Na era antes do
Cristo, os povos não conheciam o significado da palavra Caridade. Utilizavam o
termo “esmola” para definir a doação de algum bem material dado a outra pessoa.
Existia entre os hebreus,
um código moral recebido por Moysés, chamado “Decálogo” ou “Dez Mandamentos”,
que determinava o “Amor a Deus sobre todas as coisas”, e outras leis menores
que regulavam as relações entre as pessoas, isto porque, os povos daquela
época, eram primitivos demais e não estavam preparados para melhores e elevados
conhecimentos.
Com o advento de
Jesus, o auxílio proporcionado por Ele, às outras pessoas, tomou o nome de
Caridade, e passou a ser definida como uma forma de amor ao próximo; não mais
como simples esmola. Esmola, filantropia e Caridade são três coisas distintas.
A esmola é uma doação material, geralmente passageira, sem compromisso com as
causas que levaram a criatura a esmolar. Já a filantropia, que está associada a
um processo de doação, auxilia a pessoa a alcançar outro nível da sua situação
de miséria. Portanto, esmola é pura doação; filantropia é promoção, maneira de
melhorar o ser humano.
A Caridade é mais de
ordem espiritual. Pode ela valer-se de situações materiais como a esmola ou a
filantropia. A Caridade é benevolência, é indulgência e perdão; é um conjunto
de sentimentos que brotam do íntimo, irradiando e envolvendo as pessoas e
seres, objeto da ação. Para dar esmola ou fazer filantropia, necessitamos de
recursos materiais. Para fazer a Caridade necessitamos abrir nossa alma e
permitir que nosso sentimento atue efetivamente em favor do próximo. Por esse
motivo, a Doutrina dos Espíritos coloca a Caridade como condição essencial para
nos aproximar de Deus. Jesus serviu-se da Caridade para nos ensinar como
proceder para com nossos irmãos, por muito nos amar.
O que compreendemos
como Caridade? – Ajudar, acolher, abrigar, compartilhar, criar condições de
melhoria, oferecer o ombro amigo, trabalho, dinheiro? - É certo que qualquer
dessas atitudes poderá ser vista como Caridade, mas o quer torna cada uma
dessas ações uma atitude de Caridade? – Não basta apenas a ação; ela terá que
ser acompanhada da doação do nosso sentimento, do envolvimento com o outro. Não
basta dar, ou mesmo, criar uma obra filantrópica; é preciso dar-se, se doar,
como espírito que somos na caminhada evolutiva.
Também, para fazer
Caridade, como para tudo em nossa existência, não basta apenas ter boa-vontade,
tempo ou dinheiro. É preciso a abnegação e o sentimento fraterno daquele que
pratica a ação caridosa. Se houver necessidade de ser mantida por longo tempo,
seremos capazes de realizá-la? Quantos
de nós teremos de investir no trabalho de ajuda, sem deixar de nos envolver com
o nosso trabalho renumerado e com a nossa família? Essa nossa ação em benefício
do próximo, está amparada no sentimento de servir, ou será apenas um impulso
momentâneo? Não será apenas para que os outros tenham conhecimento da nossa
“bondade”? – Nunca esqueçamos de que, apenas amando e auxiliando desinteressadamente
o nosso próximo, é que seremos felizes
na nossa ascensão para Deus.
Historicamente, a
prática da Caridade, é usada no interesse da acomodação social, isto é, leva os
ricos a minorar o sofrimento dos pobres, para que estes, não se rebelem contra
as injustiças que lhes são impostas, enquanto os ricos aplacam suas
consciências, na acomodação de se sentirem aprovados pelo padrão ético vigente.
Era assim no passado, assim continua até hoje. Nas épocas de calamidade
pública, surgem essas atitudes até nas classes governantes; mobilizam-se a
sociedade para fornecer alimentos, remédios, roupas, etc., a uma população de
trabalhadores, sem trabalho. Precisam eles de esmolas ou de uma infraestrutura
social que lhes possibilitem terra ou trabalho para viverem com dignidade? Nessa
paisagem sócioeconômica, às vezes mascarada de cristã, a Caridade adquire o
caráter de doação material. Eis porque
até hoje as ideias de Caridade se confundem com a esmola que é uma doação
descompromissada e sempre humilhante das sobras dos que têm fartura.
