sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A DOUTRINA DOS ESPÍRITOS




 
Datam da mais remota antiguidade, as tentativas de comunicações com os mortos, mas somente no século dezenove, com a estruturação da Doutrina dos Espíritos, em termos teóricos, foi que isso efetivamente ocorreu. Apesar das primeiras manifestações tidas como espíritas, terem sido efetuadas na América do Norte, foi, no entanto, no seio acolhedor da França, ponto convergente das atenções do mundo, devido á revolução que adotou a legenda da “Fraternidade, Liberdade e Igualdade”, que surgiu a figura do professor Hippolyte Leon Denizard Rivail, que observou e estudou os fenômenos das “mesas falantes”, e reuniu os princípios essenciais, ditados pelos Espíritos Superiores, formando um corpo doutrinário a que denominou de “Doutrina dos Espíritos” ou “Espiritismo”, no seu tríplice aspecto de Ciência, Filosofia e Religião. Publicando em 18 de abril de 1857, em Paris, o primeiro livro da codificação, com o título de “O Livro dos Espíritos”, ele o fez usando o pseudônimo de Allan Kardec, (para que não fosse reconhecida como mais uma obra sua já que havia publicado alguns livros), mas como uma obra dos Espíritos Superiores.

A Doutrina Espírita vê o Velho Testamento como o livro sagrado do povo hebreu, contendo algumas verdades como “Os Dez Mandamentos”, ao lado de regras humanas ditadas por Moisés que atribuía a elas, origem divina para aquele povo rústico e ignorante da sua época, além de narrativas por vezes contraditórias à moral evangélica. As revelações se ajustam às épocas e aos estágios evolutivos, seja de um povo ou de uma civilização; por isso elas são sucessivas. O Novo Testamento ou Evangelhos contêm os ensinos de Jesus para todos os seres humanos, de qualquer nacionalidade e de qualquer época, já que são verdades eternas, desde que, entendidas em espírito, ou no sentido espiritual, livre das interpretações e complementos humanos.

A última das três revelações, que é a Revelação dos Espíritos, esclarece as duas anteriores, quanto á capacidade de entendimento de considerável parcela da Humanidade, sem fechar as portas ao progresso e à evolução, como já ocorreu no passado. Auxilia a retificar o que foi mal compreendido, ou adulterado, despertando-nos para a luz da razão. Graças a essa intervenção do Plano Espiritual Superior em favor da Humanidade, aclaram-se várias passagens evangélicas que foram mal compreendidas e que deram origem a confusões e distorções no seio das igrejas cristãs.

Conforme a palavra esclarecida do professor Carlos Imbassay, “não mais as penas eternas, mas a existência progressiva com falecimentos temporários, mas sem paradas definitivas, sem condenação irremissível. Não mais a pena como vingança, como uma espécie de ódio do Criador à criatura, mas como remédio para a cura, como um passo para o progresso. A criatura não ressuscita para o Juízo Final, nem toma o mesmo corpo, nem vai para o inferno, mas volta em nova existência, em novo corpo, apropriado às necessidades do Espírito e moldado de acordo com as perfeições ou imperfeições do seu perispírito. A reencarnação é para efeito de proporcionar ao espírito, o aprendizado na Terra, por meio do corpo físico, quase sempre experimentando dores, no convívio com os semelhantes ou as provocadas pelas asperezas da natureza terrena; todas, porém, imprescindíveis à sua felicidade futura, porque a felicidade depende da purificação do Espírito, principalmente através das existências”.

Deus não veio a Terra. Criador de todas as coisas e de todos os seres, Supremo Criador do Universo, não poderia viver por trinta e três anos num dos mais obscuros  e atrasados planeta que criou.  Impossível que deixasse o Infinito, o Universo, abandonado para viver num minúsculo planeta de um dos menores sistemas. Quem vem ao Mundo são os seus emissários, e dentre eles veio o Cristo, que sofreu as vicissitudes da existência terrena para nos apontar o Caminho, trazer a Verdade e alimentar a Vida em sua plenitude. Deus não faz escolha, não há preferência; o progresso, a elevação espiritual, a felicidade, são frutos do esforço próprio de cada pessoa (espírito).

Não há diabos nem demônios com o fim de encaminhar os seres humanos ao fictício inferno (reino de satanás); o que existe são espíritos inferiores, aos quais damos acesso por afinidade, pelas nossas baixezas de sentimentos, que eles se aproveitam para nos prejudicar, induzindo-nos ao mal, perseguindo-nos por todas as formas que lhes são possíveis. Algumas vezes a perseguição é um ato de vingança; são dívidas anteriores contraídas para com eles que, sem o saberem, são instrumentos de nossa remissão.

