele em São Borja. Quando terminou, não se apurou nada sobre o tal mar
de lama da qual se falava. Depois, em 1964, derrubaram o Jango. Diziam que ele
era o mais corrupto da história, que comprava uma fazenda por ano. A Igreja
Católica foi para as ruas, defendendo Deus, a pátria e a família. Os militares
ficaram 21 anos no poder, prenderam, mataram e nomearam cinco presidentes e não
teve ninguém do governo de João Goulart que foi preso por corrupção. Não
apuraram nada e não se falou mais nisso. Depois, eu fui ser coordenador do
Movimento das Diretas Já, pelo PMDB. Foi
espetacular ver topo aquele povo nas ruas e o
povo
todo favorável. Resultado: Tancredo foi eleito, morreu e assumiu o Sarney. E
não se apurou nada da ditadura. Por isso o Brasil é o país da impunidade.
Jamais o STF botou empresário, deputado ou ministro na cadeia. Nossa corrupção
não tem paralelo com os gangsteres de Chicago nem com a máfia italiana. Agora é
preciso mudar; o mundo inteiro está nos olhando.
Isto
É:- O que permitiu haver tanta corrupção?
Pedro
Simon: -
Não foram os políticos nem gente do Poder Executivo que começaram. A corrupção
nos governos de Lula começou com os maiores empresários, que se reuniram na
hora em q ue surgiram as novas grandes
obras. O esquema era para facilitar os negócios. Uma empreiteira pegava uma
obra no Rio, outra para São Paulo, uma terceira para o Nordeste. A partir daí,
eles começaram a indicar os dirigentes das estatais. Quando o Lula diz que não
foi ele que indicou, é capaz até de ser verdade. Mas não é tudo; esse pessoal
foi colocado lá para participar do esquema. O Sarney, quando presidente era da
tese do “É dando que se recebe”. Levou um monte de gente para o lado dele por
causa das estatais e dos bancos.
Isto
É: - Algo mudou desde
então?
Pedro
Simon: -
O que mudou foi agora o Supremo Tribunal Federal, ao definir que condenado em
segunda instância deve ir para a cadeia. Aquela votação de 7x4 é que mudou
tudo. O que ocorreu depois é consequência. Na segunda votação, essa decisão foi
mantida por 6x5, agora de novo. Por causa disso, ficarão presos, o
ex-presidente da Câmara Federal (Eduardo Cunha), o ex-todo-poderoso ministro da
Fazenda (Antônio Palocci), o ex chefe da Casa Civil (Zé Dirceu) e o milionário
das empreiteiras (Marcelo Odebrecht). As celas estão cheias e, mais importante,
há uma série de processos e investigações em apuração. Então, graças
principalmente a Lava Jato, já não dá para se dizer que não há justiça no
Brasil. O Lula finalmente foi preso, o Geddel (Vieira Lima) que tinha uma
montanha de dinheiro em um apartamento, teve todos os direitos garantidos. O
Maluf foi para a cadeia e hoje está fora. O problema está nos processos que
permitem recursos sobre recursos, frustrando a população. Uma reforma das leis
seria um segundo passo. Só que isso não pode ser feito agora.
Isto
É: - O senhor acredita
no “acordão” para salvar quem escapou até agora, como disse Romero Jucá?
Pedro
Simon: -
O que sei é o que todo mundo sabe. O “acordão” é tácito: Eles não precisam
conversar entre si para chegar a isso. Ontem, dia 4, era isso que estava em
vigor. Um ministro (Gilmar Mendes) veio de Portugal, antecipou o voto e foi
embora. Por quê? Todos os partidos envolvidos estavam nessa jogada, como quando
não votaram para processar o presidente Temer, assim como não prenderam o
Aécio. Só que ontem deu errado o esquema para liquidar com a Lava Jato.
Isto
É: - A Lava Jato é um padrão para investigar a
corrupção?
Pedro
Simon: -
Ela mudou o Brasil. Houve uma falha aqui ou acolá, como quando um procurador
fez um espalhafato dando a entender que estava tudo acabado quando não
conseguiram levar o Lula para depor na Federal. Foi um exagero. Eles agiram com
rigor com todos. O PT se queixa, mas o MDB e o PSDB e outros estão na mesma
situação. Agora há até a possibilidade de uma terceira denúncia contra o
presidente. Não há o que discutir sobre
o desempenho da Procuradoria e da Justiça.
Isto
É: - O que acha do Lula
começar a cumprir pena já?
Pedro
Simon: -
Não estou muito preocupado se vai ser o Lula ou outro que vai para a cadeia.
Não passa pela minha cabeça sequer que ele tenha que pagar e sofrer. O que
interessa é o simbolismo da questão. Ele tem que ir para o resto ir atrás. Agora
está todo mundo assustado. Alguns que ainda estão na fase de denúncia já sabem
qual será seu destino.