Jesus ao dizer: “Não
saiba a mão esquerda o que dá a mão direita”, significa que não devemos ficar murmurando arrependidos, sobre o bem
que tivéssemos feito ao nosso semelhante. Sobre esta recomendação, lembramos do
caso relatado por Machado de Assis, a respeito de um rico comerciante e um
modesto camponês, na Rússia. “Seguia a cavalo o rico comerciante, quando de
repente o cavalo disparou a correr. Nada detinha o seu galope e o comerciante
pensou que ia morrer. Se caísse, a sua cabeça bateria nas pedras e a morte
viria a seguir... Eis então que surge um camponês que, corajosamente arriscando
sua vida, se coloca a frente do animal, segura-o pelo cabresto e o faz parar de
correr. Foi um milagre! – O comerciante agradecido, retira da carteira uma nota
de mil rubros, passando-a ao camponês. – O coitado quase caiu de susto, pois
nunca vira uma nota daquele valor! – Em seguida saiu pulando feliz, no rumo da
choupana a mostrar para a mulher e o filho, a dádiva recebida. Mil rubros, uma
fortuna! – “O comerciante ao vê-lo partir feliz, começou a pensar sobre a
doação: Acho que dei dinheiro demais... mil rubros? Por que não 500? Ou mesmo 200? – Talvez o pobre infeliz
ficasse contente com 100 ou até menos. Quem sabe com 10 rubros... afinal ele
ganha por dia 5 rubros. Acho que dei
dinheiro demais, por pouca coisa e foi
embora arrependido.
Isso costuma
acontecer com todos nós. Na hora do entusiasmo, nós damos generosamente. Depois
nos arrependemos e começamos a sofrer. Outro
exemplo
aconteceu com um
rapaz que nunca era convidado para ser padrinho. Ele já estava ficando
complexado. Todos eram convidados menos ele. Será que eu não sirvo para ser
padrinho? – Um dia ele foi convidado e ficou muito feliz. Tão feliz que logo
prometeu ao noivo dar uma geladeira de presente. Uma geladeira na época era um
presente muito caro. Então ele se arrependeu, mas como tinha prometido teve que
cumprir a promessa... e tome sofrimento.
Muitas pessoas
acreditam que quem dá aos pobres empresta para Deus; mas costumam querer saber
o que o beneficiado vai fazer com a doação. Por exemplo: Um pedinte pede um real para comprar pão.
Certas pessoas atendem ao pedido, mas logo advertem: “Olhe lá, estou dando para
você comprar pão; não vá gastar com outra coisa, ouviu?”
Outro exemplo diz
respeito a um mecânico que também era médium. Ele era um bom operário e tinha
uma boa assistência espiritual. Como
sempre acontece com médiuns assim, nasce logo a adoração e surgem as pessoas
interessadas nos favores dos mentores espirituais, que envolvem o médium, o
bajulam, o elogiam, o presenteiam e acabam se tornando donos dele. Querem
utilizá-lo a qualquer hora, para resolverem seus problemas. Com isso vai-se a
disciplina na assistência mediúnica e na profissão que lhe garante o sustento
da família, que fica sacrificada. Os seus assistidos, para tê-lo
permanentemente à disposição, lhe sugerem deixar a profissão de mecânico, que
eles lhe garantem um salário. E assim
foi feito, e cada um dos favorecidos ajudava com uma parcela do salário
ajustado. No princípio funcionou. Porém, com o passar do tempo, cada um foi
deixando de contribuir, e o mecânico sem a ajuda e sem o trabalho que perdeu,
logo as dificuldades aparecerem; o aluguel atrasou, a comida faltou, a luz foi
cortada e as necessidades se instalaram. Ele passou então a cobrar pelos
serviços mediúnicos, em desacordo com as recomendações de Jesus que disse: “Daí
de graça o que de graça recebeis”, e em pouco tempo ele é abandonado pelos seus
guias espirituais e a desmoralização se apresenta. Os próprios assistidos de
outrora que tanto o bajulavam, são os primeiros a falar mal dele abertamente. A
obsessão se instala e o sofrimento se faz presente, pelo indevido uso dos dons
divinos, causados pela imprevidência.