Vejamos o que diz um cientista: “Enquanto nosso corpo se renova, peça por peça, pela substituição das partículas; enquanto ele existe e um dia fenece, massa inerte, para o túmulo, onde se decompõe, o nosso Espírito, ser pessoal, guarda a sua identidade e individualidade indestrutível, e liberto da matéria grosseira de que se revestiu, vive a sua personalidade independente, a sua essência espiritual, a sua grandeza e a sua imortalidade não sujeita ao império do tempo e do espaço”. Alertam-nos ainda, “que há coisas que estão acima da inteligência do ser humano mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios de exprimir”. (Questão 13 do L.E.) Ao mesmo tempo, o ensino claro dos Espíritos Superiores repele o panteísmo (adoração da Natureza como divindade), mostrando-nos pela razão, que o Criador, as criaturas e a natureza não se confundem, pois Deus é único, perfeito, criador do universo, da natureza, e das criaturas, que jamais poderão se transformar no próprio Deus.

A Doutrina dos Espíritos é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos. Bem como de suas relações com o mundo corporal. Como filosofia, explica as consequências que se originam dessas relações e os ensinamentos de Jesus a luz da Doutrina. Como religião, religa a criatura ao Criador, através do conhecimento das leis Divinas, e pela Fé na Bondade, Justiça e Amor de Deus. Os principais fundamentos do Espiritismo são: 1- A aceitação da existência de um Ser Superior a que denominamos DEUS; inteligência suprema, criador do Universo e de todas as coisas e seres; 2- A aceitação de Jesus, como guia e protetor espiritual da Terra; 3- A crença na existência do espírito, envolvido pelo perispírito que, quando encarnado, tem a denominação de alma, e que, após a morte física, conserva a lembrança de todas as passagens terrenas; 4- A crença no livre-arbítrio, que determina o destino do espírito de acordo com a causa e o efeito de seus atos; 5- A crença na reencarnação, através da qual o espírito vai evoluindo nos planos intelectual, moral e espiritual; 6- A crença na comunicação dos espíritos com os humanos e destes para com os espíritos; 7- A crença na pluralidade dos mundos habitados, atrasados e evoluídos.  Por meio destes três últimos princípios, podemos nós espíritas entender o que Jesus nos quis dizer, há dois mil anos passados; a- Quando apareceu aos seus discípulos, no Monte Tabor, conversando com os espíritos de Elias e Moisés; b- Quando se juntou aos seus seguidores, a caminho de Emaús, após sua morte física, e se fez conhecer por eles;  c- Quando se comunicou com Saulo de Tarso, na estrada de Damasco; d- Quando respondendo aos seus discípulos, disse: “Se vós bem quereis compreender, João Batista é o Elias que há de vir”; e- Quando disse a Nicodemos: “Não te maravilhes de te haver dito. Necessário vos é nascer de novo”; f- Quando respondendo a Pilatos, disse: “Meu reino não é deste mundo”; g- “Quando falando aos seus discípulos, disse: “Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse, eu já vos teria dito, porque eu vou para vos preparar o lugar”.

A Doutrina Espírita, como Ciência, Filosofia e Religião  não adota; dogmas, símbolos, sacerdócio organizado, vestes especiais, vinho, incenso, altares, imagens, velas, talismãs, amuletos e quadros. Não atende a interesses mundanos e materiais; não aceita adivinhações por cartas, búzios, tarô, bola de cristal; não recebe o espírita, pagamento por qualquer benefício que tenha feito ao seu próximo, não administra sacramentos, concessão de perdão, remissão de pecados, nem promete o céu ou o inferno a qualquer pessoa.

A desinformação de grande parte da sociedade, por falta de conhecimento ou estudo da Doutrina dos Espíritos, tem dado lugar a ditos curiosos, como os seguintes: “Espiritismo de Terreiro”, quando querem se referir aos rituais dos antigos escravos e seus descendentes, trazido para o Brasil quando o Espiritismo ainda nem existia, pois só surgiu no ano de l857; “Baixo Espiritismo”, quando deseja designar uma prática puramente espiritualista voltada para o mal; “Espiritismo de mesa branca” ou “Alto Espiritismo” quando querem se referir a uma prática mediúnica, voltada e afinada com o bem. Tudo isso não passa de falta de conhecimento da Doutrina. O sincretismo afro-brasileiro que originou a Umbanda, também nada tem a ver com a Doutrina dos Espíritos. Apenas uma coisa os une: A comunicação com os espíritos, que, diga-se não é exclusividade do Espiritismo nem da Umbanda, visto que essas manifestações se verificam também entre os índios e, com frequência, no seio das religiões pentecostais, e no movimento de renovação carismática dos núcleos católicos, que numa desinformação, são atribuídas ao Espírito Santo.