Isto
É: - Qual o resultado
dessa situação?
Pedro
Simon: -
Quem sabe será possível fazer um governo sério com quem ficou de fora. Para
tanto, teríamos que pensar no conjunto da sociedade e não apenas nos partidos.
Quando fizemos o impeachment do Collor, tínhamos conosco a CNBB e os
presidentes da ABI e da OAB, assim como gente de toda a sociedade. Hoje a
Igreja Católica está quieta. Naquela época, tínhamos o cardeal D. Paulo
Evaristo Arns, que era uma maravilha. Hoje não tem ninguém atuando de verdade.
Isto
É: - O senhor imaginou
que a Constituinte de 1988 produziria um texto que desse ao STF margem de
interpretar a prisão em segunda instância?
Pedro
Simon: -
Na Constituinte, vivíamos ainda o fim das prisões, das torturas, da falta de
liberdade e da inexistência de habeas-corpus. Foram mais de vinte anos. Na hora
de criar a nova Constituição, não se falava em corrupção. O que entrou em jogo
ali foram os direitos de defesa, in dubio
pro réu, quem manda é o povo,
liberdade de expressão. Tem direito para todo mundo, deveres e obrigações, só
para alguns. Foi um grande erro, mas algo justificável pelo clima de então.
Isto
É: - o Congresso está
com o presidente Temer?
Pedro
Simon: -
Há sempre grande perigo quando um presidente diz que precisa da maioria para
governar. E com esse Congresso que está aí. Temer não tinha como escapar. É
algo que já aconteceu antes. O Sarney quando presidente rompeu com o Ulysses e
criou o bloco dele, o Centrão, junto com o Roberto Cardoso Alves do PMDB. Eles
eram da tese do “é dando que se recebe”. Eu e outros acabamos de fora na hora
que o partido chegou ao poder. Nós queríamos moralizar o País, só que Sarney
levou um monte de gente para o lado dele por causa das estatais e dos bancos
públicos.
Isto
É: - Michel Temer
deveria concorrer?
Pedro
Simon: -
Acho que não. O governo dele acabou. Ele está na mesma posição que o Sarney no
fim do seu governo, quando ninguém queria o seu apoio. Só que o governo Temer
tem aspectos positivos. Ele conteve a inflação e, aos poucos, o desemprego
diminui. Acho que ele só fala em concorrer para continuar tendo alguma
perspectiva de poder.
Isto
É: - Em 2017, no
escândalo da JBS, o senhor chegou a defender a renúncia de Temer.
Pedro
Simon: -
Se o Temer tivesse renunciado, teria assumido a presidente do Supremo (Carmem
Lúcia), que certamente faria um governo acima do bem e do mal. Acho que ela
levaria adiante as coisas que estão acontecendo.
Isto
É: - No panorama atual,
quem seriam os grandes candidatos à presidência?
Pedro
Simon: -
Hoje vejo o Jair Bolsonaro (PSL) crescendo, mas não acredito que ele possa
fazer metade mais um dos votos no segundo turno. O Ciro Gomes (PDT) Foi bem no
Ministério da Fazenda e no governo do Ceará. O problema está em seu gênio que é
algo imprevisível se for para ele assumir uma presidência nas atuais
circunstâncias. Marina Silva (Rede) é boa para isso que está aí. Ela escolheria
um ministério de alto gabarito, como o Itamar fez após a saída do Collor. O
problema dela está na troca de partido e não negocia, não dá para ninguém. O
Álvaro Dias (Podemos) é um homem de bem, mas não sei se ele teria condições de
ultrapassar as barreiras de seu partido. O Geraldo Alckmin (PSDB) Foi por três
vezes governador de São Paulo. Já provou tudo que tinha que provar, mas acho
que não está na linha de renovação que todo mundo está querendo. O PSDB foi
muito atingido, visto as acusações contra o ex-governador (Aécio Neves) de
Minas Gerais.
Isto
É: - No passado, o
senhor criticou duramente o PMDB. Agora, como MDB, seu partido apresenta
condições de seguir no comando do executivo?
Pedro
Simon: -
Se analisarmos, nem o PSDB têm condições de governar hoje. Não surgiu alguém
para fazer o entendimento político necessário. Daí vão buscar o dono da
Riachuelo (Flávio Rocha) ou aquele rapaz da televisão (Luciano Huck), sem
contar esse ex-capitão da direita (Bolsonaro). Onde fomos parar? Ninguém tem
coragem de chamar para si essa missão.
Isto
É: - O senhor pensa em
voltar à política aos 88 anos?
Pedro
Simon: - (Encerrando
a entrevista, respondeu:) Essa foi uma boa piada.
Fonte:
Revista “Isto É” nº
2520.
+ Pequenas
modificações.
Jc.
São Luís, 10/4/2018
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