terça-feira, 10 de abril de 2018

ENTREVISTA COM O SENADOR PEDRO SIMON





 
A revista “Isto É”, publica em seu nº 2520, uma entrevista feita com o ex-senador Pedro Simon, a respeito da prisão do cidadão Luiz Inácio da Silva, pela justiça brasileira. Ele que foi senador da república por 32 anos, participou de alguns capítulos da história do Brasil, diz que optou por não se candidatar mais, hoje com 88 anos e aposentado, deu essa entrevista a André Vargas.
Ele acredita como velho tribuno que foi, que podemos estar diante de um ponto de virada na construção de um consenso em substituição ao “toma lá dá cá” até então existente, e uma melhora nas instituições jurídicas do país.
Isto É: - Para onde vai o Brasil após o julgamento do STF?
Pedro Simon: - Deus estava do nosso lado. Se a decisão fosse inversa, seria criada uma situação incontrolável. A Lava Jato terminaria e os presos com bons advogados, seriam soltos e mantida a expectativa de que a impunidade garantiria o futuro de qualquer vigarista. Essa última sessão do STF vai ficar na história. Duas mulheres salvaram o Supremo da desonra total: A presidente Carmem Lúcia, que marcou para votar essa questão em vez daquela que o quarteto queria, e a ministra Rosa Weber, que deu o seu voto decisivo. Todos que tinham dúvidas descobriram que qualquer um pode ir para a cadeia. Esse é o início de uma perspectiva de que o Brasil pode mudar para melhor.
Isto É: - Antes a justiça era mais parcial?
Pedro Simon: - Sempre foi, até agora. Eu era guri em 1954, na morte de Getúlio. Fui para o enterro dele em São Borja. Quando terminou, não se apurou nada sobre o tal mar de lama da qual se falava. Depois, em 1964, derrubaram o Jango. Diziam que ele era o mais corrupto da história, que comprava uma fazenda por ano. A Igreja Católica foi para as ruas, defendendo Deus, a pátria e a família. Os militares ficaram 21 anos no poder, prenderam, mataram e nomearam cinco presidentes e não teve ninguém do governo de João Goulart que foi preso por corrupção. Não apuraram nada e não se falou mais nisso. Depois, eu fui ser coordenador do Movimento das Diretas Já, pelo PMDB.  Foi espetacular ver topo aquele povo nas ruas e o 
povo todo favorável. Resultado: Tancredo foi eleito, morreu e assumiu o Sarney. E não se apurou nada da ditadura. Por isso o Brasil é o país da impunidade. Jamais o STF botou empresário, deputado ou ministro na cadeia. Nossa corrupção não tem paralelo com os gangsteres de Chicago nem com a máfia italiana. Agora é preciso mudar; o mundo inteiro está nos olhando.
Isto É:-  O que permitiu haver tanta corrupção?
Pedro Simon: - Não foram os políticos nem gente do Poder Executivo que começaram. A corrupção nos governos de Lula começou com os maiores empresários, que se reuniram na hora em q     ue surgiram as novas grandes obras. O esquema era para facilitar os negócios. Uma empreiteira pegava uma obra no Rio, outra para São Paulo, uma terceira para o Nordeste. A partir daí, eles começaram a indicar os dirigentes das estatais. Quando o Lula diz que não foi ele que indicou, é capaz até de ser verdade. Mas não é tudo; esse pessoal foi colocado lá para participar do esquema. O Sarney, quando presidente era da tese do “É dando que se recebe”. Levou um monte de gente para o lado dele por causa das estatais e dos bancos.
Isto É: - Algo mudou desde então?
Pedro Simon: - O que mudou foi agora o Supremo Tribunal Federal, ao definir que condenado em segunda instância deve ir para a cadeia. Aquela votação de 7x4 é que mudou tudo. O que ocorreu depois é consequência. Na segunda votação, essa decisão foi mantida por 6x5, agora de novo. Por causa disso, ficarão presos, o ex-presidente da Câmara Federal (Eduardo Cunha), o ex-todo-poderoso ministro da Fazenda (Antônio Palocci), o ex chefe da Casa Civil (Zé Dirceu) e o milionário das empreiteiras (Marcelo Odebrecht). As celas estão cheias e, mais importante, há uma série de processos e investigações em apuração. Então, graças principalmente a Lava Jato, já não dá para se dizer que não há justiça no Brasil. O Lula finalmente foi preso, o Geddel (Vieira Lima) que tinha uma montanha de dinheiro em um apartamento, teve todos os direitos garantidos. O Maluf foi para a cadeia e hoje está fora. O problema está nos processos que permitem recursos sobre recursos, frustrando a população. Uma reforma das leis seria um segundo passo. Só que isso não pode ser feito agora.
Isto É: - O senhor acredita no “acordão” para salvar quem escapou até agora, como disse Romero Jucá?
Pedro Simon: - O que sei é o que todo mundo sabe. O “acordão” é tácito: Eles não precisam conversar entre si para chegar a isso. Ontem, dia 4, era isso que estava em vigor. Um ministro (Gilmar Mendes) veio de Portugal, antecipou o voto e foi embora. Por quê? Todos os partidos envolvidos estavam nessa jogada, como quando não votaram para processar o presidente Temer, assim como não prenderam o Aécio. Só que ontem deu errado o esquema para liquidar com a Lava Jato.
Isto É: -  A Lava Jato é um padrão para investigar a corrupção?
