sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A VIDA E A OBRA DE CAIRBAR SCHUTEL

A VIDA E A OBRA DE CAIRBAR SCHUTEL

Hugo Gonçalves, nascido em Matão-SP., que teve contato direto e pessoal, quando adolescente, com o apóstolo do Espiritismo no Brasil, faz um depoimento sobre a existência e a obra de Cairbar Schutel, cujo nascimento é comemorado pelos espíritas, no dia 22 de setembro.

Falar de Cairbar Schutel, é muito difícil porque ele foi, a meu ver, o expoente da verdade, da justiça e do amor. Um homem que soube ser grande dentro da sua humildade; que se escondeu atrás de seus feitos extraordinários; que soube se conduzir no mundo, defendendo a Doutrina e propagando-a com todo o seu esforço, todo seu carinho e com toda sabedoria e amor. Por isso, digo ser difícil falar dele com uma linguagem à altura do que ele foi, do que representou e do que ele fez”, afirma Hugo Gonçalves.

“Cairbar nasceu no Rio de Janeiro, sendo seu pai comerciante de móveis. Aos 9 anos, ficou órfão de pai; dentro de pouco tempo perdeu também a mãe, sendo entregue aos cuidados do avô, que se encarregou de sua criação, educação e orientação. Mais tarde, foi morar em Araraquara-SP., onde se empregou na maior farmácia que ali existia, e, sendo tão bom farmacêutico, não demorou muito a ser convidado a assumir a gerência da farmácia. Depois resolve se mudar para Matão-SP., onde começou uma próspera carreira de boticário, como era conhecido o dono de uma botica, hoje farmácia.

Antes de ser espírita ele se tornou político, tanto que foi quem levou Matão a se tornar município, com seu trabalho e prestígio. Ele foi o primeiro prefeito de Matão, e comprou com seu próprio dinheiro, a casa que serviu para instalar a Prefeitura. Quando mais tarde, conheceu a Doutrina dos Espíritos, ele deixou de ser político; abandonou a política humana para abraçar a política do Céu.

Cairbar sentia muitas saudades de seus pais, e perguntava a si mesmo: Onde estarão eles? No inferno não podem estar porque eles não foram ruins. Para o Céu também não podem ter ido, porque não eram anjos nem santos. Onde estariam eles? – Por duas vezes ele fez essa pergunta ao vigário que era seu confessor. Na primeira vez, o padre disse-lhe que não se preocupasse com essas coisas, e na segunda vez lhe respondeu dizendo: “Olha, meu filho, isso é mistério de Deus. Nós não podemos querer imiscuir-nos nos mistérios da vida. Esqueça isso e cuide da sua existência”, concluiu o vigário.

Mas Cairbar insistiu e queria saber onde estavam seus pais e começou a pesquisar, a analisar e perguntar, até que um dia soube que na cidade havia um senhor conhecido por Manoel Calixto, cujo pai fazia sessão espírita. E foi então, através da mediunidade de Calixto Nunes Oliveira que ele assistiu pela primeira vez a uma sessão espírita, onde muitos espíritos se comunicaram; entre eles, manifestou-se um espírito que deu uma mensagem que encantou Cairbar Schutel. Jamais poderia aquele médium, homem humilde, que tinha uma linguagem tão simples, falar daquele jeito, dizendo coisas lindas, coisas maravilhosas e aspectos da sua existência e da tarefa que Cairbar teria que desempenhar em Matão. No dia seguinte, solicitado, Calixto forneceu a ele o endereço da Federação Espírita do Rio de Janeiro, e ele pediu por telegrama, as obras de Allan Kardec.

Quando começou a estudar a Doutrina dos Espíritos, ele descobriu um mundo novo. Ele então sentiu a necessidade de levar a doutrina a todas as pessoas, principalmente à gente de sua cidade, porque ele achava que todos deveriam saber dessas coisas que para ele eram sublimes. Então decidiu que deveria ter um local onde pudesse reunir as pessoas e estudar juntos, surgindo a idéia da fundação do Grupo Espírita Amantes da Pobreza, que foi inaugurado em 15 de julho de 1905. Ali ele começou os trabalhos, que não se limitaram apenas a reunir as pessoas para estudar e fazer trabalhos mediúnicos. Ele queria, antes de tudo, preparar as pessoas e começou a fazer palestras baseadas nas obras de Kardec. Então, muitas delas começaram a se encantar com os ensinamentos inclusive os pais de Hugo Gonçalves, que foram os primeiros companheiros dele. À medida que ele foi ampliando os seus conhecimentos e o seu trabalho na divulgação da Doutrina dos Espíritos, o vigário local se incomodava. O padre João Batista achava que o demônio estava querendo se alojar na cidade de Matão, e reuniu os fiéis, começando uma campanha contra Cairbar e a Doutrina, a ponto de ter sido convocado à cidade, um delegado que pudesse, unido à Igreja, proibir que Cairbar continuasse a fazer as pregações e os trabalhos mediúnicos.

