Ela foi um marco na história dos hospitais espíritas. Oitenta anos de funcionamento de um hospital, em atividades ininterruptas, iniciada por uma pioneira espírita, é fato deveras marcante. Este ano transcorrem 130 anos do nascimento de sua fundadora, Benedita Fernandes, vulto que colaborou para a construção de uma das marcas que caracterizam Araçatuba (SP), quando a cidade tinha apenas 20 anos de existência. Ela fundou uma obra assistencial que sensibilizou a população e começou a registrar de forma concreta a prática da benemerência, da solidariedade e da orientação espiritual.
Benedita Fernandes nasceu em Campos Novos da
Cunha (SP), num povoado entre Guaratinguetá
e Parati, nos altos da Serra do Mar, no dia 27 de junho de 1883, e desencarnou
em Araçatuba no dia 9 de outubro de 1947. Sabe-se o mínimo sobre sua família,
pois Benedita perdeu o contato com ela em virtude de seu desequilíbrio
mental/espiritual. Pela sua cor e considerando-se a região de seu nascimento,
certamente ela era descendente próxima de escravos.
Nos anos de 1920, ela foi
curada da subjugação espiritual por um carcereiro da cidade de Penápolis (SP),
que era espírita. A partir daí, ocorreu profunda transformação na sua
existência. Ela chega a Araçatuba com o propósito de trabalhar pelo próximo e,
no então Patrimônio de Dona Ida, atual bairro Santana, juntamente com outras
lavadeiras – pessoas simples e de pouca instrução – deu início ao atendimento a
pessoas, na época, consideradas “loucas”, e a crianças abandonadas. No dia 6 de março de 1932, fundou a
Associação das Senhoras Cristãs que originou o atual Hospital Benedita
Fernandes. Surgia a primeira obra assistencial espírita da cidade e da região,
bem como um dos marcos históricos do Movimento Espírita.
Durante os 20 anos de sua
profícua atuação assistencial e espírita naquela cidade, Benedita manteve
também a Casa da Criança, o Asilo Dr. Jaime de Oliveira, o Albergue Noturno e
as Escolas Mistas, todos funcionando na Rua Newton Prado, próximos ao lugar
onde está situado o atual Hospital. Também foi pioneira nos esforços de união
dos espíritas, com a fundação da União Espírita Regional do Noroeste, nos idos
de 1942, ação antecessora da movimentação que gerou a fundação da União das
Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, em 1947.
Benedita conquistou o
respeito e a admiração do povo e das autoridades, de políticos locais e de
governadores do Estado. Ela era muito procurada por pessoas que recorriam à sua
assistência espiritual e autoridade moral, que conquistou pelo trabalho
dedicado e desinteressado aos semelhantes. Depois de prestar um atendimento
domiciliar à nossa bisavó materna nos idos de 1939, conta Antônio Cesar Perri
de Carvalho, alguns de nossos familiares foram visitar as obras de Benedita,
até como gratidão pela assistência espiritual recebida e entre outras
observações “viram uma doente mental toda contorcida
que ao ouvir as palavras de
Benedita, alusivas à fé e à bondade de Deus, juntou as mãos como se estivesse
orando”.
No Movimento Espírita,
Benedita tinha amizade e contato, nos anos 1930, com Cairbar Schutel, que
publicava noticias sobre as suas obras em “O Clarim”, e, na década seguinte,
com Leopoldo Machado – um dos grandes líderes espíritas do País -, que escreveu
várias vezes sobre ela, principalmente no citado periódico. Num desses artigos,
Leopoldo faz registro importante de um depoimento de Benedita: Houve um tempo em que meus passes e minha água
fluídica andaram curando muita gente. Quase me canonizaram por isso! Minha
santidade crescia á medida que as curas se operavam. E eu, embora passando por
santa, já não tinha as mesmas horas livres para tratar de minhas crianças, de
meus obsidiados. Acontece, ainda, que os doentes só pensando na sua cura,
egoisticamente, em si mesmos, não
aceitavam explicações, não respeitavam horas de consultas. Acabei com a
santidade e com os passes e água fluídica, vendo meus amigos, que ser santa é o
diabo!...