Pedro Simon: - Ela mudou o Brasil. Houve uma falha aqui ou acolá, como quando um procurador fez um espalhafato dando a entender que estava tudo acabado quando não conseguiram levar o Lula para depor na Federal. Foi um exagero. Eles agiram com rigor com todos. O PT se queixa, mas o MDB e o PSDB e outros estão na mesma situação. Agora há até a possibilidade de uma terceira denúncia contra o presidente. Não há o  que discutir sobre o desempenho da Procuradoria e da Justiça.
Isto É: - O que acha do Lula começar a cumprir pena já?
Pedro Simon: - Não estou muito preocupado se vai ser o Lula ou outro que vai para a cadeia. Não passa pela minha cabeça sequer que ele tenha que pagar e sofrer. O que interessa é o simbolismo da questão. Ele tem que ir para o resto ir atrás. Agora está todo mundo assustado. Alguns que ainda estão na fase de denúncia já sabem qual será seu destino.
Isto É: - Qual o resultado dessa situação?
Pedro Simon: - Quem sabe será possível fazer um governo sério com quem ficou de fora. Para tanto, teríamos que pensar no conjunto da sociedade e não apenas nos partidos. Quando fizemos o impeachment do Collor, tínhamos conosco a CNBB e os presidentes da ABI e da OAB, assim como gente de toda a sociedade. Hoje a Igreja Católica está quieta. Naquela época, tínhamos o cardeal D. Paulo Evaristo Arns, que era uma maravilha. Hoje não tem ninguém atuando de verdade.
Isto É: - O senhor imaginou que a Constituinte de 1988 produziria um texto que desse ao STF margem de interpretar a prisão em segunda instância?
Pedro Simon: - Na Constituinte, vivíamos ainda o fim das prisões, das torturas, da falta de liberdade e da inexistência de habeas-corpus. Foram mais de vinte anos. Na hora de criar a nova Constituição, não se falava em corrupção. O que entrou em jogo ali foram os direitos de defesa, in dubio pro réu,  quem manda é o povo, liberdade de expressão. Tem direito para todo mundo, deveres e obrigações, só para alguns. Foi um grande erro, mas algo justificável pelo clima de então.
Isto É: - o Congresso está com o presidente Temer?
Pedro Simon: - Há sempre grande perigo quando um presidente diz que precisa da maioria para governar. E com esse Congresso que está aí. Temer não tinha como escapar. É algo que já aconteceu antes. O Sarney quando presidente rompeu com o Ulysses e criou o bloco dele, o Centrão, junto com o Roberto Cardoso Alves do PMDB. Eles eram da tese do “é dando que se recebe”. Eu e outros acabamos de fora na hora que o partido chegou ao poder. Nós queríamos moralizar o País, só que Sarney levou um monte de gente para o lado dele por causa das estatais e dos bancos públicos.
Isto É: - Michel Temer deveria concorrer?
Pedro Simon: - Acho que não. O governo dele acabou. Ele está na mesma posição que o Sarney no fim do seu governo, quando ninguém queria o seu apoio. Só que o governo Temer tem aspectos positivos. Ele conteve a inflação e, aos poucos, o desemprego diminui. Acho que ele só fala em concorrer para continuar tendo alguma perspectiva de poder.
Isto É: - Em 2017, no escândalo da JBS, o senhor chegou a defender a renúncia de Temer.
Pedro Simon: - Se o Temer tivesse renunciado, teria assumido a presidente do Supremo (Carmem Lúcia), que certamente faria um governo acima do bem e do mal. Acho que ela levaria adiante as coisas que estão acontecendo.
Isto É: - No panorama atual, quem seriam os grandes candidatos à presidência?
Pedro Simon: - Hoje vejo o Jair Bolsonaro (PSL) crescendo, mas não acredito que ele possa fazer metade mais um dos votos no segundo turno. O Ciro Gomes (PDT) Foi bem no Ministério da Fazenda e no governo do Ceará. O problema está em seu gênio que é algo imprevisível se for para ele assumir uma presidência nas atuais circunstâncias. Marina Silva (Rede) é boa para isso que está aí. Ela escolheria um ministério de alto gabarito, como o Itamar fez após a saída do Collor. O problema dela está na troca de partido e não negocia, não dá para ninguém. O Álvaro Dias (Podemos) é um homem de bem, mas não sei se ele teria condições de ultrapassar as barreiras de seu partido. O Geraldo Alckmin (PSDB) Foi por três vezes governador de São Paulo. Já provou tudo que tinha que provar, mas acho que não está na linha de renovação que todo mundo está querendo. O PSDB foi muito atingido, visto as acusações contra o ex-governador (Aécio Neves) de Minas Gerais.
Isto É: - No passado, o senhor criticou duramente o PMDB. Agora, como MDB, seu partido apresenta condições de seguir no comando do executivo?
Pedro Simon: - Se analisarmos, nem o PSDB têm condições de governar hoje. Não surgiu alguém para fazer o entendimento político necessário. Daí vão buscar o dono da Riachuelo (Flávio Rocha) ou aquele rapaz da televisão (Luciano Huck), sem contar esse ex-capitão da direita (Bolsonaro). Onde fomos parar? Ninguém tem coragem de chamar para si essa missão.
Isto É: - O senhor pensa em voltar à política aos 88 anos?
Pedro Simon: - (Encerrando a entrevista, respondeu:) Essa foi uma boa piada.

Fonte:
Revista “Isto É” nº 2520.
+ Pequenas modificações.

Jc.
São Luís, 10/4/2018

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