Era
uma vez um meninozinho, de olhos castanhos, igual a tantos outros que vivia no
seu mundo de faz de conta. Silêncio! Até o dia em que anunciaram aos seus pais
que todas essas coisas que as crianças normais fazem, ele dificilmente
conseguiria fazer... Passado o temor inicial, “pais, por favor, muito amor”,
avisou o dedicado doutor. E assim aconteceu. Que outra função tem o amor?
Os
pais acolheram o meninozinho, cativando-lhe desejos simples. O meninozinho
então cresceu silencioso e respeitado, sem sofrer os golpes contra os quais é
inútil lutar. Pois no autismo uma das soluções nunca tem a ver com cura, mas
sim com o fato de que na casa de um autista tudo mundo é convocado a aprender
um modo diferente de ver e perceber o mundo. E é justamente aqui que se abre a
esperança nos entes queridos.
Pais e familiares de uma criança altista
estão diariamente expostos a testes e desafios, que geram impactos abruptos, ou
às vezes dolorosos, no destino familiar, principalmente porque são convocados a
conviver com um transtorno global de desenvolvimento que a todos afeta
inevitavelmente no ambiente doméstico. Estudos e literatura diversa que tratam
do autismo apontam que para os pais, o nascimento de um filho autista é uma
experiência difícil, marcada pela angústia da descoberta de que o filho
desejado é, na realidade, um filho autista. Ou seja, com o choque da notícia do
diagnóstico, os pais vivenciam a dor da perda
do filho idealizado e, ao mesmo tempo, são chamados gradualmente a entender
e ajustar-se ao nascimento de um filho diferente.
À medida que uma criança autista será
autista enquanto viver, depois de um período de luto (simbólico), dor e
perplexidades, o envolvimento da família no geral adquire uma condição
determinante: os pais se tornam parceiros
na existência da criança autista. Indiscutivelmente, o autismo gera crises
e desequilíbrios na dinâmica familiar.
Reivindica aceitação, adaptação e cooperação por parte de todos os membros da
casa em relação à criança autista. Na realidade, caso consideremos a família
como um sistema, aquelas com
maior amor antes da criança autista
nascer, inclinam-se a responder
melhor à nova demanda imposta pelo
autismo do que outras famílias. Por isso, e com frequência, a ocorrência de
divórcios ou de famílias que se desarticulam em face das dificuldades de sua
criança autista. Além disso, pais que cuidam de um filho autista relatam muitas
memórias associadas à solidão e à exclusão social.
Em vez de ilusão ou desesperança, pais
que se informam, buscam apoio social e se unem na divisão dos cuidados e são
mais capazes de nutrir esperanças e, em consequência, fazer investimentos no
desenvolvimento do filho autista a fim de que ele possa, no futuro, tornar-se
uma pessoa mais autônoma possível. Assim, começaram a levá-lo ao médico quando
ele tinha dois anos. Fizeram testes fonoaudiólogos que deram negativo. Aí nos
indicaram a doutora Tárcia, psiquiatra, que se dispôs a nos ajudar. Ela havia
desenvolvido um protocolo próprio para cuidar de pacientes como o nosso filho e
tinha casos de sucesso já catalogados.
Nessa época, já com quatro anos, ele
começou a tomar o remédio Carbamazepina e neuleptil (um
anticonvulsionante e um ansiolítico). O fato é que a doutora nos deu muita
segurança por ter um plano muito seguro. Ela sabia para onde estava conduzindo
o tratamento dele e foi, assim, descrevendo antecipadamente as fases por que
ele iria passar e as conquistas paulatinas que alcançaria. E assim foi que os
prognósticos se mostravam sempre positivos, pois tinham por base outras crianças nas mesmas
condições, que haviam amadurecido emocional e fisicamente, com os medicamentos.
Nos laudos dados por ela, nunca fechou o diagnóstico, deixando-o inconcluso, para
não haver rotulamento precoce, com consequências negativas.