Pessoas há que dão
uma oferta à Igreja, uma contribuição a uma instituição beneficente e tratam
logo de fazer uma “fezinha” nas loterias, pensando que vão ter a recompensa
divina, ganhando o primeiro prêmio. Outras pessoas usufruem dos bens terrenos
com que foram beneficiados sem se importarem com as necessidades dos outros,
que são seus irmãos, e só se lembram de doar alguma coisa, na hora em que estão
próximos da morte, quando não podem mais se servir da fortuna. Fazem então um
testamento deixado um tanto para o Asilo, outro tanto para o Orfanato, para a
APAE e outras entidades... e fazem isso porque não podem levar consigo os bens
materiais.
Na primeira Epístola
aos Coríntios, Paulo nos dá preciosos ensinamentos ao dizer: “Ainda que eu
falasse as línguas dos homens e dos Anjos, ainda que eu tivesse o dom da
profecia e conhecesse todos os mistérios, toda a Ciência, e tivesse toda a fé,
até o ponto de transportar montes, se eu não tiver Caridade, eu não sou nada.”
A Lei nº 5063
instituiu o DIA DA CARIDADE, a ser comemorado anualmente no dia 19 de julho,
com o objetivo de difundir e incentivar todos, à prática da solidariedade entre
os brasileiros e os demais povos aqui domiciliados. O dia 19 de julho
representa o reconhecimento oficial da sublimidade contida nos ensinamentos de
Jesus, e se constitui um marco de uma nova era de entendimento e de boa vontade
entre as pessoas. Estabelece o texto da lei: Art.2º “A organização ficará a
cargo do Ministério da Saúde, Educação e Cultura, constando obrigatoriamente de
visitas a hospitais, casas de misericórdia, asilos, orfanatos, creches,
presídios, e os demais lugares onde a necessidade e a dor se façam presente.”
Essa lei porventura está sendo cumprida?
Eu que fui dirigente de uma entidade beneficente por três anos, nunca
recebemos uma visita referente ao cumprimento dessa lei. É bem verdade que a
Caridade não se tornará num passe de mágica, uma instituição nacional, só
porque o Governo Federal estabeleceu mais um “dia” no calendário das datas
comemorativas do país. Percebe-se isso, ao ver que a humanidade não se tornou
mais fraterna por sido designado o dia 1º de janeiro, como o dia consagrado à
Confraternização Mundial.
É vigorosa no
Evangelho, a idéia de que os bens da Terra devem ser regidos pela “boa vontade
entre as pessoas”. Não são condenadas as riquezas como recursos da existência
na Terra, mas sim, o egoísmo e a usura com que os ricos fazem dela. Não faz
parte da essência cristã, a doação pura e simples da doação para aplacar a
fome, continuando o rico mais rico e o pobre mais miserável, com todo o cortejo
de carências.
Os espíritas têm um
movimento de anos de ação filantrópica e o fazem de forma espontânea, séria e
cristã, é afirmação do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, idealizador da
campanha “Ação pela Cidadania e pela Vida”. A grande legenda espírita “Fora da
Caridade não há salvação”, penetrou nos corações dos espíritas, motivo pelo
qual a caridade cristã, sobretudo a assistência social, teve seu ponto alto
aqui no Brasil, com a disseminação da Doutrina dos Espíritos, que começou no
século passado, com a assistência aos necessitados, efetuada pelo Dr. Bezerra
de Menezes, chamado de “o médico dos pobres”, grande incentivador da Caridade.
