Cultiva-se
silêncio sobre a quantidade de brasileiros que são simpáticos a uma saída
autoritária (militar). Mas falar dessa assombração, e falar em voz alta, é o
melhor antídoto para espantá-la para longe.
Responda
com franqueza, por favor: se amanhã o ministro Gilmar Mendes, por exemplo,
fosse despejado do seu gabinete no Supremo Tribunal Federal, por um
terceiro-sargento do Exército, enfiado num camburão verde-oliva e entregue na
penitenciária da Papuda por ordem do alto-comando das Forças Armadas, quantas
lágrimas você derramaria por ele? Esqueça as lágrimas. Você, ao menos, diria
alguma coisa, qualquer coisa, contra a prisão do ministro? Ou ao contrário,
acharia muito bem feito o que lhe aconteceu? Só mais uma coisa: entre Gilmar
Mendes ou Tóffoli, ou Lewandowski, e o
general que mandou todos para o xadrez, depois de evacuar o prédio e passar a
chave no STF, você ficaria ao lado de quem?
Para
completar o exercício, vamos juntar ao Supremo o Congresso Nacional inteirinho,
com seus 513 deputados federais e 81 senadores, os 27 governadores, as centenas
de prefeitos e mais os milhares de reizinhos, sem concurso público e sem
competência, nomeados para mandar na máquina pública – onde se dedicam a roubar
o Erário, tirado do nosso bolso, para si e seus chefes, e a infernizar a nossa
existência. Se as Formas Armadas assumissem o governo, fechassem o Congresso e demitissem essa gente toda, de preferência mandando a maioria para o
xadrez, tente calcular quantos brasileiros ficariam a favor dela e quantos
ficariam a favor dos militares. Chegue então às suas conclusões.
Intervenção
militar, regime militar – quem gosta de falar dessas coisas abertamente? É
preciso ficar contra, é claro – e ficar contra agora pode vir a ser um belo
problema depois, se a casa acabar caindo um dia. É verdade que o cidadão que
tem algum tipo de interesse em política já não sente maiores incômodos em tocar
no assunto, principalmente se não tem mais paciência com o lixo que as mais
altas autoridades da República produzem sem parar e depositam todos os dias à
sua porta. Não chega a ser uma surpresa fenomenal, assim, que um número cada
vez maior de cidadãos esteja começando a achar
que
seria uma boa ideia se os militares assumissem de novo o governo do Brasil para
fazerem uma limpeza em regra na estrebaria que é hoje a vida pública do país.
Mas,
entre os políticos, nos meios de comunicação, nas classes intelectuais e em
outros lugares onde as pessoas supostamente “entendem” dessas coisas, é um
assunto que se trata como um porco-espinho – com extremo cuidado. É melhor não
ficar comentando em voz alta e dizem. Não é o momento, não é o caso, não “se
trabalha com esse cenário”. É como falar mal do defunto no velório, na frente
do caixão. Tudo bem. Mas não é assobiando que se espanta a assombração. Nem
fazendo cara de preocupado em programa de televisão ou escrevendo artigos para
solicitar aos militares, por favor, que respeitem rigorosamente a Constituição;
as instituições e os monstros que criaram e hoje estão soltos por aí. É preciso
muito mais do que isso.
Está
complicado, em primeiro lugar, porque muita gente nem acha que essa assombração
é mesmo uma assombração – ao contrário, acham que é a equipe de resgate
chegando para salvar os feridos. Quantos brasileiros, hoje, seriam a favor de
uma intervenção militar? É pouco provável que os institutos de pesquisas façam
a pergunta, porque têm medo de ouvir a resposta – mas eis aí, justamente, um
indicador muito interessante. Dá para deduzir, por ele, que uma grande parte da
população receberia com uma salva de palmas, as imagens de tanques rolando nas
ruas e políticos, ministros supremos e empreiteiros de obras atropelando-se uns
aos outros para fugir pela porta dos fundos. Em segundo lugar, está complicado
porque as democracias só ficam em pé se são vistas como um bem importante e
compreensível pela maioria da população – e se há um número bem suficiente de
cidadãos dispostos, de verdade, a brigar por sua manutenção.
Muito
bem: quantos brasileiros acham que estão realmente beneficiados, em sua vida
cotidiana, por essa democracia que veem
desfilar à sua frente no noticiário de cada dia? E quantos topariam sair à rua
para defender, por exemplo, o mandato dos senadores Romero Jucá, Renan Calheiros,
Edson Lobão ou Jader Barbalho? O fato, é que não vai embora por mais que se
queira fazer de conta que “as instituições estão funcionando”, porque
praticamente ninguém, (com raríssimas exceções) no mundo político, merece o mínimo respeito do cidadão hoje em
dia. Honestamente: alguém seria capaz de dizer o contrário? Se os encarregados
de manter o regime democrático em funcionamento se desmoralizam todos os dias,
e desprezam abertamente as regras da democracia com suas condutas criminosas,
fica difícil supor que esteja tudo bem. Nossas autoridades “constituídas” acham
que está.
Como
a Constituição diz que é proibido fechar o Supremo, o Congresso, etc., imaginam
os políticos que podem continuar fazendo qualquer barbaridade que lhes passar
pela cabeça, Imaginam que os militares, informados de que existe uma “cláusula
pétrea” mandando o Brasil ser uma democracia, se veriam obrigados, por isso a continuar assistindo em silêncio à anarquia
promovida diante de seus olhos, por magistrados do STF, presidente,
governadores, ministros de Estado, lideres parlamentares e demais peixes
graúdos que têm o dever e a obrigação de
sustentar o cumprimento das leis – mas vivem em pleno colapso moral e não
conseguem mais segurar nem uma barraca de praia.