Tudo foi em vão, e o vigário ampliou seu trabalho de perseguições mandando vir padres estrangeiros para Matão a fim de expelir o demônio da cidade. Foi então que Cairbar pensou que deveria ter um veículo de comunicação que levasse ao povo a palavra da verdade e desmascarasse os hipócritas. Surgiu assim, o jornal espírita “O Clarim”, justamente um mês depois da fundação do Centro Espírita. O primeiro exemplar do jornal saiu no dia 15 de agosto de 1905 e era publicado semanalmente e distribuído gratuitamente a todas as pessoas. Diz Hugo Gonçalves, que seu pai era um dos que saía levando o jornal pelas casas da cidade.

Havia gente que pegava o jornal com dois pauzinhos ou pano, para não contaminar as mãos, e punha-o no meio da rua e botava fogo; isso acontecia semanalmente na cidade. Foi assim que o “Clarim” realizou e realiza até hoje, o esclarecimento das passagens evangélicas e as consolações da doutrina espírita. Para fazer o jornal Cairbar montou uma gráfica, comprando uma máquina, cuja fotografia aparece no livro “Uma Grande Vida”, do professor Leopoldo Machado. Cairbar foi o primeiro no mundo a pregar o Espiritismo através do rádio, pela Rádio Cultura de Araraquara. Desse trabalho surgiu o livro “Conferências Radiofônicas”, onde estão as palestras que ele fez pelo rádio. Todos os domingos la estava ele na emissora, transmitindo a mensagem espírita. O programa era pago, e muito bem pago, porque ele só poderia conseguir isso com dinheiro. A repercussão foi grande, tanto que Cairbar se tornou conhecido em toda a região e em grande parte do estado de São Paulo. As conferências na rádio eram anunciadas na Revista Internacional de Espiritismo.

Ernesto Bozzano, na Itália, recebendo a revista e vendo nela a notícia sobre o programa radiofônico num lugarejo do estado de São Paulo, mandou para Cairbar, um cartão de parabéns pelo seu trabalho. Mas não veio só um cartão; vieram dois ambos com os mesmos dizeres, por causa da dúvida se chegaria ao seu destino. Isso foi providencial, porque naquela época estava no poder, o Sr. Getúlio Vargas e os Centros Espíritas estavam ameaçados de fechamento pelo Governo. A própria Federação Espírita Brasileira foi ameaçada de ser fechada. Cairbar ao receber os cartões de Ernesto Bozzano, que era a estrela do Espiritismo naquela época, na Itália, mandou um dos cartões para o Sr. Getúlio Vargas, junto com uma carta. Getúlio, diante disso, também se enterneceu por ver que na longínqua Itália, o maior dos cientistas estava parabenizando um trabalho que ele, Getúlio, desconhecia. Tudo isso serviu para afastar a ameaça de fechamento da Federação e dos Centros Espíritas, e ele pode continuar seu trabalho de divulgação do Espiritismo.

Cairbar na tribuna empolgava e emocionava, porque ele tinha uma voz que cativava, tinha muito conhecimento e ainda o dom da palavra arrebatando as multidões. Tanto é que, quando houve o movimento em favor da Constituição Brasileira, que daria a liberdade de pensamento e expressão, ele teve a coragem de organizar um congresso na cidade de São Carlos, que ele presidiu, e arrebatou as massas com sua palavra vibrante, defendendo a liberdade de pensamento, chegando até ao conhecimento das autoridades do País.

Certa vez o padre de Matão moveu uma campanha muito intensa contra Cairbar, procurando ele, por todos os meios, desfazer o trabalho que o espírita vinha realizando. Um dia ele estava pregando no Centro, quando chegou próximo dali a procissão da Igreja, com banda de música, com cantorias e foguetório, e ao passar em frente do Centro, o barulho era tanto que Cairbar parou de falar porque ninguém conseguia ouvi-lo. Ele então ficou esperando que a procissão passasse e o barulho cessasse. O pai de Hugo Gonçalves, português, quis sair à rua com uma tranca de porta para espalhar a multidão, no que foi impedido por Cairbar, que lhe disse: “Zé Maria, lembre-se do que disse o Mestre: “Quem com ferro ferre com ferro será ferido”. O português se sentou e nesse exato momento, houve um alarido e uma debandada geral na rua. Uns dizem que alguém gritou: - “Olha o boi!” Outros dizem que foi – “Olha o fogo!” O certo é que houve enorme confusão e todo mundo saiu a correr. No dia seguinte, os empregados da Prefeitura estavam recolhendo os pedaços de imagens de santos, de andores, de velas, porque naquele tempo saíam todas as imagens dos santos da igreja durante as procissões.