O seu exemplo foi seguido posteriormente por diversos espíritas como Cairbar Schutel,
Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Frederico Figner, Meimei, Francisco
Candido Xavier, Jerônimo Mendonça, Divaldo Pereira Franco, Raul Teixeira, e
tantos outros anônimos, que levantaram e levantam bem alto a Caridade, em nome
de Jesus e da Doutrina dos Espíritos.
Existe também a
assistência social, praticada em toda parte, que é realizada por profissionais,
como: médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiras e outras
categorias, que recebem o pagamento pelos seus serviços assistenciais prestados,
em nada relacionado com a prática da Caridade, a não ser em raríssimas
exceções.
Hoje em dia, já
despontam projetos de grande alcance social, promovidos pela Unicef, órgão da
ONU para a infância, que trabalha reabilitando a sociedade por meio da criança,
indo além do prato de comida. Esse movimento social ainda é insuficiente face
as grandes necessidades mundiais, o que convoca os espíritas a participar
isoladamente ou nos Centros Espíritas, dos projetos assistenciais. Lembrando
que, para o Espiritismo, a Caridade vai muito além do auxílio material. A
verdadeira Caridade é aquela que fazemos quando doamos além da ajuda e da
palavra, damos também de nós mesmos; o nosso gesto de fraternidade é
acompanhado do nosso sentimento, do nosso amor de cristão. A prece, o passe que
proporcionamos aos nossos irmãos necessitados e sofredores, é uma forma de
Caridade maior, que nos proporciona o bem estar íntimo. Dinheiro nenhum compra
a alegria e a satisfação que sentimos quando praticamos a Caridade.
O religioso, seja ele
qual for, que tomando conhecimento dos ensinamentos de Jesus, não procura
realizar a transformação de pensamentos e atos e não passa a exercer a
Caridade, para com seus semelhantes,, apenas está se rotulando de cristão, pois
o verdadeiro religioso é renovação, é amor ao próximo, pois “É dando que se
recebe”, como bem disse Francisco de Assis.
Jesus que nasceu e
viveu pobre, que não tinha sequer uma pedra onde repousar a cabeça, conforme
afirmou, foi o primeiro a praticar a Caridade e o que mais a exemplificou.
Distribuiu a Caridade a justos e injustos, bons e maus pecadores e publicanos,
curou cegos, aleijados, paralíticos, leprosos; devolveu à vida para a filha de
Jairo, o filho da mulher de Naim e a Lázaro, irmão de Maria e de Marta.
Portanto meus irmãos
vamos seguir o exemplo de Jesus e cumprir com nosso dever, contribuindo com a
nossa parcela, através da doação ou da nossa inscrição como sócio de uma
entidade beneficente, para amparar os necessitados e sofredores. Também podemos
doar um olhar de ternura, um gesto de compreensão, uma palavra de esperança, um
abraço fraterno de irmão, um pão repartido, um remédio doado, uma roupa sem
uso, uma ajuda dada com carinho, junto com um pouco de nós mesmos, faz bem ao
nosso próximo, é verdade... mais faz bem
primeiro a nós mesmos. Vamos lembrar as palavras de Jesus quando disse: “Eu vos
digo em verdade, quantas vezes o fizestes a um destes pequeninos necessitados e
sofredores, foi a mim mesmo que o fizestes...”
A realidade é que
quase sempre estamos a pedir para Deus, mas bem poucas vezes, nos lembramos de
dar aos outros. Quantas vezes já se lembrou
de agradecer a Deus pela existência, pela família, pelas facilidades e
dificuldades, pelo dia que passou sem anormalidades, quantas? Quantas vezes durante a presente existência
já praticou uma boa ação que lhe trouxe o bem estar? Quantas vezes, já agradeceu aos seus entes
queridos e lhes disse que os ama?
Quantas vezes, já procedeu mal e tentou se corrigir para que não
voltasse a assim proceder?
A Caridade é o vínculo
que nos aproxima de Deu e que a Paz do Senhor esteja em nossos corações...
Jc.
12/11/2008
Refeito em 18/9/2019