É
cansativo ouvir, mais uma vez, que a democracia é uma coisa e as pessoas que
ocupam os cargos de governo são outra. Não se devem confundir as duas, reza a
doutrina, pois nesse caso um regime democrático só poderia existir numa
sociedade de homens justos, racionais e bondosos. Se as pessoas que mandam estão
mandando mal, a solução é substituí-las por outras por meio de eleições,
processos na justiça e demais mecanismos previstos em lei. Mas o Brasil está
fazendo mais ou menos isso desde 1985, e até agora não deu certo. Alguém tem
alguma previsão sobre quanto tempo ainda será preciso esperar? A democracia
brasileira faliu; é possível que nunca tenha tido chances reais de existir, por
insuficiência de gente realmente disposta a praticá-la, mas o fato é que estão
tentando fazer o motor pegar há mais de trinta anos, e ele não pega. Talvez
ainda desse para ir tocando adiante por mais tempo, com um remendo aqui e outro
ali. Acontece que neste momento, justamente, há muito menos esforço para
escorar o que está bambo do que para tacar fogo na casa inteira.
A
questão central, curiosamente, é a manutenção da lei. Nove em dez golpes são
dados por quem tem o poder e quer mandar a lei para o espaço. Aqui parece estar
se montando o contrário, pois os militares dizem, como deu a entender semana
atrás o general Eduardo Villas Boas, comandante do
Exército, que exigem o cumprimento da Constituição e das leis
penais para continuar nos quartéis. Quem está querendo abolir a aplicação da
lei são os que têm a força, mas chegaram à conclusão de que não conseguem
sobreviver se forem mantidas as regras atuais da democracia brasileira. Está
mais do que claro de quem se trata. Trata-se em primeiro lugar, do
ex-presidente Lula, do PT e dos seus partidos auxiliares. Em segundo lugar, vem
o populoso cardume de políticos, dos partidos, que estão fugindo da Justiça
Penal por prática de corrupção e outros crimes – são centenas de indivíduos,
sem dúvida. E em terceiro lugar, fechando a trindade, estão as empreiteiras de
obras públicas, fornecedoras do governo e o restante das gangues que vivem de
roubar o Tesouro Nacional.
Todos
esses precisam desesperadamente de uma virada de mesa que solte Lula da prisão
e salve da linha de tiro os ladrões ameaçados pela lei e devolva condições
normais de operação para o negócio da malandragem de dinheiro público em geral.
O último esforço em seu favor foi essa grosseira ofensiva dos ministros Gilmar,
Tóffoli e Lewandowski para tirar Lula da prisão, suprimir provas dos processos
criminais que ele tem pela frente, anular sua condenação, impedir o trabalho do
juiz Sérgio Moro – em suma, fraudar a Justiça Penal brasileira numa trapaça de
escala realmente monumental, com o vago objetivo de “zerar tudo”. É o sonho de
Lula e seus bem pagos advogados ricos de Brasília, do Complexo PT-PSOL-PCdoB,
etc., e de dez entre dez ladrões sob a ameaça de punição: declarar a Operação
Lava Jato ilegal, sumir com tudo o que ela já fez, está fazendo ou vai fazer e
demitir o juiz Sérgio Moro a bem do serviço público, e ainda com todos os
magistrados que combatem a corrupção no Brasil. Eles não dizem isso, é claro:
sua conversa é que estão aplicando o embargo dos embargos de agravo
teratológico com efeito suspensório, diante da combinação hermenêutica de mutatis mutandis interlocutórios com ora pro nobis infringentes.
Não
perca o seu tempo com o vodu jurídico do STF sobre o “direito de defesa” que a
mídia repassa para você com casca e tudo: é pura tapeação para ver se soltam
Lula da cadeia e ajudam a ladroagem – primeiro para que ele escape da
penitenciária e, em seguida, para permitir que continue roubando em paz. É
disso que se trata. Há, simplesmente, uma guerra contra o estado de direto
neste país, comandada pelas forças que
não podem conviver com ele. Lula e o seu sistema de apoio não querem a
democracia. Recusam-se, abertamente, a cumprir a lei e a aceitar decisões
legítimas da Justiça; sabem que não têm futuro num regime democrático, com
poderes independentes, Lava Jato, imprensa livre e o restante do pacote. Estar
no governo, para essa gente, não é a mesma coisa que seria para você. Eles precisam estar no governo, não só para
ter empregos, fazer negócios e ganhar dinheiro da Odebrecht e outras, mas
porque enfiar-se no poder é a diferença entre estar dentro ou fora da cadeia. É
por isso que os senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, entre
outros se agitam tanto. Se as leis continuarem a ser normalmente aplicadas,
eles poderão ter diante de si, em breve, ações penais duríssimas.
É
por isso que o deputado Wadih Damous, também do PT, disse outro dia que “é
preciso fechar o Supremo Tribunal Federal” – depois de reconhecer que o ministro
Gilmar é um “aliado” do partido. (O deputado não esclareceu o que pretende
fazer com ele, mais os Tóffolis, Lewandowskis e similares, depois de fechar o
STF.) O mundo político e a elite, caídos de quatro no chão, olham em silêncio
para tudo isso, aterrorizados por Lula e assustados com a voz da tropa. Quando
quiserem reclamar, poderão se ver reclamando tarde demais e em pouca
companhia...
Fonte:
Revista “Veja” edição
2581
Artigo de J.R. Guzzo
+ Algumas
modificações
Jc.
São Luís, 21/5/2018
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