Cremos que para o bom entendimento da Doutrina dos Espíritos, precisamos exercer o auxílio consolador, a caridade fraterna, o intercâmbio de comunicações com os que estão na espiritualidade, e a pregação moralista e religiosa; porém, ficará falha e inconsistente, se não ajudar o ser humano a tomar uma nova consciência de si mesmo, rompendo com os modelos inferiores existentes. A esta operação, Paulo o apóstolo dos gentios, chamou: “A substituição da nova pessoa pelo despojamento da velha pessoa”, e acrescentou ainda: “Os que procuram seguir Jesus, se tornam novas criaturas”.  E como nos tornaremos uma nova pessoa? É simples. Aquele que se decide a seguir o Mestre Amado, tudo deve ser renovado. O passado delituoso, as situações de dúvidas. As incertezas terão chegado ao fim. As velhas cogitações com as coisas materiais serão diminuídas, dando lugar á vida nova do espírito, onde tudo signifique reconstrução para o futuro promissor. Os vícios, aos poucos serão afastados e esquecidos, os erros serão retificados, os maus pensamentos serão substituídos por novos sentimentos que vibrarão em sintonia com o Evangelho, e, as nossas ações serão voltadas para o bem; e com nossos exemplos de vida, estaremos semeando fraternidade, caridade e amor...

Não adianta para ninguém o muito conhecimento, as palavras bonitas e as boas intenções, sem o nosso interior renovado, pois estaremos indo ao encontro de Jesus, carregados de cadeias, e, apesar da sinceridade das nossas intenções, não conseguiremos ainda chegar ao santuário do seu Amor. Ao nos transformarmos em uma nova pessoa, o Espiritismo cumpriu em nós, a sua função, e renovados, poderemos com o conhecimento e a fé, praticar a caridade maior que consiste em darmos, além do auxílio consolador, da caridade fraterna, da pregação moralista e religiosa, damos também de nós mesmos, o nosso gesto será acompanhado do nosso sentimento de cristão. E, ao nos tornarmos novas criaturas, estaremos evoluindo e passando de uma morada de expiação e sofrimento, para outras moradas apropriadas ao nosso adiantamento espiritual, como fiéis discípulos de Jesus.

A Doutrina dos Espíritos é sem dúvida, a terceira maior dádiva concedida ao ser humano. Fundamentada nos ensinamentos de Jesus, ela é: a escola, o abrigo, o templo sagrado, a esperança e a fé, assegurando aos que a buscam, orientação e restauração na confiança em Deus, e a certeza de que em breve, dias melhores virão para a Humanidade. A assimilação de seu conteúdo se faz pelo labor constante e no trabalho de amor e caridade, sob a proteção de Jesus.

Finalizando, recordo as instruções do “Espírito de Verdade” sobre a Doutrina, contidas no livro:  “O Evangelho Segundo o Espiritismo”,  quando ele diz: “O Espiritismo, como antigamente minha palavra, deve lembrar aos incrédulos, que acima deles, reina a verdade imutável: O Bom Deus. Espíritas, amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instrui-vos, eis o segundo. Amai e orai; sedes dóceis aos Espíritos do Senhor; invocai-o do fundo do coração e, então, Ele vos enviará seu filho bem-amado para vos instruir e vos dizer estas palavras: Eis-me aqui, venho porque me chamastes.”
Que a Paz do Senhor, permaneça em nossos corações.
Bibliografia:
“Novo Testamento”. “O livro dos Espíritos”
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”

