Ás
vésperas de uma copa do mundo de futebol, a inanição da ex-pátria das chuteiras
é geral. Cadê as vuvuzelas, cadê as bandeiras?
Cadê o comércio enfeitado, cadê as calçadas pintadas de verde e amarelo,
cadê?
Quem
diria que uma das definições mais clássicas, bem-humoradas e alentadoras do
sentimento nacional, iria um dia virar pó?
Virou. O locutor esportivo Antônio Maria, escreveu nos idos da década de
1960, referindo-se a si e aos demais cidadãos: “Brasileiro, profissão: esperança”.
Hoje,
no Brasil, a profissão é o desencanto. Quem diria que uma das mais profundas
lamentações do escritor Machado de Assis, olhando os primeiros anos da nossa
República, iria atravessar mais de um século? Atravessou. Vendo a corrupção e o
fisiologismo que já brotava no meio político, naquela época, ele escreveu: “tudo
cansa, tudo isso exaure”. Nada muito diferente do que dizer nos dias atuais, tudo
isso desencanta.
Então
é bom elegermos logo, alguns fatos
pontuais que muito racionalmente componham
esse “tudo”. Em se tratando do Brasil, em se tratando de loucura, nada
mais natural do que começarmos pela política. Segundo Boris Fausto, um dos mais
conceituados historiadores da América Latina: “no país não há apatia diante da
disputa política; há desencanto”. Claro!
É tanta gatunagem com o dinheiro público, é tanto oportunismo deslavado,
é tanto cinismo esfregado na cara do povo, é tanto desmando, é tanta corrupção
(e, apesar da Lava Jato, ainda é tanta impunidade), que o desencanto bateu no brasileiro – e desencanto quando
bate, é duro de ir embora. É feito praga jogada por político e essa praga é
pior que praga de madrinha, pega e não sai. Desencanto se pega, se lava,
esfrega e ele não acaba.
Assim,
tomemos como exemplo as eleições suplementares que aconteceram no Tocantins, no
Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Foi espantoso o aumento nos índices de
abstenções e de votos nulos e em branco. No Tocantins, a taxa registrada foi de
43,54% na tentativa de eleger um governador. Isso significa que, nesse estado,
443.414 eleitores desistiram de crer nos políticos. Em Teresópolis, no Rio de
Janeiro, a percentagem sobe mais ainda na escolha de prefeito: 48,97% se omitiram na votação. Já na mineira
Ipatinga, na disputa pela Prefeitura, o coro do “não estou nem aí”, chegou a
47%. No cenário nacional a descrença é
na mesma proporção.
Pesquisas
de intenção de voto para presidente da República, nas eleições de outubro,
apontam que 45,7% dos cidadãos não irão às urnas porque estão desiludidos e votarão nulo, ou em branco. Boris Fausto
conclui: “no regime atual partidário se troca de legenda por tudo e por nada,
para vender apoio e comprar conforto. Implantou-se uma corrupção sistêmica como
nunca se viu”. E a corrupção sistêmica é
parteira do desalento.
Mas
nem só de política vive o desencanto do brasileiro. Vamos falar de futebol.
Viveu neste país um gênio do cine-jornalismo. Chamava-se Carlos Niemeyer, e ele
documentava, em seu canal 100, os melhores lances dos Fla-Flu, os jogos do
Santos de Pelé, os jogos do Botafogo do genial Garrincha, do Cruzeiro de Tostão
e Dirceu Lopes. Aqueles eram tempos alegres, ainda que ingênuos. Antes de
qualquer filme começar, em qualquer cinema e para a plateia, exibia-se o Canal
100 com a música: “que bonito é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando,
e vendo a rede balançar...” Muitas pessoas iam ao cinema só para ver o
documentário. Hoje não vão mais. A rede pode balançar, deixar de balançar,
furar até a rede, tanto faz ou fez.
Estamos
com uma nova Copa do Mundo e a inanição da ex-pátria de chuteiras é geral. Cadê
as vuvuzelas, cadê as bandeiras, cadê? Cadê o comércio enfeitado, as calçadas
pintadas de verde e amarelo? Cadê os folhetos com os jogos a serem disputados,
com horários e locais que eram distribuídos para todos? Há quem diga que a razão dessa passividade
foi os 7x1 que a seleção tomou da Alemanha, aqui mesmo no país. Dizem outros
que o trauma foi em 1950, na inauguração do Maracanã, quando a seleção perdeu a
Copa do Mundo para o Uruguai, de virada, por 2x1. A expectativa de uma grande
vitória sobre a Suíça foi frustrada com o 1x1 e, dizem por aí que o jogador
Neymar vai terminar ficando fora da copa alegando alguma contusão, razão porque
sempre está caindo em campo.
O
desinteresse atual é fruto também de uma fraca economia, do empreguismo nos órgãos
dos governos, a injustiça, somadas à penúria de cerca de 14 milhões de
desempregados. Se o estômago vazio não joga bola, boca de estômago roncando de
fome também não torce não, mano. E para temperar o desencanto com o pânico
gerando a depressão e com a economia em frangalhos, veio a ainda a greve dos
caminhoneiros que virou em baderna e escancarou a falta de autoridade reinante
no País. Falamos da política vergonhosa, da economia em frangalhos e da justiça
que não faz justiça aos bons cidadãos, só servindo de amparo aos corruptos e
criminosos, falamos da bola que agora rola melancólica porque ninguém mais se
ilude por causa da Copa de futebol.
Há,
no entanto, um último retalho da colcha de desencanto. Trata-se do crescente
número de brasileiros que abandonam o País porque, simplesmente, não dá mais
para aguentar. São impostos exorbitantes, leis sem conta, inclusive algumas sem
nenhum sentido, congresso brasileiro voltado exclusivamente para beneficiar
seus membros, autoridades corrompidas etc.
Por
essas e outras razões, muitos estão indo viver no exterior diante da falta de
horizontes aqui dentro. E por falar em saídas, nas contas da Receita Federal,
as declarações de quem vai embora explodiram mais de 50% entre 2015 a 2017. “O
desencanto se agrava pelo sentimento de que não dá para mudar nada para melhor
e não existe um futuro”, diz Luís Peres Neto, professor e pesquisador da Escola
Superior de Propaganda e Marketing. Na documentação de cada família que parte,
deveria constar na identificação de saída o seguinte: “brasileiros, profissão desencanto; tudo isso cansa, tudo
isso exaure e tudo isso é vergonhoso...”
Fonte:
Revista “Isto É” –
edição de 13/6/2018
+ Pequenas
modificações.
Jc.
São Luís, 15/6/2018.
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