Cairbar era um verdadeiro cristão e defendia a Doutrina Espírita. Seria capaz de entregar até a camisa, se preciso fosse em favor de alguém que precisasse dele, mas na hora em que dissessem algo que denegrisse os princípios espíritas, ele era um gigante que defendia por todos os meios e forças as idéias espíritas. Ele se esquecia de si mesmo para servir a todos. O seu amor se estendia às criaturas como também aos animais e as plantas que ele mesmo cultivava. Nos fundos da sua casa, existiam seis quartos, em que colocava os doentes que ele mesmo tratava. Ele conduzia seus doentes numa carrocinha, conhecida como a “ambulância de Cairbar Schutel”, onde colocava um colchão para melhor acomodar a pessoa a ser transportada para sua casa, porque não havia hospital em Matão. Ele os tratava com remédios e os orientava para as verdades espirituais.

Cairbar achou que não podia ficar restrito à cidade de Matão, a umas dezenas de pessoas, a seus familiares e a seus amigos; todo aquele conhecimento que tinha poderia ser oferecido a muitas outras pessoas. Para isso, nada melhor do que outro veículo de comunicação – o livro. Então ele instalou uma Editora e só depois escreveu vários livros, sendo um dos mais conhecidos o que tem o título: “Parábolas e Ensinos de Jesus”, onde ele menciona todas as trinta e três parábolas proferidas por Jesus. No preâmbulo desse livro, ele afirma que a religião não se baseia unicamente na teoria, mas sim, na Historia, na Filosofia, nos fatos. Os fatos são o “tudo” na religião, como também na Ciência e na Filosofia. O que é a Ciência sem os fatos; a Química sem as reações; a Física sem os fenômenos; a Botânica sem as plantas; a Fisiologia sem o corpo humano; a Astronomia sem as estrelas? Assim também, como conceber a Religião sem os fatos que lhe servem de arrimo, e que vêm demonstrar a existência e sobrevivência da alma, e sua evolução contínua?

Na verdade, o que seria o Cristianismo sem as curas, sem as manifestações diversas, sem as aparições? O que seria o Cristianismo sem o cântico dos Anjos (espíritos), anunciando o nascimento de Jesus; sem os sonhos proféticos de José; sem a multiplicação dos pães e peixes; sem as aparições de Moisés e Elias no monte Tabor; sem as aparições de Jesus por quarenta dias após a sua morte física? – A Religião não se limita a um só mundo, a um só planeta; tem caráter universal e é muito mais do que os sacerdotes proclamam muito mais do que as igrejas concebem. Abrange os mundos o universo, e para que tenha caráter eterno, está no infinito, sem a dependência da vontade humana e sem estar circunscrita a uma família, a um povo, a uma nação, a um mundo.

Cairbar tinha um grupo mediúnico e os trabalhos de desobsessão eram realizados até mesmo sem a presença dos doentes que ficavam nos quartos. Aos domingos havia os trabalhos públicos com palestras. Ele era além de passista, possuidor também de faculdades de psicografia, psicofônia, vidência, audiência, curas, e sofria também como os outros que tratava, pois tinha de problemas cardíacos; angina do peito. No dia 30 de janeiro de 1938, após o trabalho público no Centro, os amigos conversavam animados no salão ao lado quando o médium Urbano de Assis Xavier foi incorporado por um espírito que disse: “Calma! Não se impressionem, mas peçam a Francisco Volpe que ponha as mãos sobre a cabeça de Cairbar Schutel”. Feito isso Cairbar reclinou a cabeça e desencarnou suavemente. Vinte minutos depois, o mesmo médium sentia a presença de Cairbar ao seu lado que lhe disse: “Urbano, conforte o pessoal. Estou satisfeitíssimo!” - Para que se tenha uma idéia da elevação espiritual de Cairbar Schutel, basta dizer que quando ocorre uma desencarnação, o espírito fica por algum tempo sem consciência, em sono reparador, assistido por Benfeitores Espirituais, e só após algum tempo, que pode durar até anos, é que ele pode se comunicar, o que não aconteceu com Cairbar e outros espíritos evoluídos que não precisam passar por esse estágio preparatório.

O sepultamento do corpo de Cairbar foi emocionante. A cidade parou, o comércio fechou as portas e a beira do túmulo, o Dr. Souza Ribeiro, em comovente despedida do amigo, chamou-o de: “O Espírita nº. 1 do Brasil”. Realmente se não fosse a atuação de Cairbar em defesa dos direitos de liberdade de pensamente e crença na Constituição Brasileira, talvez ainda estivéssemos sofrendo pressões e perseguições. . .”

Este foi o depoimento sobre a existência e a obra de Cairbar Schutel, feita por Hugo Gonçalves, editor do jornal “O Imortal”, da cidade de Cambé, no Paraná, que conviveu com Cairbar.


Bibliografia:
Jornal “O Imortal”


Jc.
S. Luis, 25/01/2004

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