Aos seis anos ele começou a falar,
embora com dificuldade. Esse atraso global de desenvolvimento, conforme
aprendemos lendo sobre o assunto, foi aos poucos sendo vencido. O mais
interessante foi que ele criou, ao vivo, todas as noções de convivência com o
mundo exterior – físico e humano. Por isso ele perguntava se era para rir de
alguma situação que ele não sabia distinguir, se eram “risíveis”, entre outros
exemplos.
Sofremos desde cedo o isolamento, pois
sair com ele ou tentar frequentar eventos era sinônimo de preocupação e
cuidados,
quase sempre insuficientes para
controlá-lo. Com o isolamento passamos a nos fechar em casa para cuidar dele.
Ele não sentia dor quando se machucava, conseguia andar descalço na rua, pulava o portão e fugia e não
aceitava o colo de ninguém a não ser que fosse a sua mãe. Desde os primeiros
anos de escola, a orientação da doutora Tárcia foi que a escola seria,
principalmente, um espaço de convivência, de socialização, que ele não poderia
ficar obrigado a ir e, se não conseguisse, que ficasse apenas parte do tempo
das aulas. Assim aconteceu por alguns anos, e no quinto ano, por ter se
afeiçoado à professora, ele passou a ficar o tempo todo nas aulas; antes íamos
buscá-lo depois do intervalo.
O seu processo de amadurecimento,
conforme os prognósticos da doutora Tárcia, tem se cumprido, pouco a pouco. Ela
vaticinou que ele chegará à Universidade, tal como outras crianças sob seus
cuidados. Ao fazer 16 anos, ele está no 9º ano e é um dos melhores alunos da
sala, e conseguiu fazer laços de amizade com colegas e professores. Ele tem
poucos amigos fora do círculo familiar, pois não gosta de sair; ele se diz um
“coelho” e o que lhe interessa mais é ficar na sua “toca”. Ele tem questionado
a razão de ser obrigado a frequentar a reunião que fazemos do “Evangelho no
Lar”, conforme a prática tradicional das famílias espíritas. A internet e o jogo têm um papel muito
importante para ele. A conselho da médica que afirmara que o jogo ajudaria a
amadurecer em muitos aspectos, lhe fomos permitindo, aos poucos, que ele
tivesse acesso a eles no computador e nos consoles. Hoje ele é um entendido em
jogos, principalmente da Nintendo.
Pela sua afinidade com a tecnologia, pretendemos
torná-lo um profissional nessa área.
Temos trabalhado para que ele alcance autonomia mais ampla e possa, se desejar
no futuro, morar só. No momento diz que
não sairá de casa e que cuidará de sua mãe. Sempre buscamos fazê-lo variar suas
ocupações de lazer, fazendo-o revezar entre jogar, assistir séries ou desenhos
ou desenhar e brincar. Até hoje ainda cuidamos dele, embora não inspire mais os
cuidados como antes.
Aconselhamos os pais que possuem filho
autista a nunca perder a esperança, pois há muitos meios terapêuticos, hoje, a
disposição mesmo que não haja muitos recursos financeiros. Outro é não
acreditarem em “tratamentos milagrosos”,
pois a
cura dos males físicos e emocionais é,
em grande parte, devida ao “amor em família”, as orações com muita fé e a boa
convivência ao longo dos anos.
Felizes e abençoados por Deus, são os
pais que recebem os filhos que necessitam de cuidados especiais, os
amparando, os assistindo e ainda, os
encaminhando para uma existência difícil, porém de carinho, caridade, amor e
evolução para os envolvidos nesse processo.
Para maiores esclarecimentos sobre o
autismo, uma fonte indicada é a Associação
de Amigos do Autista: www.ama.org.br
Fonte:
Jornal “O Imortal” – maio/2018
Artigo de Eugênia Pickina
+ Modificações e acréscimos
Jc.
São Luís, 18/5/2018
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