Jc.
São Luís, 11/2004
Refeito em 22/04/2019



O SEXO E O AMOR





 
O sexo é uma atividade e uma necessidade do organismo humano, com a finalidade de perpetuar a espécie humana na Terra. O Amor é um sentimento que atrai e harmoniza as criaturas, dando a elas o sentido divino do ser.
Nossa sociedade vive o fenômeno da “multidão solitária” em que as pessoas convivem lado a lado, mas dificilmente aprofundam contatos, o que torna cada vez mais raro o relacionamento genuíno entre duas pessoas. O ardor hedonista de satisfação imediata dos ímpetos sexuais tornou a figura do parceiro apenas um objeto de consumo. A psicanalista Maria Rita Kehl é categórica ao afirmar: “A aliança entre a expansão do capital e a liberação sexual fez do interesse das massas consumidoras pelo sexo um ingrediente eficiente de publicidade. Tudo o que se vende tem apelo sexual; um carro, um liquidificador, um comprimido contra dor de cabeça, um provedor da internet, um tempero industrializado. A imagem publicitária evoca o gozo que se consuma na imagem, ao mesmo tempo, que promete fazer do consumidor um ser pleno e realizado. Tudo evoca o sexo na medida em que a mercadoria se oferece como presença segura, positivada no real, do objeto de desejo”.
O consumo está tão enraizado em nossa sociedade que as pessoas estão se consumindo como se fossem mercadorias. As pessoas se tornam coisas que podem ser adquiridas, consumidas e descartadas ao gosto do usuário, trocando-o por outro que aparentemente se demonstre mais “interessante” no momento. Nessa dinâmica existencial, ninguém é considerado insubstituível e toda ideia de valorização se torna um argumento vazio. Nesse processo de dissolução da dignidade humana “a pessoa não se preocupa com sua existência e felicidade, mas em tornar-se vendável”. As relações se tornam apenas um meio de obtenção imediata de prazer sexual, e de modo algum, uma genuína interação interpessoal pautada pelo respeito e pela afirmação do valor humano do outro. Conforme argumenta a socióloga Eva Illouz, “na cultura do capitalismo afetivo, os afetos se tornaram entidades a ser analisadas, inspecionadas, discutidas, ignoradas, negociadas, quantificadas e mercantilizadas”.
Obviamente que todo ser humano tem o direito de experimentar, exaustivamente, as relações afetivas em busca da sua realização amorosa, mas o elemento criticável na conjuntura capitalista inserida na sociabilidade decorre da irresponsabilidade ética para com a figura do outro, imputada como desprovida de sentimentos e valores. Querendo gozar a existência plenamente mesmo que através da degradação do outro e sem que corra os riscos provenientes das incertezas decorrentes de toda relação, o outro é considerado apenas como uma peça, que rapidamente entra em processo obsoleto na frívola experiência afetiva, para que logo após se possa descartá-lo tal como um bagaço de laranja atirado ao lixo, sem que haja qualquer crise de consciência da parte do indivíduo ávido de experiências, em cometer tal ato para com o parceiro amoroso com quem se relaciona.
Hoje, tudo é permitido no sexo; troca-se de parceiro como se troca de peça de vestuário. Tememos o envolvimento com o outro, pois ele, na visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de desestabilizar a nossa frágil existência, a nossa atividade profissional e a nossa organização familiar.  Tudo isso é apenas desejo sexual, não é o Amor.                       
A vivência do amor genuíno se enraíza através da afirmação da alteridade, capacidade de compreender a interioridade do outro: o amor é, assim, uma experiência que preconiza os sentimentos, comunicando-se então os afetos de pessoa para pessoa. “Se eu amo o outro me sinto um só com ele, mas como ele é, e não na medida em que preciso dele como objeto para meu uso”. Existe amor quando os envolvidos na relação visam no parceiro um complemento existencial, e não um suporte para o preenchimento do vazio interior.
O amor autêntico por uma pessoa não pode se fundamentar apenas em um contrato moral-jurídico-religioso, mas sim em uma poderosa celebração de sentimentos regida pela afinidade, espontaneidade e alegria. O respeito verdadeiro pelo ser amado não brota pelo cumprimento de um formalismo contratual, mas sim pelo cuidado para com o outro, nascido pelo sentimento que nasce da afetividade.
Na Doutrina dos Espíritos, a união de duas pessoas que se amam, o que é divino além do sentimento de amor é a união dos sexos para criar novas criaturas a fim de substituírem os seres que morrem. Deus quis que os seres humanos estivessem unidos não somente pelos laços da carne, mais pelos laços da alma, para que a afeição mútua se transportasse também aos filhos.
Jesus ao responder aos Fariseus, sobre qual o mandamento maior da lei, lhes respondeu: “Amareis a Deus de todo o vosso coração, de toda a vossa alma e de todo o vosso espírito, sobre todas as coisas; e o segundo; amareis o vosso próximo como a vós mesmos”. No início da sua criação, o ser humano só tem instintos; mais avançado, ele tem sensações; mais evoluído, tem sentimentos, e o sentido mais delicado do sentimento é o Amor. Quando Jesus pronunciou essa divina palavra – amor – ela fez estremecer toda a humanidade... Assim, não devemos dar o nome de amor a um simples ato sexual, porquanto o Amor não se faz; ele é um sentimento divino. O sexo pode ser praticado, pelos que se amam como um complemento do sentimento de Amor existente entre ambos.

Fontes:
Revista “Filosofia” – 06/2013
Renato Nunes Bitencourt
“Evangelho Segundo o Espiritismo”
+ Pequenas modificações

Jc.
São Luís, 24/10/2013