Frases simples e de efeito,
mas com fundamentação doutrinária, surgia sempre, o que refletia sua lucidez
espiritual. Certa vez em visita à Fundação Pestalozzi, em Franca (SP), no ano
de 1979, o médico e educador Tomaz Novelino relatou-nos que ele e Benedita
estiveram presentes a uma reunião sobre tratamento de doentes mentais. Na
oportunidade Benedita, fazendo referência à “moda da época”, de que o obsidiado
deveria desenvolver a mediunidade, arrematou sabiamente: “ao invés de desenvolvidos, vão
é acabar envolvidos...” A
lucidez doutrinária da pioneira pode ser comprovada com a leitura do capítulo
“Dos inconvenientes a perigos da mediunidade”, de o Livro dos médiuns.
Por outro lado, a título de
contribuição para as reflexões, principalmente dos dirigentes espíritas,
destacamos que o exemplo marcante da pioneira e a expressão de suas obras não
impediram que ocorressem momentos de dificuldades e até de tentativas de
deturpação de suas obras. Anotamos a preocupação em artigo escrito, após a
superação dos problemas: “Os vários tipos de crises que o Sanatório
Benedita Fernandes passou nos últimos cinquenta anos sugerem algumas reflexões
sobre as instituições assistenciais em geral.
Sem considerar a complexa questão da administração de instituições, como
os hospitais que envolvem várias nuances eminentemente técnicas, no momento, é
oportuna a avaliação doutrinária também para o movimento espírita. Em absoluto
não estamos criticando, mas realizando uma análise depois de ponderável período
de tempo. Esse não é o primeiro caso conhecido,
em que o labor assistencial, desvinculado do Centro Espírita
apresenta problemas sérios. Há situações que a obra chega a se
descaracterizar. Assim, é sempre cabível a discussão sobre os objetivos reais
das instituições espíritas e sobre suas formas de engajamento nos labores de
construção de uma sociedade em novas bases e a ação sincrônica e fraternal com
o movimento espírita”.
Desde nossa juventude,
continua Antônio, nutrimos admiração por seu vulto e divulgamos, logo após o
aparecimento, a psicografia de Chico Xavier, de 1963, intitulada “Num
domingo de calor”, assinada pelo Espírito Hilário Silva, referente
á Benedita Fernandes, na qual ela é chamada de “abnegada
fundadora” e “mulher admirável”. Em 1967, propusemos a comemoração dos 20 anos
de sua desencarnação e, em março de 1982, promovemos a “Semana Benedita
Fernandes”, patrocinada pela então União Municipal Espírita de Araçatuba, com
palestras alusivas ao Jubileu de Ouro da obra da homenageada, nas dependências
do Sanatório, nos Centros Espíritas da cidade, e oferta de painel, alusivo à
obra de Benedita, no Museu local. Na oportunidade, lançamos o nosso livro “Dama
da Caridade”, biografia da homenageada, editado pela União Municipal Espírita
de Araçatuba.
Surgiram mensagens de
Benedita, psicografadas por Dolores Bacelar – dirigente e médium que atuou na
cidade do Rio de Janeiro - , que nos relatou episódios interessantes,
relacionados com o trabalho da seareira paulista; e também por Divaldo Pereira
Franco, inclusive no ambiente de nosso lar, ainda em Araçatuba. Os exemplos de
Benedita e as mensagens espirituais de sua autoria foram utilizados por muitos
expositores, entre eles, Mário da Costa Barbosa, que trabalhou na área de
assistência social espírita nos Estados de São Paulo e do Pará.
Há muitos anos já havia
referência à atuação espiritual da pioneira em várias regiões do País e
conhecemos instituições que a homenageiam, designando-se Benedita Fernandes, em
cidades de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará.
A mulher simples e humilde
se transformou num marco na cidade de Araçatuba e região, e numa das referências
históricas dos hospitais espíritas!
Bibliografia
Antônio
Cesar Perri de Carvalho
Revista
“Reformador” – 03/2013
+ Pequenas modificações.
Jc.
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